Tendo tratado da Família Fox e dos problemas que essa história levanta, teremos que voltar à América e observar os primeiros efeitos dessa invasão de seres de uma outra esfera.
Esses efeitos não foram inteiramente excelentes. Houve loucuras de uns indivíduos e extravagâncias de agrupamentos humanos.
Uma destas, baseada em comunicações recebidas através da mediunidade de Mrs. Benedict, foi o Círculo Apostólico. Começou com um pequeno grupo de homens muito crentes num segundo advento e que, através das comunicações espíritas, procuravam confirmar aquela crença.
Obtiveram aquilo que proclamavam como comunicação dos Apóstolos e profetas da Bíblia. Em 1849 James L. Scott, ministro batista do Sétimo Dia em Brooklyn, reuniu o centro em Auburn, o qual se tornou conhecido como o Movimento Apostólico, cujo chefe espiritual era supostamente o Apóstolo Paulo. A Scott uniu-se o Reverendo Thomas Lake Harris, e estabeleceram em Mountain Cove a comunidade religiosa que atraiu muitos adeptos até que, alguns anos depois, suas mistificações desiludiram e levaram à deserção os seus chefes autocráticos.
Esse Thomas Lake Harris é, certamente, uma das mais curiosas personalidades de que temos notícia e é difícil dizer quem predominava em seu caráter: se Mr. Jekill ou o Doutor Hyde. Era feito de extremos, de modo que tudo quanto fazia era decididamente para o bem ou para o mal. Originariamente fora um ministro universalista, de onde lhe vinha o prefixo “Reverendo”, que usou por muito tempo. Separou-se de seus companheiros, adotou os ensinos de Andrew Jackson Davis, tornou-se um espírita fanático e, finalmente, como vimos, tornou-se um dos dirigentes autocráticos das almas e das bolsas dos colonos de Mountain Cove. Chegou, porém, o momento em que aqueles colonos verificaram que eram bastante capazes de tratar de seus próprios negócios, quer espirituais, quer materiais. Assim Harris verificou que tinha perdido tempo. Então voltou para New York e atirou-se violentamente no movimento espírita, pregando no Dodworth Hall, o quartel-general do culto, conquistando uma grande e merecida reputação por sua notável eloqüência. Sua megalomania – possivelmente uma obsessão – arrebentou uma vez mais e fez extravagantes exigências que os espíritas sãos e equilibrados que se achavam em seu redor não podiam tolerar.
Havia, entretanto, uma coisa que pretendia fazer bem – era a inspiração de uma entidade muito elevada e veraz, muito embora não se soubesse quando nem como atuava. Nessa fase de sua carreira, ele ou alguma entidade por seu intermédio, produziu uma série de poemas, como “Um lírico da Idade de Ouro”, “A Terra ao amanhecer”, e outros, que, ocasionalmente, tocam as estrelas. Ferido pela recusa dos espíritas de New York em admitir as suas faculdades supranormais, Harris foi então (1859) para a Inglaterra, onde ganhou fama por sua eloqüência, demonstrada em conferências cujo principal tema era a denúncia de seus antigos companheiros de New York. Cada nova etapa na vida desse homem era acompanhada por um desfile da etapa anterior.
Em 1860, em Londres, a vida de Harris despertou subitamente um maior interesse para os britânicos, principalmente para os que tinham afinidades literárias. Harris fez conferências no Steinway Hall, onde foi ouvido por Lady Oliphant que, tocada por sua selvagem eloqüência, pôs o pregador americano em contacto com seu filho, Laurence Oliphant, um dos homens mais brilhantes de sua geração. É difícil determinar o ponto de atração, pois o ensino de Harris nessa etapa nada tinha de incomum no assunto, salvo que ele havia adotado o Deus-Pai e a Mãe-Natureza, idéia que tinha sido lançada por Davis. Oliphant considerava Harris um grande poeta, a ele se referindo como “o maior poeta da época ainda desconhecido pela glória”. Oliphant não era um crítico vulgar; mesmo assim, num período que contava um Tennyson, um Longfellow, um Browning e tantos outros, a frase parece extravagante. O fim de todo esse episódio foi que, depois de adiamentos e vacilações, tanto a mãe quanto o filho se entregaram inteiramente a Harris e se aplicaram a trabalhos manuais numa nova colônia em Brocton, em New York, onde ficaram numa condição tal que, se não fora voluntária, era virtualmente de escravidão. Se uma tal abnegação era santa ou idiota é um problema para os anjos. Certamente parece idiota quando se sabe que Laurence Oliphant teve a maior dificuldade em tomar férias para se casar e que exprimiu humildemente o seu agradecimento ao tirano quando, finalmente, a licença lhe foi concedida. Ele foi deixado livre para fazer as reportagens da Guerra franco-alemã de 1870, o que fez na brilhante maneira que dele se podia esperar; depois voltou à servidão uma vez mais, e na qual um de seus deveres era vender morangos aos passageiros dos trens, enquanto era arbitrariamente separado de sua jovem esposa, mandada para o sul da Califórnia, enquanto ele ficava em Broeton. Assim foi até 1882, vinte anos após o seu primeiro embaraço, quando Oliphant, ao morrer a sua mãe, rompeu com essa situação extraordinária e, depois de uma luta tremenda, no correr da qual Harris pretendeu encarcerá-lo num asilo, conseguiu unir-se à sua esposa, recuperar algumas de suas propriedades e voltar à sua vida normal. Pintou o profeta Harris em seu livro “Masollam”, escrito nos seus últimos anos de vida, e o resultado é tão característico, tanto para a brilhante descrição de Oliphant quanto para o homem extraordinário que ele pintou, que o leitor talvez fique satisfeito em encontrar uma referência no Apêndice.
Tais acontecimentos, como Harris e outros, foram meras excrescências na linha-tronco do movimento espírita que, de um modo geral, foi sadio e progressista. Entretanto ficaram na sua história as marcas das idéias de amor livre e de sentimentos comunistas, professados por algumas seitas mais rudes, as quais foram inescrupulosamente exploradas pelos adversários, como se fossem características do todo.
Vimos que, muito embora as manifestações espíritas tivessem tido larga divulgação através das Irmãs Fox, já anteriormente eram conhecidas. A esses testemunhos precedentes devemos ajuntar o que diz o Juiz Edmonds:
“Foi mais ou menos há cinco anos que o assunto atraiu a atenção pública, muito embora se verifique que uns dez ou doze anos antes houve algo no gênero em diferentes lugares no país, mas que havia sido ocultado, tanto por medo do ridículo quanto pela ignorância do que isso fosse.” Isto explica o surpreendente número de médiuns dos quais se começou a ouvir falar tão logo houve publicidade do caso da família Fox. Não era um novo dom que exibiam, mas apenas uma ação corajosa em torná-lo largamente conhecido que levava outros a se adiantarem e confessar que tinham o mesmo poder. Também esse dom universal da mediunidade pela primeira vez começou a ser livremente desenvolvido. O resultado é que cada vez mais se ouvia falar de médiuns. Em abril de 1849 houve manifestações na família do Reverendo A. H. Jervis, ministro metodista de Rochester, e na casa do Diácono Hale, nas vizinhanças da cidade de Greece. Assim, também, seis famílias na vizinha cidade de Auburn começaram a desenvolver a mediunidade.
Em nenhum desses casos a família Fox tinha algo que ver com o que acontecia. De modo que estes pioneiros apenas abriram o caminho que os outros seguiram.
Fatos dignos de nota dos próximos anos foram o rápido crescimento do número de médiuns por toda a parte e a conversão ao Espiritismo de grande número de homens públicos, como o Juiz Edmonds, o ex-governador Tallmadge, o Professor Roberto Hare e o Professor Mapes. A adesão pública de homens tão notórios deu enorme publicidade ao assunto, ao mesmo tempo em que aumentou a virulência da oposição, que então percebia que estava lidando com algo mais do que um bando de beócios iludidos. Homens como aqueles podiam fazer-se ouvir na imprensa diária. Houve também a mudança no caráter dos fenômenos. Em 1851 e 1852 Mrs. Hayden e D. D. Home foram instrumentos de muitas conversões. Teremos muito que dizer destes médiuns nos capítulos seguintes.
Numa comunicação dirigida “Ao público”, aparecida no New York Courier e datada em New York de 1º de agosto de 1853, o Juiz Edmonds, um grande caráter e uma inteligência brilhante, fez um relato convincente de suas experiências. É curioso notar como os Estados Unidos, que então deram uma prova conspícua da coragem moral de seus chefes, parece que caíram, neste particular, em anos mais próximos de nós, pois o autor, em suas recentes viagens ali encontrou muitos que tinham conhecimento da verdade psíquica, mas ainda se encolhiam ante uma imprensa hostil, temerosos de confessar as suas convicções.
No citado artigo, o Juiz Edmonds começou descrevendo minuciosamente os fatos que o levaram a formar a sua opinião. Transcrevemos aqui as suas palavras com alguns detalhes, por que é muito importante mostrar a base sobre a qual um homem altamente educado recebeu o novo ensino.
“Foi em janeiro de 1851 que a minha atenção foi inicialmente chamada para as “manifestações espíritas”. Era um período em que me havia subtraído às relações sociais e trabalhava sob grande depressão de espírito. Dedicava todo o meu tempo livre a leituras sobre a morte e a sobrevivência do homem. No curso de minha vida eu tinha ouvido do púlpito, a esse respeito, tão contraditórias e chocantes doutrinas, que dificilmente saberia em que acreditar. Não podia, mesmo que o quisesse, crer naquilo que não entendia, e ansiosamente buscava saber se, depois da morte, poderíamos encontrar aqueles a quem tínhamos amado e em que circunstâncias. Fora convidado por uma amiga a assistir as “Batidas de Rochester”. Aceitei mais para lhe ser atencioso e para matar uma hora de tédio. Pensei bastante naquilo que assisti e resolvi investigar o assunto e descobrir o que era aquilo. Se fosse uma mistificação, uma desilusão, eu supunha poder averiguar. Durante cerca de quatro meses dediquei pelo menos duas noites por semana e, às vezes, mais, em testemunhar os fenômenos em todas as suas fases. Fiz um cuidadoso registro de tudo quanto assisti e, de vez em quando, comparava os resultados, a fim de apreender as inconsistências e as contradições. Li tudo quanto me vinha às mãos sobre o assunto e especialmente as supostas “descobertas de charlatães”. Andei aqui e ali, à procura de diversos médiuns, assistindo a diferentes sessões, – freqüentemente com pessoas das quais jamais ouvira falar e muitas vezes no escuro e algumas no claro – por vezes com descrentes inveterados e mais freqüentemente com crentes muito zelosos.
“Finalmente, aproveitei todas as oportunidades que se me ofereciam para esgotar o assunto desde a sua raiz. Durante todo esse tempo eu era um descrente e pus à prova a paciência dos crentes por meu cepticismo, minha capciosidade e minha dura recusa em modificar as minhas idéias. Vi em redor de mim algumas pessoas que passaram a crer em uma ou duas sessões; outras, nas mesmas condições, persistiam na mesma descrença; e algumas que recusavam o testemunho de todos e continuavam terminantemente incrédulas. Eu não podia tomar nenhum desses partidos e me recusava a crer, enquanto não tivesse a mais irrefragável das provas. Por fim a prova veio e com tal poder que nenhum homem equilibrado lhe poderia negar fé”.
Como se vê, um dos primeiros entre os notáveis conversos à nova revelação, tomou as maiores precauções antes de aceitar a evidência que o convenceria da autenticidade das manifestações espíritas. A experiência geral mostra que uma aceitação fácil de tais manifestações é muito rara entre pensadores sérios e que dificilmente se encontra um espírita eminente, cujo curso de estudos e de meditação não tenha consumido muitos anos. Isto forma um notável contraste com aqueles cuja opinião negativa é devida a um preconceito inicial e a relatos tendenciosos ou escandalosos de autores fanáticos.
No excelente resumo de suas investigações, dado no artigo citado, um artigo capaz de converter todo o povo americano, se ele estivesse preparado para a assimilação, o Juiz Edmonds mostra a sólida base de sua crença. Destaca que nunca estava só quando essas manifestações ocorreram e que teve muitas testemunhas. Também mostra as minuciosas precauções que tomou:
“Depois de confiar nos meus próprios sentidos, nas diversas fases do fenômeno, invoquei o auxílio da ciência e, com a assistência de um hábil eletricista e seus mecanismos, e oito ou dez pessoas inteligentes, educadas e sérias, examinei o assunto. Continuamos a nossa investigação durante vários dias e, para nossa satisfação, constatamos duas coisas: primeiro, que os sons não eram produzidos por qualquer pessoa presente ou perto de nós; segundo, que eles não se produziam à nossa vontade.”
Ocupa-se finalmente com as supostas “charlatanices”, segundo a expressão dos jornais, algumas das quais de vez em quando são verdadeiras expressões contra um ou outro vilão, mas que, em geral causam maiores decepções, conscientes ou inconscientes ao público do que os males que pretendem evitar.
Assim:
“Quando as coisas se encontravam neste pé, apareceram nos jornais várias explicações de “fraudes e charlatanices”, como costumavam dizer. Li-as com cuidado, na esperança de que me ajudassem em minhas pesquisas e apenas pude sorrir ante a ousadia e a futilidade de tais explicações. Por exemplo, quando certos professores ilustres de Buffalo se congratulavam por haverem localizado no artelho e no joelho do médium a causa das manifestações, estas se transformaram num toque de campainha colocada debaixo da mesa. Era como a solução dada posteriormente por um ilustre professor na Inglaterra, que atribui as batidas na mesa a uma força especial das mãos colocadas sobre ela, pondo de lado o fato de que muito freqüentemente as mesas se movem quando não há mãos sobre elas”.
Depois de focalizar a objetividade do fenômeno, o Juiz aborda a questão mais importante da sua fonte. Comenta o fato de ter tido respostas a perguntas mentais e verifica que mesmo os seus mais secretos pensamentos foram revelados e que idéias que ele propositadamente havia mantido em segredo tinham sido manifestadas. Também observa que os médiuns tinham usado grego, latim, espanhol e francês, mesmo ignorando essas línguas.
Isto o leva a considerar se as coisas não podem ser explicadas como um reflexo da mente de alguma outra criatura viva. Essas considerações foram exaustivamente examinadas por todos os pesquisadores, pois os espíritas não aceitam a doutrina de um fato, mas passo a passo, examinando cuidadosamente cada etapa. A tarefa empreendida pelo Juiz Edmonds é a mesma empreendida por outros. Ele dá a seguinte explicação para a recusa da influência de outras mentes:
“Fatos então completamente desconhecidos foram verificados posteriormente. Como este, por exemplo: Quando, durante o último inverno eu me achava ausente, na América Central, os meus amigos da cidade tiveram notícia de minhas excursões e da minha saúde, sete vezes através de um médium; quando voltei, comparando essas informações com os registros em meu diário, foi verificado que tudo estava invariavelmente correto. Assim, também, em minha recente visita ao Oeste o meu giro e as minhas condições de saúde foram ditos a um médium dessa cidade, enquanto eu viajava por estrada de ferro entre Cleveland e Toledo. Assim muitas idéias me foram comunicadas sobre coisas que não estavam em minha mente e que eram absolutamente distintas de minha opinião. Isto me aconteceu muitas vezes, bem como a outras pessoas, de modo a confirmar seguramente o fato de que não eram as nossas mentes que davam origem à comunicação ou a influenciavam”.
Trata, então, desse maravilhoso desenvolvimento, chamando a atenção para o seu tremendo significado religioso, em linhas gerais, assunto que é focalizado no capítulo seguinte desta obra. O cérebro do Juiz Edmonds era realmente notável, e seu julgamento claro, pois muito pouco nos é possível acrescentar ao que verificou ele, e talvez ninguém tenha dito tanto em tão pouco espaço. Como frisamos, o Espiritismo mostrou-se consistente desde o início e os mestres e os guias não confundiram as suas mensagens. É estranho e até divertido que a ciência arrogante, que tentou, com simples palavras e deslumbramento, esmagar esse conhecimento inicial em 1850, tivesse demonstrado estar essencialmente errada em seu próprio terreno. São raros os axiomas científicos daquela época que não tenham sido controvertidos, como a finalidade do elemento, a indivisibilidade do átomo, a origem distinta das espécies, enquanto os conhecimentos psíquicos, tão menosprezados, se mantiveram firmes, aduzindo novos fatos, mas nunca contradizendo os que haviam sido anteriormente estabelecidos.
Escrevendo sobre os benéficos efeitos de tal conhecimento, diz o Juiz:
“É isto o que consola o triste e anima os desanimados; que suaviza a passagem pelo túmulo e anula os terrores da morte; que ilumina o ateu e encoraja o virtuoso entre todas as provas e vicissitudes da vida; e que demonstra ao homem o seu dever e o seu destino, tirando-o imediatamente do vago e do incerto.”
Jamais o assunto foi melhor sintetizado.
Há, entretanto, uma passagem final nesse documento notável que causa uma certa tristeza. Falando do progresso que o movimento tinha feito em quatro anos, nos Estados Unidos, diz ele:
“Há dez ou doze jornais e periódicos dedicados à causa, e a bibliografia espírita abarca mais de cem publicações diversas, algumas das quais já atingiram a circulação de mais de 10.000 exemplares. Além da multidão indistinta, há muitos homens de alta posição e de talento alinhados entre eles – doutores, advogados, grande número de clérigos, um bispo protestante, o ilustre e reverendo presidente de uma universidade, juizes de nossas mais altas cortes, membros do Congresso, embaixadores estrangeiros e ex-membros do Senado dos Estados Unidos.”
Em quatro anos a força do Espírito fez tanto assim. Como estão as coisas hoje? A multidão indistinta avançou valentemente e a centena de publicações tornou-se muito mais; mas onde se acham os homens esclarecidos e dirigentes para apontar o caminho? Desde a morte do Professor Hyslop é difícil apontar nos Estados Unidos um homem eminente com a coragem de jogar a sua carreira e a sua reputação proclamando essas idéias. Aqueles que nunca temeram a tirania do homem encolheram-se ante as caretas da imprensa. A máquina impressora triunfou onde a roda de tortura teria fracassado, O prejuízo geral em sua reputação e nos seus interesses, sofrido pelo Juiz Edmonds, que foi obrigado a resignar a sua cadeira na Suprema Corte de New York, bem como muitos outros que deram testemunho da verdade, estabeleceu o reinado do terror, que afasta do assunto as classes intelectuais. Assim estão as coisas presentemente.
Mas a imprensa no momento se achava bem disposta e o famoso relato do Juiz Edmonds, talvez o mais belo e o mais momentoso jamais produzido por um juiz, foi acolhido com respeito, senão com admiração. Eis o que disse o New York Courier:
“A carta do Juiz Edmonds, por nós publicada sábado, em relação às chamadas manifestações espíritas, vinda, como veio, de um eminente jurista, um homem notável por seu claro bom senso nas coisas da vida prática, e um cavalheiro de um caráter irreprochável, atraiu a atenção da comunidade e é por muita gente considerada como um dos mais notáveis documentos da atualidade.”
Disse o Evening Mirror, de New York:
“John W. Edmonds, Presidente da Suprema Corte deste distrito, é um jurista hábil, um juiz ativo e um bom cidadão. Ocupando durante os últimos oito anos, ininterruptamente, as mais altas posições na magistratura, sejam quais forem as suas faltas, ninguém poderá acusá-lo justamente por falta de habilidade, de atividade, de honestidade e de destemor. Ninguém poderá pôr em dúvida a sua sanidade geral ou por um momento pensar que a sua atividade mental não seja tão rápida, precisa e correta como sempre. Tanto pelos advogados como pelos solicitadores no seu Tribunal ele é reconhecido como a cabeça, de fato e de mérito, da Suprema Corte deste Distrito.”
Também é interessante a experiência do Doutor Robert Hare, professor de Química na Universidade de Pensilvânia, porque ele foi um dos primeiros eminentes homens de ciência que, disposto a desmascarar as ilusões do Espiritismo, tornou-se, por fim, um crente decidido.
Foi em 1853 que, segundo suas próprias palavras, sentiu-se “chamado, por um ato de dever para com a humanidade, a trazer toda a influência que possuía no sentido de estacar a maré de loucura popular que, desafiando a razão e a ciência, estava se alastrando rapidamente em favor da grande ilusão chamada Espiritismo.” Uma carta denunciadora sua, publicada nos jornais da Filadélfia, onde vivia, foi transcrita por outros jornais do país e serviu de texto a numerosos sermões. Mas, como no caso de Sir William Crookes, muitos anos mais tarde, o júbilo foi prematuro. Conquanto um grande céptico, o Professor Hare foi induzido a fazer experiências, ele próprio, e após um período de ensaios cuidadosos tornou-se inteiramente convencido da origem espírita das manifestações. Como Crookes, criou aparelhos para controlar os médiuns. Mr. S. B. Brittan faz o seguinte resumo de algumas experiências de Hare:
“Primeiramente, para se convencer de que os movimentos não eram obra dos mortais, tomou de bolas de bilhar, colocou-as sobre as lâminas de zinco e pôs as mãos dos médiuns sobre as bolas. Com grande surpresa sua, as mesas se moveram. A seguir arranjou uma mesa cujo tampo se movia para frente e para trás; a ele adaptou um dispositivo que girava um disco contendo as letras do alfabeto, ocultas às vistas dos médiuns. As letras eram dispostas de modo variado, não dispostas em ordem consecutiva e ao Espírito era pedido que as dispusesse consecutivamente ou nos seus devidos lugares. E, vejam só! isto foi feito! Então seguiram-se frases inteligentes, que o médium não podia ver ou lhes saber o sentido, enquanto não lhes dissessem.
“Buscou um novo teste decisivo. O braço maior de uma alavanca foi ajustado a uma escala espiral, com um indicador e um peso determinado; as mãos do médium ficavam sobre o braço menor, de modo que era impossível fazer pressão de cima para baixo, mas se houvesse pressão esta teria o efeito contrário – levantaria o braço maior. Mesmo assim, o que é assombroso, o peso foi aumentado de várias libras na escala”.
O Professor Hare reuniu suas cuidadosas pesquisas e seus pontos de vista sobre Espiritismo num livro importante, publicado em New York em 1855, sob o título de “Experimental Investigation of the Spirit Manifestations” . Neste livro, à página 55, assim resume ele as suas primeiras experiências:
“A prova das manifestações contidas na narrativa seguinte não se limita a mim somente, de vez que havia pessoas presentes quando elas foram observadas e em minha presença foram repetidas em essência, sob várias modificações, em muitos casos não referidos de modo especial.
“A prova pode ser considerada sob várias fases. Primeiro, aquela em que as batidas ou outros ruídos eram impossíveis de ser reproduzidos por qualquer agente mortal; em segundo lugar aquela nas quais eram produzidos sons, indicando letras que formavam sentenças corretas, o que permitia a prova de que eram orientadas por um ser racional; em terceiro lugar, aquelas nas quais a natureza da comunicação era tal que provava que o ser causador, satisfeito de acompanhar as experiências, devia ser conhecido, amigo ou parente do investigador.
“Ainda casos nos quais foram movidos corpos pesados... de modo a produzirem comunicações intelectuais, semelhantes às que, acima referidas, eram obtidas por meio de sons.
“Conquanto o aparelho pelo qual essas comunicações eram obtidas com a maior precaução e precisão, as modificasse de certa maneira, em essência todas as provas que consegui, tendentes às conclusões acima mencionadas, foram substancialmente obtidas por um grande número de observadores. Muitos que jamais buscaram qualquer comunicação espírita e jamais se inclinaram para inscrever-se como espíritas, não só confirmam a existência de sons e de movimentos, mas admitem a sua inexcrutabilidade.”
Mr. James J. Mapes, LL. D. de New York, químico agrícola e membro de várias associações científicas, começou suas investigações no Espiritismo a fim de reunir seus amigos que, segundo dizia, estavam “correndo para a imbecilidade” dessa nova maluquice.
Através da mediunidade de Mrs. Cora Hatch, depois Mrs. Richmond, recebeu respostas às suas perguntas que são descritas como cientificamente maravilhosas. Acabou se tornando um crente completo, e sua esposa, que não possuía dons artísticos, tornou-se médium pintora e desenhista. Sem que ele o soubesse, sua filha se havia tornado uma médium escrevente e, quando lhe falou de seu desenvolvimento, ele lhe pediu uma demonstração de sua força. Ela tomou de uma pena e rapidamente escreveu uma mensagem, admitida como sendo do pai do Professor Mapes. O Professor pediu uma prova de identidade. Imediatamente a mão da filha escreveu: “Você pode se lembrar que lhe dei, entre outros livros, uma Enciclopédia; olhe à página 120 desta e aí encontrará o meu nome, que você jamais notou”. O referido livro estava guardado com outros num depósito. Quando o professor abriu a caixa, que jamais havia sido tocada há vinte e sete anos, com grande admiração viu o nome do pai escrito à página 120. Foi tal incidente que o levou primeiro a uma séria investigação pois, como seu amigo Professor Hare, tinha sido até então um materialista convicto.
Em abril de 1854, o Hon. James Shields apresentou um memorial com treze mil assinaturas, pedindo um inquérito ao Congresso dos Estados Unidos. Encabeçava a lista o nome do Governador Tallmadge. Depois de uma discussão frívola, na qual Mr. Shield, o apresentante, se referiu à crença dos signatários como devida a uma ilusão, filha de uma educação defeituosa ou a desarranjos das faculdades mentais, foi decidido que o requerimento ficasse sobre a mesa. O fato foi assim comentado por Mr. E. W. Capron:
“Não é provável que os signatários esperem melhor tratamento do que o que lhes foi dado. Cabe aos carpinteiros e pescadores do mundo investigar as novas verdades e fazer que Senados e Tronos creiam e as respeitem. É em vão esperar aceitação e respeito a novas verdades por homens tão altamente colocados.”
A primeira organização espírita regular foi constituída em New York, a 10 de junho de 1854. Denominava-se Sociedade para a difusão do Conhecimento Espírita, e entre os seus membros contava gente preeminente, como o Juiz Edmonds e o Governador Tallmadge, de Wisconssn.
Entre as atividades da sociedade se incluía a fundação de um jornal chamado The Christian Spiritualist e o contrato de Miss Kate Fox para sessões diárias, franqueadas ao público, desde as dez da manhã até uma da tarde.
Escrevendo em 1855, diz Capron:
“Seria impossível entrar em minúcias relativamente à difusão do Espiritismo em New York até o momento. Espalhou-se pela cidade e deixou de ser curiosidade ou maravilha. As sessões públicas se realizam regularmente e a investigação se desenvolve; mas os dias de excitação já passaram e de todos os lados ele é olhado como algo mais que simples truque. É verdade que o fanatismo religioso o denuncia, mas, sem disputar concorrência, ocasionalmente fazem uma pretensa exposição, visando especular. O fato é que o fenômeno espírita tornou-se uma coisa reconhecida por toda a cidade.”
Talvez o fato mais significativo do período que estamos considerando tenha sido o desenvolvimento da mediunidade em pessoas preeminentes, como por exemplo, o Juiz Edmonds e o Professor Hare. Assim escreve este último.
“Tendo ultimamente adquirido faculdades mediúnicas em grau suficiente para trocar idéias com Espíritos amigos, não mais necessito defender os médiuns da acusação de falsidade e de mistificação. Agora é apenas o meu caráter que está em jogo.”
Assim, retirando do cenário as irmãs Fox, temos a mediunidade particular do Reverendo A. H. Jervis, do Diácono Hale, de Lyman Granger, do Juiz Edmonds, do Professor Hare, de Mrs. Mapes, de Miss Mapes e a mediunidade pública de Mrs. Tamlin, de Mrs. Benedict, de Mrs. Hayden, de D. D. Home e de dezenas de outros.
Escapa ao objetivo desta obra tratar de grande número de casos individuais de mediunidade, alguns dos quais muito dramáticos e interessantes, ocorridos durante o primeiro período de demonstração. O leitor poderá recorrer às duas importantes compilações de Mrs. Hardinge Britten – “Modern American Spiritualism” e “Nineteenth Century Miracles”, livros que serão sempre o mais valioso registro dos primeiros dias. A série de casos fenomenais era tão grande que Mrs. Britten contou mais de quinhentos exemplos registrados na imprensa nos primeiros anos, o que representa provavelmente algumas centenas de milhares não registrados. A suposta religião uniu-se à suposta ciência, de uma vez, para desacreditar e perseguir a nova verdade e os seus partidários, enquanto a imprensa, infelizmente, achou que o seu interesse estava em sustentar os preconceitos da maioria dos assinantes. Foi difícil proceder assim, porque naturalmente num movimento tão vital e convincente, houve alguns que se tornaram fanáticos, alguns que, por suas ações, atraíram o descrédito sobre as suas opiniões, e alguns que tiraram partido do interesse geral de imitar, com maior ou menor sucesso, os reais dons do Espírito. Esses tratantes fraudulentos por vezes agiam com inteiro sangue frio, embora por vezes dessem a impressão de que eram médiuns que haviam temporariamente perdido a mediunidade. Houve escândalos e denúncias, fatos autênticos e imitações. Como agora, tais denúncias partiam, às vezes, dos próprios espíritas, que se opunham tenazmente à transformação de suas cerimônias sagradas em espetáculo para a hipocrisia e para a blasfêmia de vilãos que, como hienas humanas, procuravam viver fraudulentamente à custa dos mortos. O resultado geral foi um arrefecimento do grande entusiasmo inicial, um abandono daquilo que era verdadeiro e o incensamento daquilo que era falso.
O corajoso relatório do Professor Hare provocou uma desgraçada perseguição a esse venerável cientista, que era então, com exceção de Agassiz, o mais conhecido homem de ciência da América. Os professores de Harvard – a universidade que tem o menos invejável registro em assuntos psíquicos – toma uma resolução de o denunciar e a sua “insana adesão à gigantesca mistificação”. Ele não podia perder a sua cátedra na Universidade da Pensilvânia, por isso que a ela havia renunciado, mas sofreu muito na sua reputação.
O coroamento e o mais absurdo exemplo de intolerância científica – uma intolerância que foi sempre tão violenta e desarrazoada quanto a da Igreja Medieval – foi dado pela Associação Científica Americana. Esse corpo científico berrou contra o Professor Hare, quando àquele se dirigiu, e estabeleceu que o assunto era indigno de sua atenção. Entretanto os Espíritos registraram que aquela sociedade, na mesmíssima sessão, teve um animado debate para saber por que os galos cantavam entre meia-noite e uma da manhã e que, finalmente, haviam chegado à conclusão de que, especialmente naquela hora, passa pela Terra uma onda de eletricidade, na direção norte-sul, e que as aves, despertas de seu sono e “tendo uma natural disposição para cantar”, registram o acontecimento dessa maneira.
Ainda não se havia aprendido – e dificilmente terá sido aprendido – que um homem, ou uma sociedade, podem ser muito sábios em assuntos de sua especialidade e, entretanto, mostrar uma extraordinária falta de senso comum ao defrontarem uma nova proposição, que requer um completo reajustamento de idéias. A ciência inglesa e, na verdade, a ciência do mundo inteiro, mostrou a mesma intolerância e falta de elasticidade que marcou aqueles primeiros dias na América.
Esses dias foram tão bem descritos por Mrs. Harding Britten, a qual neles desempenhou importante papel, que todos os interessados podem acompanhá-los em suas páginas. Algumas notas relativamente a Mrs. Britten podem adequadamente ser aí introduzidas, de vez que nenhuma história do Espiritismo seria completa sem referências a essa notável senhora, que foi chamada o São Paulo feminino do movimento espírita. Era ela uma pequena inglesa que tinha ido para New York com uma empresa de teatro e tinha permanecido na América com sua mãe. Sendo estritamente evangélica, repelia fortemente aquilo que considerava um ponto de vista ortodoxo dos espíritas e fugiu horrorizada de sua primeira sessão. Depois, em 1856, foi novamente posta em contacto com o assunto e teve provas cuja veracidade lhe foi impossível pôr em dúvida. Logo descobriu que era, também ela, um poderoso médium; e um dos melhores documentados e dos mais sensacionais casos no início do movimento foi aquele no qual ela recebeu a informação de que o navio “Pacific” tinha naufragado no Atlântico médio, perecendo todos os passageiros, e foi perseguida pela companhia proprietária do navio, por haver repetido o que lhe havia dito o Espírito de uma das vítimas da catástrofe. Verificou-se que a informação era exata e o navio jamais foi encontrado.
Mrs. Emma Hardinge – que, por um segundo casamento, tornou-se Mrs. Hardinge Britten – trouxe todo o seu temperamento entusiástico para o novo movimento e deixou nele um rastro ainda visível. Foi uma propagandista ideal, pois reunia todos os dons. Era uma médium forte, oradora, escritora, pensadora equilibrada e trabalhadora infatigável. Ano após ano viajou de leste a oeste e de norte a sul dos Estados Unidos, proclamando a nova doutrina em meio a muita oposição, dado o seu caráter de militante e antiprotestante de seus pontos de vista, que confessava receber diretamente de seus guias espirituais. Entretanto, como esses pontos de vista eram que a moral das Igrejas estava demasiadamente relaxada e que se aspiravam mais altos padrões, não é de supor que o fundador do Cristianismo fosse atingido por sua crítica. Essas opiniões de Mrs. Hardinge Britten diziam mais com o largo ponto de vista unitário dos corpos espiritualistas oficiais, que ainda existem, do que com qualquer outra causa.
Em 1866 voltou ela para a Inglaterra, onde trabalhou infatigavelmente, produzindo as suas idéias duas grandes obras “Modern American Spiritualism” e, mais tarde, “Nineteenth Century Miracles”, ambas demonstrando interessante e volumosa pesquisa unida a um raciocínio claro e lógico. Em 1870 casou-se com o Doutor Britten, tão forte espírita quanto ela. Parece que foi uma união realmente feliz. Em 1878 foram à Austrália e Nova Zelândia, como missionários do Espiritismo, aí demorando muitos anos, fundando várias igrejas e sociedades, que o autor encontrou ainda de pé, quando, quarenta anos mais tarde, visitou os Antípodas com o mesmo objetivo. Quando na Austrália, escreveu ela “Faiths, Facts and Frauds of Religions History”, livro que ainda exerce muita influência. Houve então, indubitavelmente, estreita conexão entre o movimento do livre pensamento e a nova revelação espírita. O Hon. Robert Stout, Procurador Geral da Nova Zelândia, era, ao mesmo tempo, Presidente da Associação dos Livre Pensadores e Espiritista ardente. Entretanto, agora se compreende mais claramente que as manifestações espíritas e seu ensino são demasiadamente largos, para se ajustarem a qualquer sistema, negativo ou positivo, e que é possível a um Espiritista professar qualquer credo, enquanto tiver o respeito essencial ao invisível e desprendimento por aqueles que o cercam.
Entre outros monumentos de sua energia, Mrs. Hardinge Britten fundou The Two Worlds de Manchester, que ainda tem tão grande circulação quanto qualquer jornal espírita no mundo. Transpôs os umbrais em 1889, tendo deixado suas pegadas indeléveis sobre a vida religiosa de três continentes.
Essa digressão sobre os primeiros dias do progresso na América foi longa mas necessária.
Aqueles primeiros dias foram marcados por grande entusiasmo, muito sucesso, mas, também, por considerável perseguição. Todos os dirigentes que tinham algo a perder, perderam-no. Diz Mrs. Hardinge:
“O Juiz Edmonds era apontado nas ruas como um espírita maluco. Ricos negociantes eram compelidos a fazer declarações, a fim de serem considerados sãos e poderem manter os seus direitos comerciais pela mais firme e determinada atitude. Profissionais e comerciantes foram quase reduzidos à ruína e uma perseguição perseverante, originada na imprensa e mantida pelo púlpito, descarregava toda sorte de impropérios contra a causa e os seus prosélitos. Muitas das casas onde se reuniam os grupos espíritas eram perturbadas por multidões, reunidas ao cair da noite, aos urros, aos gritos, aos assovios, quando não quebrando as vidraças e procurando molestar os quietos investigadores no seu insano trabalho de “despertar os mortos”, como piedosamente um dos jornais denominava o ato de invocar os “Mistérios dos Anjos”.
De lado os altos e baixos do movimento, o aparecimento de novos médiuns, a ocasional denúncia dos falsos médiuns, as comissões de inquérito – quase sempre negativas pela falta de percepção dos investigadores de que o êxito de um grupo psíquico depende das condições psíquicas de todos os seus membros – o desenvolvimento de novos fenômenos e a conversão de novos iniciados, há alguns incidentes marcantes dessa primeira fase que deve ser particularmente frisada. Notável entre estes é a mediunidade de D. D. Home, e a dos dois rapazes de Davenport, que constituem episódios tão importantes e atraem a atenção de tal maneira e por tanto tempo que são tratados em capítulos especiais. Há, entretanto, certas mediunidades menores, que reclamam uma breve referência.
Uma destas é a de Linton, o ferreiro, um homem quase analfabeto, posto que, como A. J. Davis, tivesse escrito um livro notável e, ao que parece, ditado por um Espírito. Esse livro de 530 páginas, intitulado “The Healing of the Nations” é, certamente, uma notável produção, seja qual for a sua fonte, e é óbvio que não poderia ter sido produzido normalmente por tal autor. Está ornado de um prefácio longo, da pena do Governador Tallmadge, que mostra quanto o digno senador conhecia a antiguidade clássica. Do ponto de vista clássico e da Igreja Primitiva, poucas vezes se tem escrito melhor.
Em 1857 a Universidade de Harvard mais uma vez se notabilizou pela perseguição e expulsão de um estudante, chamado Fred Willis, pela prática da mediunidade. Dir-se-ia que o Espírito de Cotton Mather e dos perseguidores das feiticeiras de Salém haviam caído em Boston, sobre aquele grande centro de saber, pois naqueles primeiros tempos estava sempre em luta com aquelas forças invisíveis, que ninguém pensa em dominar. A coisa começou por uma intempestiva ação da parte de um certo Professor Eustis, para provar que Willis fraudava, quando todas as experiências provam que era um verdadeiro sensitivo, que fugia de toda demonstração pública de sua força. O assunto produziu grande excitação e escândalo.
Este e outros casos de violência podem ser citados. Não obstante, é preciso reconhecer que a esperança de êxito de um lado, e a efervescência mental causada por tão terrível revelação do outro, arrastaram, neste período, os supostos médiuns a um tal grau de desonestidade e a tão fanáticos excessos e grotescas afirmações, que comprometeram o sucesso imediato que os espíritas mais sãos e corretos podiam esperar.
Uma curiosa fase de mediunidade, que atraiu muita atenção, foi a de um fazendeiro, Jonathan Koons e sua família, que viviam num distrito rural de Ohio. Os fenômenos obtidos pelos irmãos Eddy são discutidos mais amplamente no capítulo seguinte e, como os dos Koons eram no mesmo sentido, não necessitam ser tratados minuciosamente. Os instrumentos musicais foram largamente empregados em demonstrações da força dos Espíritos, e a cabana dos Koons tornou-se célebre em todos os Estados vizinhos – tão célebre que vivia cheia de gente, posto que situada a setenta milhas da cidade mais próxima.
Parece que se tratava de um verdadeiro caso de mediunidade de efeitos físicos, de natureza vulgar, como era de esperar onde o centro era um fazendeiro bronco. Muitas investigações foram feitas, mas os fatos ficaram sempre inatingidos pela crítica. Contudo, eventualmente, Koons e sua família eram conduzidos de casa, pela perseguição da gente ignorante, em cujo meio viviam. A vida rude, ao ar livre, do fazendeiro parece especialmente adequada ao desenvolvimento da forte mediunidade de efeitos físicos. Foi no lar de um fazendeiro americano que ela primeiro se manifestou, e os Koons em Ohio, os Eddy em Vermont, Foss em Massachusetts e muitos outros mostraram sempre a mesma força.
Podemos fechar este relato dos primeiros dias com muita propriedade, citando em fato onde a intervenção dos Espíritos provou a sua importância para a história do mundo. Foi um exemplo das inspiradas mensagens que determinaram a ação de Abraham Lincoln no momento supremo da guerra civil. Os fatos estão fora de discussão e são citados com provas corroborantes do livro de Mrs. Maynard sobre Abraham Lincoln. O nome de solteira de Mrs. Maynard era Nettia Colburn e ela foi a heroína da história.
A moça era poderosa médium de transe e visitou Washington no inverno de 1862, para ver seu irmão que se achava no Hospital do Exército Federal. Mrs. Lincoln, esposa do Presidente, que se interessava pelo Espiritismo, fez uma sessão com Miss Colburn, ficou muito impressionada com o resultado e, no dia seguinte, mandou a carruagem buscar a médium para ver o Presidente. Ela descreve a bondosa maneira com que o grande homem a recebeu à entrada da Casa Branca e cita o nome das pessoas presentes. Sentou-se, caiu no transe costumeiro e não se recorda de mais nada. E assim continua:
“Durante mais de uma hora fizeram falar com ele e, pelos amigos, soube mais tarde que a conversa girava sobre coisas que ele parecia entender muito bem, ao passo que eles pouco entendiam, inclusive a parte relacionada com a próxima Proclamação da Emancipação. Foi-lhe ordenado com a maior solenidade e força de expressão que não modificasse os termos da sua proposição e não adiasse a sua transformação em lei até o começo do ano; foi-lhe assegurado que isto seria o coroamento de sua administração e de sua vida; e que, enquanto ele estava sendo aconselhado por fortes elementos para adiar aquela medida, substituindo-a por outras medidas e por uma dilação, não deveria dar atenção a tais conselhos, mas firmar-se nas suas convicções e destemerosamente realizar o trabalho e cumprir a missão para a qual tinha sido elevado pela Providência. Os presentes declararam que esqueceram a presença da jovem tímida, em face da majestade de sua advertência, a força e o poder de suas linguagens e a importância da sua mensagem, que dava a impressão de que uma poderosa força espiritual masculina falava sob um comando divino.
Jamais esquecerei a cena em meu redor, quando recuperei a consciência. Achava-me de pé em frente a Mr. Lincoln, o qual se achava afundado em sua cadeira, com os braços cruzados sobre o peito, olhando-me intensamente. Recuei, naturalmente confusa com a situação – sem me lembrar de momento onde me achava; relanceei o olhar sobre o grupo no qual reinava absoluto silêncio. Durante um momento procurei recordar-me das coisas.
Um cavalheiro presente disse então, em voz baixa: “Senhor Presidente, notou algo de peculiar na maneira da mensagem?” Mr. Lincoln levantou-se, como que abalado. Pousou o olhar sobre o retrato de corpo inteiro de Daniel Webster, acima do piano, e com muita ênfase, respondeu: “Sim, e é muito singular, muito!”
Mr. Somes disse: “Senhor Presidente, seria impróprio que eu perguntasse se houve qualquer pressão sobre Vossa Excelência no sentido de adiar a aplicação da Proclamação?”
Ao que o Presidente respondeu: “Nestas circunstâncias a pergunta tem toda propriedade, pois somos todos amigos.” E, sorrindo para o grupo, acrescentou: “Essa pressão abala-me os nervos e as forças.” A essa altura os cavalheiros o rodearam falando em voz baixa, sendo Mr. Lincoln o que menos falava. Por fim ele virou-se para mim e, pondo a mão sobre minha cabeça, pronunciou as seguintes palavras que jamais esquecerei: “Minha filha, você possui um dom singular; e não tenho dúvidas que vem de Deus. Agradeço-lhe por ter vindo aqui esta noite. Isto é mais importante, talvez, do que a gente inimiga. Devo deixar vocês todos agora, mas espero vê-la novamente.” Sacudiu bondosamente a mão, curvou-se ante o resto do grupo e se foi. Ficamos ainda uma hora, a conversar com Mrs. Lincoln e seus amigos e então voltei a Georgetown. Essa foi a minha primeira entrevista com Abraham Lincoln e a sua lembrança me ficou tão viva como na noite em que ela se deu”.
Foi este um dos mais importantes exemplos na história do Espiritismo e também deve tê-lo sido na história dos Estados Unidos, não só porque animou o Presidente a dar um passo que levantou enormemente o moral do Exército do Norte e pôs nos homens algo do espírito de cruzada; mas uma mensagem que se seguiu apressou Lincoln a visitar os campos, o que ele fez com o melhor efeito sobre o moral das tropas. Entretanto, em vão procurará o leitor qualquer referência nos livros de história da grande luta e da vida do Presidente a esse episódio vital. Tudo isto devido ao incorreto tratamento tanto tempo suportado pelo Espiritismo.
É impossível que se os Estados Unidos apreciassem a verdade, permitissem que o culto, cujo valor ficou provado no mais sombrio momento de sua história, seja perseguido e reprimido por uma polícia ignorante e por magistrados fanáticos, na maneira agora tão comum, ou que a imprensa continue a mofar de um movimento que produziu a Joanna D’Arc de seu país.
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