O relato feito por Mrs. De Morgan sobre dez anos de experiência de Espiritismo cobre um período de 1853 a 1863. O aparecimento desse livro, com o prestigioso prefácio do Professor De Morgan, foi um dos primeiros sinais de que o novo movimento tanto se espalhava nas altas camadas quanto nas massas. Então surgiu o trabalho de D. D. Home e o dos Davenport, que são tratados alhures minuciosamente. O exame pela Sociedade Dialética começou em 1869 e a ele nos referimos mais adiante. O ano de 1870 foi a data das primeiras pesquisas de William Crookes, empreendidas depois do escândalo produzido pela recusa dos homens de ciência “de investigar a existência e a natureza de fatos constatados por muitas testemunhas honestas e fidedignas.”
No mesmo periódico – o Quarterly Journal of Science – refere-se ele à crença compartilhada por milhões, e acrescenta: “Quero verificar as leis que regem a manifestação de tão notáveis fenômenos que, presentemente, ocorrem numa amplitude quase incrível.”
A história dessa pesquisa foi publicada in extenso em 1874 e causou tamanho tumulto entre os mais fossilizados homens de ciência – desses de quem se pode dizer que ficaram com a mente dominada por aquilo em que trabalham – que chegaram a propalar que ele seria expulso da Sociedade Real. A tempestade desabou, mas Crookes foi chocado por sua violência e verificou-se que, durante muitos anos, até que a sua posição fosse consolidada, tornou-se muito cauteloso em exprimir publicamente as suas opiniões. Em 1872-73 apareceu o Reverendo Stainton Moses como um novo fator e sua escrita automática levantou o assunto para um plano mais espiritual, na opinião de muita gente. O lado fenomênico pode atrair a curiosidade, mas quando muito repetido como que choca as mentes judiciosas.
Então ficaram em moda as conferências e os transes. Mrs. Emma Hardinge Britten, Mrs. Cora L. V. Tasan e Mr. J. J. Morse fizeram orações eloquentes, supostamente sob a ação de Espíritos, influenciando largamente enormes auditórios. Mr. Gerald Massey, o conhecido poeta e escritor e o Doutor George Sexton também fizeram conferências públicas. De um modo geral o Espiritismo teve grande publicidade.
O estabelecimento da British National Association of Spiritualists em 1873 deu impulso ao movimento, porque muitos homens públicos bem conhecidos e senhoras da alta sociedade a ela se associaram. Entre estas devem ser mencionadas a Condessa de Caithness, Mrs. McDougall Gregory (viúva do Professor Gregory, de Edimburgo), o Doutor Stanhope Speer, o Doutor Gully, Sir Charles Isham, o Doutor Maurice Davies, Mr. H. D. Jencken, o Doutor George Sexton, Mrs. Ross Church (Florence Marryat), Mr. Newton Crosland e Mr. Benjamin Coleman.
A mediunidade de uma alta qualidade, no setor dos fenômenos físicos, foi fornecida por Mrs. Jencken (Kate Fox) e Miss Florence Cook. O Doutor J. R. Newton, famoso médium curador da América, chegou em 1870, e numerosas curas gratuitas foram registradas. Desde 1870 Mrs. Everitt exercitou uma mediunidade maravilhosa, como a de D. D. Home, gratuitamente, convencendo a muita gente. Herne e Williams, Mrs. Grusy, Eglington, Slade, Lottie Fowler e outros fizeram muitas conversões através de sua mediunidade. Em 1872 as fotografias do Espírito de Hudson despertaram enorme interesse e em 1875 o Doutor Alfred Russel Wallace publicou o seu famoso livro “On Miracles and Modern Spiritualism”.
Um bom meio de traçar o desenvolvimento do Espiritismo nesse período é examinar o depoimento de testemunhas fidedignas contemporâneas, especialmente as que são qualificadas por sua posição e experiência para poderem opinar. Antes, porém, de lançar um olhar sobre o período que estamos considerando, olhemos a situação em 1866, tal qual a via Mr. William Howitt nuns poucos parágrafos tão admiráveis que o autor se sente obrigado a citá-los ad litteram. Diz ele:
“A posição atual do Espiritismo na Inglaterra, se a imprensa fosse onipotente, dada a sua influência, seria pouco animadora. Depois de empregar todos os meios possíveis para prejudicar e desacreditar o Espiritismo; depois de lhe haver aberto as suas colunas, na esperança de que o vazio e a loucura ficassem tão aparentes que os seus espertos inimigos logo fossem capazes de atingi-lo com argumentos irrespondíveis e assim verificarem que todas as vantagens da razão de fato estavam de seu lado; depois de havê-lo difamado e ferido sem propósito, toda a imprensa, como se por consenso geral ou de plano pré-estabelecido, adotou a tática de abrir as suas colunas a toda falsidade e a toda história insensata a respeito dele, mas se fechando hermeticamente a qualquer explicação, refutação ou defesa. Desde que todos os outros meios para o liquidar haviam falhado, foi decidido sufocá-lo. Pregar um esparadrapo literário em sua boca e deixar que seu pescoço fosse cortado por quem quer que desejasse fazê-lo. Assim esperava poder desferir-lhe o golpe de graça.
“Se alguma coisa pudesse aniquilar o Espiritismo, sua atual estima pelo público inglês, seu tratamento pela imprensa e pelas cortes de justiça, a tentativa de sua supressão por todas as forças da inteligência pública, o ódio que lhe votam todos os heróis do púlpito de todas as igrejas e credos, a sua simples aceitação ainda mesmo por esse público que a imprensa considera maluco e pervertido, as suas próprias divisões internas – numa palavra, a sua preeminente impopularidade o teriam liquidado. Mas é assim? Ao contrário: jamais ele se arraigou tão firmemente na massa de mentes adiantadas; nunca seu número cresceu tão rapidamente; jamais suas verdades foram mais eloquente e claramente defendidas; jamais as investigações a seu respeito foram mais abundantes e ansiosas.
“Durante todo o tempo em que a imprensa e os boatos estiveram lançando o insulto e o desprezo sobre ele, jamais as reuniões de Harley Street foram tão concorridas e superlotadas por senhoras e cavalheiros das classes médias e altas, que ouviam com admiração as eloquentes e sempre variadas mensagens de Emma Hardinge. Ao mesmo tempo os Davenport, milhares de vezes denunciados como impostores, outras tantas demonstraram que os fenômenos que produziam continuavam inexplicáveis por qualquer teoria, exceto a espírita.
“Que significa tudo isto? Que indicam esses fatos? Que a imprensa e o púlpito, os magistrados e as cortes de justiça uniram as suas forças, mas fracassaram. Ficaram aniquilados ante essa coisa que eles próprios classificam de pobre, maluca, falsa e inconsistente. Se ela fosse tão pobre, maluca, falsa e inconsistente, como é que o seu saber, as suas denúncias inescrupulosas, os seus vastos meios de ataque e os seus não menores meios de cerceamento da defesa, as suas ordens aos ouvintes e sua opinião para a multidão – como é que todo o seu espírito, sarcasmo, lógica e eloquência não a podem atingir?
“Longe de a abalar e atingir, não alcança um cabelo de sua cabeça ou uma franja de seu vestido.
“Já não é tempo para que todas essas hostes combinadas dos grandes e dos sábios, dos cientistas e dos ilustrados, dos dirigentes do senado e das cortes de justiça, os eloquentes favoritos do Parlamento, os magnatas da imprensa popular, de posse de toda essa artilharia intelectual que um grande sistema nacional de educação e um grande sistema nacional de Igreja, de Estado e de aristocracia, acostumado a proclamar aquilo que deve ser aceito como verdade e considerado honroso por todos os cavalheiros e senhoras honradas – já não é tempo, perguntava eu, de que todo esse grande e esplêndido mundo de espírito e de sabedoria comece a suspeitar de que defrontam algo de sólido? De que existe algo vital nisso que tem tratado como um fantasma?
“Não quero dizer a essas grandes corporações que governam o mundo que abram os olhos e vejam que os seus esforços são infrutíferos e confessem a sua derrota, porque provavelmente elas jamais abrirão os olhos e confessarão a sua vergonha. Mas digo aos próprios espíritas: por mais escuros que os dias vos pareçam, jamais foram tão cheios de promessas. Ligadas como estão todas as forças dos instrutores e dirigentes públicos, jamais, entretanto, as perspectivas foram mais claras de nossa vitória final. Sobre ele há todas as características de conquista de influência em nossos dias. Ele tem à sua frente todo o legitimismo da história. Todas as grandes reformas sociais, morais, intelectuais ou religiosas triunfaram através da luta”.
Como que mostrando a mudança ocorrida depois do que Mr. Howitt escreveu em 1866, encontramos em The Times de 26 de dezembro de 1872 um artigo sob o título de “Espiritismo e Ciência”, estirando-se por três colunas e meia, no qual se exprime a opinião de que agora “é chegado o momento de mãos competentes cortarem o nó górdio”, muito embora não explique porque as mãos de Crookes, de Wallace ou de De Morgan seriam incompetentes.
Falando sobre o livrinho de Lord Adare, de edição particular, a respeito de suas experiências com D. D. Home, o escritor parece impressionado pela posição social das várias testemunhas. As características desse artigo são a grosseria e o pedantismo:
“Um volume que se acha à nossa frente mostra quanto essa loucura espalhou-se por toda a sociedade. Foi-nos emprestado por um distinto espiritista, sob o solene compromisso de que não publicaríamos nenhum dos nomes ali referidos. Contém cerca de 150 páginas de relatos de sessões e foi impresso em particular por um nobre Conde, recentemente desaparecido da Câmara dos Lords; e que também desocupou, ao que nos parece, as cadeiras ocupadas por Espíritos e as mesas de que gostava em vida, não sabiamente, posto gostasse muito. Nesse livro, coisas mais maravilhosas do que quaisquer outras de que tenhamos notícia, são relatadas minuciosamente, de modo tão natural quanto se fossem fatos rotineiros. Não cansaremos o leitor citando algum dos casos relatados e, não obstante, ele acreditará em nossa palavra quando dissermos que se enquadram em toda sorte de manifestações, de profecias para baixo.
“O que desejamos observar mais especialmente é que à entrada do livro se acha o atestado de cinqüenta respeitáveis testemunhas. Entre estas se acham uma duquesa viúva, e outras senhoras de posição, um Capitão de Guardas, um nobre, um barão, um membro do Parlamento, vários membros de corporações científicas, um advogado, um comerciante e um médico. As camadas mais altas da classe média estão representadas por gente de todos os graus e por pessoas que, a julgar pela posição que ocupam e pela profissão que exercem, deviam possuir inteligência e perspicácia.”
O eminente naturalista Doutor Alfred Russel Wallace, numa carta escrita a The Times, em 4 de janeiro de 1874, descrevendo uma visita a um médium público, diz:
“Não acho exagero dizer que os fatos principais agora se acham tão bem estabelecidos e tão facilmente verificáveis como qualquer dos mais excepcionais fenômenos da Natureza ainda não reduzidos a lei. Eles tem uma significação mais importante na interpretação da História, que está cheia de narrativas de fatos similares, e na natureza da vida e do intelecto, sobre os quais a ciência física derrama uma luz muito fraca e muito incerta; e é minha crença firme e deliberada que cada ramo da filosofia deve sofrer até serem os fatos honesta e seriamente investigados e trabalhados como constituintes de uma parte essencial dos fenômenos da natureza humana”.
A gente se extravia com os fenômenos do ectoplasma e as experiências de laboratório, que desviam o pensamento do essencial. Wallace foi um dos poucos cuja mentalidade grandiosa, avassaladora e sem preconceitos, viu e aceitou a verdade em sua maravilhosa inteireza, desde as humildes provas físicas de uma força exterior até ao mais alto ensino mental que essa força podia trazer, ensino que ultrapassa de muito em beleza e em credibilidade tudo quanto a mente moderna tem conhecido.
A aceitação pública e o decidido apoio desse grande homem de ciência, um dos primeiros cérebros de seu tempo, foram de grande importância, desde que ele teve espírito para compreender a completa revolução religiosa que estava por detrás desses fenômenos.
Foi um fato curioso que, salvo algumas exceções, em nossos dias, assim como no passado, a sabedoria tenha sido dada aos humildes e negada aos doutos. Sentimento e intuição triunfaram onde falhou o cérebro. Talvez pensassem que a questão era simples. Ela deve ser expressa numa série de perguntas, à maneira de Sócrates: “Estabelecemos contacto com a inteligência dos que morreram?” O espírita diz: “Sim” “Deram informações sobre a nova vida que levam e como esta foi afetada por sua vida terrena?” Ainda, “Sim”. “Acharam que corresponde à descrição feita por todas as religiões da Terra?” “Não.” Mas se é assim, não está claro que a nova informação é de vital importância religiosa? O humilde espiritista vê isto e adapta a sua religiosidade aos fatos.
Sir William Barrett, então professor, apresentou o problema do Espiritismo à Associação Britânica para o Progresso da Ciência em 1876. Seu estudo tinha por título “Sobre alguns fenômenos associados com condições mentais anormais.” Foi difícil ser ouvido. A Comissão de Biologia recusou o estudo e passou-o para a Subcomissão de Antropologia, que só o aceitou pelo voto de Minerva do Secretário, Doutor Alfred Russel Wallace. O Coronel Lane Fox ajudou a vencer a oposição, perguntando por que, se no ano anterior havia sido discutida a magia antiga, este ano não se podia discutir a magia moderna. A primeira parte do trabalho do Professor Barrett tratava de mesmerismo, mas na segunda parte eram descritas as suas experiências com os fenômenos espíritas. E insistia para que novo exame científico fosse feito sobre a matéria. Deu um detalhe convincente de uma experiência sobre batidas, feita com uma criança.
Na discussão que se seguiu, Sir William Crookes falou das levitações que ele havia testemunhado com D. D. Home; disse da levitação: “A prova em seu favor é mais forte do que a prova em favor de quase todos os fenômenos que a Associação Britânica pode investigar”. Fez ainda as seguintes observações relativas ao seu próprio método de pesquisa psíquica:
“Pediram-me para investigar logo que apareceu o Doutor Slade e eu expus as minhas condições. Jamais fiz investigações senão nessas condições. Deveriam ser feitas em minha casa; eu mesmo deveria escolher os amigos e os assistentes; seriam realizadas dentro de minhas próprias condições e eu faria o que quisesse em relação aos aparelhos. Sempre que foi possível, procurei fazer que os testes fossem realizados pelos próprios aparelhos de física e nunca acreditei mais do que era possível em meus próprios sentidos. Mas quando é necessário crer em meus sentidos, sou obrigado a discordar de Mr. Barrett quando diz que um investigador físico não auxilia um médium profissional. Sustento que um investigador físico é mais que um auxiliar.”
Uma importante contribuição para a discussão foi a de Lord Rayleigh, o distinto matemático, que disse:
“Penso que somos muito obrigados ao Professor Barrett, por sua coragem, pois é necessária alguma coragem para avançar neste terreno e trazer-nos os benefícios de sua cuidadosa experiência. Meu próprio interesse pelo assunto data de dois anos. Fui atraído inicialmente para ele pela leitura das investigações de Mr. Crookes. Conquanto as minhas oportunidades não tenham sido tão felizes como as do Professor Barrett, tenho visto o bastante para me convencer de que estão errados os que quiserem obstar as investigações atirando o ridículo sobre os que se sentem inclinados a fazê-las.”
O orador seguinte foi Mr. Groom Napier, acolhido com gargalhadas, quando descreveu as constatações psicométricas feitas de algumas pessoas apenas por sua caligrafia encerrada em envelopes lacrados; e quando começou a descrever as luzes de Espíritos, que de próprio tinha visto, o barulho foi tal que se viu obrigado a sentar-se. Respondendo à crítica, disse o Professor Barrett:
“Isto mostra o enorme avanço que o assunto fez nestes poucos anos: que uma comunicação sobre fenômenos espíritas, que há poucos anos causaria riso, agora é admitida na Associação Britânica e merece uma larga discussão, como a de hoje.”
O Spectator, de Londres, num artigo intitulado “A Associação Britânica e a Comunicação do Professor Barrett” começa com este ponto de vista de uma mente larga.
“Agora que temos à nossa frente uma descrição completa da comunicação do Professor Barrett, e da discussão da mesma, seja-nos permitido exprimir a nossa esperança de que a Associação Britânica realmente exerça alguma influência sobre o assunto da comunicação, a despeito dos protestos do partido que chamaríamos partido da incredulidade supersticiosa. Dizemos incredulidade supersticiosa porque é realmente pura superstição, e nada mais para admitir que estejamos tão bem informados sobre as leis da Natureza que, mesmo os fatos cuidadosamente examinados e atestados por um observador experimentado devam ser postos de lado como absolutamente indignos de crédito, simplesmente porque, à primeira vista, se chocam com aquilo que já é mais conhecido.”
Os pontos de vista de Sir William Barrett foram progredindo firmemente até que aceitou a posição de espírita em termos inequívocos, antes de sua lamentada morte em 1925. Viveu até o mundo melhorar o seu antagonismo contra tais assuntos, embora pequena fosse a diferença observada na Associação Britânica, que pareceu obscurantista como sempre. Essa tendência, entretanto, não deve ter sido um mal porque, como assinala Sir Oliver Lodge, se os prementes problemas materiais se tivessem complicado com as soluções psíquicas, é possível que não tivessem sido resolvidos. Deve ser digno de registro que Sir William Barrett, em conversa com o autor, tenha lembrado que os quatro homens que o apoiaram naquele difícil momento histórico, viveram bastante para receberem a Ordem do Mérito – a maior distinção que o seu país podia conceder. Os quatro foram Lord Rayleigh, Crookes, Wallace e Higgins.
Não era de esperar que o rápido crescimento do Espiritismo fosse isento de aspectos menos desejáveis. Estes foram, pelo menos, dois. Primeiro, o grito de mediunidade fraudulenta, ouvido com frequência. À luz de nossos últimos e mais completos conhecimentos sabemos que muito daquilo que reveste as aparências de fraude absolutamente não o é. Ao mesmo tempo, a ilimitada credulidade de uma parte dos Espiritistas indubitavelmente ofereceu um campo fácil aos charlatães. Numa conferência lida na Sociedade da Universidade de Cambridge para Investigações Psicológicas, em 1879, disse o seu presidente Mr. J. A. Campbell.
“Desde o aparecimento de Mr. Home, o número de médiuns aumenta dia a dia, como aumenta a loucura e a impostura. Aos olhos dos tolos cada farsante se converteu numa figura angélica; e não só cada farsante, mas cada trapaceiro, metido numa mortalha, é chamado ou quer se chamar um “Espírito materializado”. Uma suposta religião foi assim estabelecida e nela a honra dos mais sagrados nomes foi transferida para Espíritos de batedores de carteiras. Não farei aos leitores o insulto de falar do caráter dessas divindades, nem das doutrinas que as mesmas ensinam. Assim é sempre quando a loucura e a ignorância tomam em suas mãos a arma da realidade eterna para abusos, distorções e até crimes. É o mesmo que crianças a brincarem com ferramentas afiadas; e quem, senão um ignorante, iria gritar: faca malvada! Pouco a pouco o movimento se vai libertando dessas excrescências; gradativamente se vai tornando mais moderado, mais puro e mais forte; e como homens sensíveis e educados, estudam, oram e trabalham, empenhando-se em fazer bom uso de seus conhecimentos, nesse sentido o movimento crescerá.”
O segundo aspecto foi o aparente crescimento daquilo que pode denominar-se Espiritismo anticristão, embora não anti-religioso. Isto levou William Howitt e outros destacados mantenedores do movimento a se afastarem deste. Howitt e outros escreveram fortes artigos contra essa tendência no Spiritual Magazine.
Uma sugestão, quanto à necessidade de cautelas e equilíbrio apareceu nas observações de Mr. William Stainton Moses que, numa comunicação lida perante a Associação Nacional Britânica dos Espiritistas, a 26 de janeiro de 1880 diz:
“Precisamos muitíssimo de disciplina e de educação. Ainda não tomamos pé após o nosso rápido crescimento. Nascida há trinta anos, a criança cresceu em estatura, mas não em sabedoria, e muito rapidamente. Cresceu tão rapidamente que a sua educação foi descurada. Na expressiva linguagem de sua pátria, foi ‘arrancada’ promiscuamente. E o seu crescimento fenomenal absorveu todas as outras considerações. É chegado o momento em que aqueles que o consideraram como um aleijão produzido pela Natureza apenas para morrer prematuramente, começam a ver que se enganaram. A monstruosa criação quer viver; e, por baixo de sua feiúra, o menos simpático olhar percebe um objetivo coerente em sua existência. É a apresentação de um princípio inerente à natureza do homem, um princípio que a sua sabedoria desenvolveu até que fosse eliminado inteiramente, mas que brota sempre e sempre, malgrado seu – o princípio do Espírito como oposto à Matéria, da Alma agindo e existindo independentemente do corpo que a encerra. Longos anos de negação de alguma coisa, salvo as propriedades da matéria, levaram as grandes luzes da ciência moderna ao puro Materialismo. Assim, para eles, o Espiritismo é um portento e um problema. É uma volta à superstição; uma sobrevivência de selvageria; um borrão na inteligência do século dezenove. Ridicularizado, ele ridiculariza; desdenhado, paga-se na mesma moeda.”
Em 1881 apareceu Light, um semanário espírita de alta classe, e em 1882 assistimos à criação da Society for Psychical Research.
De um modo geral pode-se dizer que a atitude da ciência organizada, durante esses trinta anos, foi tão irracional e anticientífica quanto a dos Cardeais para com Galileu e que, se tivesse havido uma Inquisição Científica, esta teria lançado o terror sobre o novo conhecimento. Nenhuma tentativa séria, de qualquer espécie, até a formação da Society for Psychical Research foi feita no sentido de compreender e explicar um assunto que estava atraindo a atenção de milhões de criaturas. Em 1853 Faraday lançou a teoria de que o movimento das mesas era produzido por uma pressão muscular, que pode realmente ser verdadeira nalguns casos, mas nenhuma relação tem com a levitação de mesas e, em todo o caso, só se aplica a uma classe de fenômenos psíquicos. A costumeira “objeção” científica era que nada ocorria, mas isto desprezava o testemunho de milhares de pessoas fidedignas. Outros sustentavam que aquilo que se passava era susceptível de ser repetido por um feiticeiro, e qualquer imitação grosseira, como a paródia dos Davenport, feita por Maskelyne, era calorosamente saudada como uma mistificação, sem referência ao fato de que todo o aspecto mental da questão, com a sua prova esmagadora, ficava inatingido.
A gente “religiosa” ficava irritada por se ver sacudida nas suas práticas tradicionais e, como selvagem, se dispunha a admitir que tudo aquilo era obra do diabo. Assim Católicos Romanos e seitas Evangélicas se encontraram unidos na sua oposição. É fora de dúvida que podemos chamar Espíritos baixos, desde que em redor de nós existem Espíritos de todas as classes e que o semelhante atrai o semelhante. Mas os ensinamentos elevados, consistentes e filosóficos que são dados aos investigadores sérios e de mentalidade honesta mostram que não é o diabolismo, mas o Angelismo que está dentro do nosso alcance. O Doutor Carpenter sustentou uma teoria complexa, mas parece que ficou só na sua aceitação e mesmo na sua compreensão. Os cientistas tiveram uma explicação: era o estado das juntas, o que é ridículo para quem quer que tenha tido experiência pessoal daqueles sons percutidos, que variam desde o tic-tac de um relógio até a pancada de um martelete.
Outras explicações, vez por outra, incluíam a doutrina teosófica, que admitia os fatos mas desprezava os Espíritos, descrevendo-os como cascões astrais, com uma espécie de semiconsciência sonhadora, ou possivelmente uma consciência atenuada, que os reduzia a criaturas sub-humanas pela inteligência e pela moralidade. Certamente a qualidade das manifestações espíritas varia enormemente, mas o mais alto se acha tão elevado que dificilmente podemos imaginar que apenas nos achamos em contacto com uma fração do ser pensante. Entretanto, como é certo que, mesmo neste mundo, nosso ser subliminal é muitíssimo superior à nossa individualidade normal, é muito natural que o mundo dos Espíritos deve confrontar-nos com algo inferior aos seus mais altos poderes.
Uma outra teoria sustenta a Anima Mundi, vasto reservatório ou banco central da inteligência, com uma câmara de compensação, na qual todas as consultas são atendidas. Os rigorosos pormenores que recebemos do Outro Lado são incompatíveis com qualquer idéia, tão vaga quão grandiosa, do destino. Finalmente, há uma alternativa realmente formidável, que o homem tem um corpo etérico com muitos dons desconhecidos, entre os quais deve ser incluído um poder de manifestação exterior em formas curiosas. É a esta teoria da Criptestesia que Richet e outros se agarraram e até um certo ponto há um argumento em seu favor. O autor se convenceu de que há uma etapa preliminar e elementar em todo trabalho psíquico que depende de um poder inato e possivelmente inconsciente do médium. A leitura em invólucro fechado, a produção de batidas a pedido, a descrição de cenas distantes, os notáveis efeitos da psicometria, as primeiras vibrações da Voz Direta – cada um e todos em diversas ocasiões parecem emanações do próprio médium. Assim, em muitos casos deveria aparecer uma inteligência exterior capaz de se apropriar daquela força e utilizá-la para seus próprios objetivos. Temos uma ilustração nas experiências de Bisson e de Schrenk Notzing com Eva, nas quais as formas ectoplásmicas a princípio eram sem dúvida reflexo de ilustrações dos jornais, de certo modo modeladas pela passagem através da mente do médium. Mais tarde veio um período mais profundo, no qual a forma ectoplásmica evoluiu a ponto de se mover e falar. O grande cérebro de Richet e o seu enorme poder de observação se concentraram muito sobre os fenômenos físicos e parece que não teve muito contacto com as experiências pessoais mentais e espirituais que possivelmente lhe teriam modificado os pontos de vista. Cabe, entretanto, acrescentar que tais pontos de vista se desenvolveram continuamente na direção da explicação espírita.
Resta apenas a hipótese da personalidade complexa, que bem pode influenciar certos casos, posto pareça ao autor que tais casos também possam ser explicados pela obsessão. Entretanto esses exemplos apenas tocam a superfície do assunto e ignoram completamente o aspecto fenomênico, de modo que o assunto não deve ser levado muito a sério. Contudo nunca será por demais repetido que o investigador deveria esgotar cada explicação normal possível para sua completa satisfação, antes de adotar o ponto de vista espírita. Se assim tiver procedido, sua plataforma será estável; se assim não tiver feito, jamais estará seguro de sua estabilidade. Na verdade pode o autor dizer que, ano após ano, agarrou-se a cada linha de defesa até que, finalmente, foi compelido, desde que tinha de guardar a honestidade mental, a abandonar a posição materialista.
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