domingo, 17 de maio de 2009

Cap. 5 - A Carreira das Irmãs Fox

A Carreira das Irmãs Fox



Por amor à continuidade, a história subsequente das Irmãs Fox agora será dada após os acontecimentos de Hydesville. É uma história notável, embora dolorosa para os Espíritas; mas encerram esses fatos uma lição, pelo que devem ser registrados fielmente. Quando os homens aspiram a verdade honestamente e de todo o coração, não há acontecimentos que os envergonhem ou que não encontrem um lugar no seu programa.
Durante alguns anos as duas irmãs mais novas, Kate e Margaret, fizeram sessões em New York e em outros lugares, triunfando em cada ensaio a que eram submetidas. Horace Greeley, posteriormente candidato à presidência dos Estados Unidos, conforme já o demonstramos, achava-se profundamente interessado por elas e convencido de sua honestidade. Diz-se que forneceu elementos para que a mais nova completasse a sua educação muito imperfeita.
Durante esses atos de mediunidade pública, quando as moças faziam furor, tanto entre as pessoas que não tinham a menor idéia do significado religioso dessa nova revelação, quanto entre aqueles cujo interesse estava na esperança de vantagens materiais, as irmãs estiveram expostas às enervantes influências das sessões promíscuas e de tal maneira que nenhum espírita avisado justificaria. Então os perigos de tais práticas não eram tão notados quanto agora, nem ao povo ocorria que não era possível que Espíritos elevados baixassem à Terra para dar conselhos acerca das ações das estradas de ferro ou soluções para os casos amorosos. A ignorância era universal e não havia mentores à testa desses pobres pioneiros para lhes indicar um caminho mais elevado e mais seguro. O pior de tudo é que as suas energias esgotadas eram renovadas com a oferta de vinho, num momento em que, pelo menos uma delas, era pouco mais do que uma criança. Dizia-se que havia uma certa predisposição hereditária para o alcoolismo; mas, mesmo sem essa marca, o seu procedimento e modo de vida era ousado ao extremo. Contra sua formação moral jamais houve qualquer suspeita, mas elas tinham enveredado por um caminho que conduz à degeneração da mente e do caráter, muito embora só muitos anos mais tarde se tivessem manifestado os mais sérios efeitos.
Pode-se fazer uma idéia da pressão exercida então sobre as Irmãs Fox pela descrição que Mrs. Hardinge Britten1 nos faz de suas próprias observações. Ela fala de uma “parada no primeiro andar, para ouvir a pobre e paciente Kate Fox, em meio a uma multidão de investigadores curiosos e murmurantes, a repetir, hora após hora, as letras do alfabeto, enquanto que Espíritos não menos pobres e pacientes batiam nomes, ida¬des e datas adequadas a cada visitante”. Será para admirar que as moças, com a vitalidade gasta, sem a bela e vigilante influência materna, solicitadas por inimigos, sucumbissem a uma crescente tentação no sentido dos estimulantes?
Uma luz notável se faz para Margaret, durante esse período, num curioso livrinho — “As Cartas de Amor, do Doutor Elisha Kane”. Foi em 1852 que o Doutor Kane, mais tarde famoso explorador do Oceano Glacial Ártico, encontrou Margaret Fox, então uma jovem muito bonita e atraente. A ela Kane escreveu aquelas cartas de amor, que representam um dos mais curiosos amores na literatura. Elisha Kane, como o seu prenome indica, era de origem puritana; e os Puritanos, com o seu ponto de vista que a Bíblia representa absolutamente a última palavra como inspiração espiritual, e que eles entendem o que essa última palavra significa, são por instinto antagonistas do novo culto que se propõe mostrar que novas fontes e novas interpretações ainda são possíveis.
Era, também, médico. E a profissão de médico é, simultaneamente, a mais nobre e a mais cinicamente incrédula do mundo. Para começar, Kane se convenceu de que a jovem estava envolvida em fraude e criou a teoria de que sua irmã mais velha, Leah, visando fins lucrativos, estava explorando a fraude. O fato de, pouco depois, Leah haver-se casado com um homem rico, chamado Underhill, magnata de seguros em Wall Street, parece que não modificou o ponto de vista de Kane, quanto à sua avidez por lucros ilícitos. O médico tomou-se de estreita amizade por Margaret, colocou-a sob as vistas de sua própria tia, a fim de a educar, enquanto se ausentava para o Oceano Ártico, e finalmente casou-se com ela sob uma espécie de casamento muito curioso, que era a lei Gretna Green, ao que parece, então vigente. Morreu pouco depois, em 1857, e a viuva, então se assinando Mrs. Fox-Kane, abjurou os fenômenos por algum tempo e foi recebida na Igreja Católica Romana.
Nessas cartas Kane censura continuamente a Margaret por viver em erro e hipocrisia. Restam poucas cartas de Margaret, de modo que não é possível saber até onde se defendeu.
Conquanto não espírita, diz o compilador do livro: “Pobre moça! Com a sua simplicidade, timidez e ingenuidade, não poderia, ainda que tivesse inclinação, ter praticado a menor falcatrua com qualquer possibilidade de sucesso”. É um testemunho de valor, de vez que o compilador naturalmente esteve em estreitas ligações com pessoas relacionadas com o assunto. O próprio Kane, escrevendo à mais moça, Kate, diz: “Tome o meu conselho e jamais fale de Espíritos, quer aos íntimos, quer aos estranhos. Voce sabe que com toda a intimidade com Maggie, depois de um mês inteiro de tentativas, deles nada pude obter. Assim, eles constituem um grande mistério.”
Considerando suas íntimas relações e que Margaret claramente ofereceu a Kane todas as provas de sua força, é inconcebível que um médico experiente admitisse que depois de um mês nada teria podido fazer, caso o fenômeno fosse um simples estalo de uma articulação.
Nessas cartas não se podem encontrar indícios de fraude, mas amplas provas de que as duas moças, Margaret e Kate, não tinham a mais leve idéia de ligação religiosa com essas forças, ou das graves responsabilidades da mediunidade e de que faziam mau uso de seus dons no sentido de dar indicações a todo o mundo, receber uma assistência promíscua e responder a perguntas frívolas ou jocosas. Não era surpresa para nenhum espírita experimentado que, em tais circunstâncias, tanto o seu caráter quanto as suas forças estivessem tão estragados. Não podiam dar coisa melhor. E tanto a sua idade quanto a sua ignorância as escusam.
Para compreender a sua situação, é preciso lembrar que eram pouco mais que crianças, pouco educadas e quase ignorantes da filosofia do assunto. Quando um homem como o Doutor Kane assegurava a Margaret que aquilo era um grave erro, apenas repetia o que lhe entrava pelos ouvidos em toda a parte, inclusive de metade dos púlpitos de New York.
Provavelmente tinha ela uma sensação desagradável de estar errada, sem ao menos saber por que, e isto, possivelmente, depõe em seu favor, por não se mostrar magoada por suas suspeitas. Na verdade podemos admitir que, no fundo, Kane estivesse certo e que os processos fossem, por certo modo, injustificáveis. Naquela época elas próprias eram incorruptíveis; e se tivessem usado os seus dons como D. D. Home, sem relação com as coisas mundanas, e apenas com o propósito de provar a imortalidade da alma e consolar os aflitos, então, sim, elas se teriam colocado acima da crítica. Ele estava errado quando duvidava de seus dons, mas certo quando encarava como suspeitas certas maneiras de os utilizar.
Como quer que seja, a posição de Kane é irremediavelmente ilógica. Ele desfrutava da maior intimidade e afeição da mãe e das duas moças, muito embora, se as palavras tem algum sentido, ele as julgasse embusteiras, que viviam da credulidade pública. “Beije a Katie por mim”, diz ele; e continua¬mente manda saudades a mãe.
Moças como eram, já havia da parte dele a suspeita do perigo do alcoolismo, a que se achariam expostas mais tarde e naquela promiscuidade. “Diga a Katie que não tome champanha e voce siga o mesmo conselho”, dizia ele. Era um conselho bom, e teria sido melhor para elas e para o movimento espírita se ambas o tivessem seguido. Novamente, porém, há que recordar a sua mocidade inexperiente e as constantes tentações.
Kane era uma curiosa mistura de herói e de bôbo. As batidas dos Espíritos, não apoiadas por qualquer sanção religiosa ou científica, vinda posteriormente, era uma baixeza, uma superstição de ignorantes e ele, um homem de reputação, iria casar-se com um espírito-batedor? Nisto ele vacilou extraordinariamente, começando uma carta pedindo para ser o seu irmão e terminando por lhe recordar os mais cálidos beijos. “Agora que voce me deu o seu coração, eu serei o seu irmão”, diz ele. Tinha uma veia de superstição, que o percorria todo e que estava muito abaixo da credulidade que atribui aos outros. Frequentemente alude ao fato de possuir um poder divinatório pelo simples levantar da mão direita, coisa que havia aprendido “de um feiticeiro nas Índias”. Por vezes tanto é pretensioso. quanto tolo. “Até à mesa de jantar do presidente eu pensava em voce”. E mais adiante: “Voce nunca poderia atingir os meus pensamentos e o meu objetivo. Eu nunca poderia descer até os seus”. Na verdade, as poucas citações de suas cartas mostram uma mente inteligente e simpática.
Ao menos em uma ocasião encontramos Kane procurando decepcioná-la e ela combatendo a idéia.
Quatro pontos fixos podem ser estabelecidos nessas cartas:
1.Que Kane pensava de modo vago que houvesse falcatrua.
2.Que nos anos de sua maior intimidade ela jamais o admitiu.
3.Que ele jamais pode sugerir em que consistia a fal¬catrua.
4.Que ela empregou as suas forças de maneira que os espíritas sérios deploram.
Na verdade não sabia ela mais sôbre a natureza dessas fôrças do que os que a rodeavam.
Diz o escritor: “Ela dizia sempre que nunca tinha realmente acreditado que as batidas fossem obra de Espíritos, mas pensava que nisso havia uma relação com certas leis ocultas da natureza”. Esta foi a sua atitude posterior na vida, pois em sua ficha profissional dizia que o povo devia por si mesmo julgar da natureza de suas forças.
É natural que aqueles que falam do perigo da mediunidade e, particularmente, da mediunidade de efeitos físicos, deveriam apontar como exemplo as Irmãs Fox. Mas o seu caso não deve ser exagerado. Em 1871, depois de mais de vinte anos de trabalho exaustivo, ainda as encontramos recebendo entusiástico apoio e admiração de muitos homens e senhoras importantes da época. Só depois de quarenta anos de trabalhos públicos é que se manifestaram condições adversas em suas vidas. Assim, sem entrar na apreciação do que há de censurável, proclamamos que dificilmente o seu comportamento justificaria aqueles que consideram a mediunidade como uma profissão que degrada a alma.
Foi em 1871 que, graças à generosidade de Mr. Charles F. Livermore, eminente banqueiro de New York, Kate Fox visitou a Inglaterra. Era um sinal da gratidão do banqueiro pela consolação que havia recebido de sua força maravilhosa e um apoio para o progresso do Espiritismo. Ele proveu todas as suas necessidades e assim evitou que ela tivesse de recorrer ao trabalho remunerado. Também providenciou para que ela viesse acompanhada por uma senhora com quem tinha afinidade.
Numa carta a Mr. Benjamin Coleman2, conhecido trabalhador do movimento espírita, assim se exprime Mr. Livermore: “Vista de um modo geral, Mrs. Fox é, sem a menor dúvida, o mais maravilhoso médium vivo. Seu caráter é irrepreensível e puro. Recebi, através de seus poderes mediúnicos, durante os últimos dez anos, tanta coisa consoladora, instrutiva e fulminante, que me sinto muitíssimo obrigado e desejo cercá-la de todos os cuidados enquanto ausente de casa e dos amigos.”
Suas observações posteriores como que encerram um pressentimento dos últimos tristes acontecimentos de sua vida: “Para que você compreenda melhor as suas idiossincrasias, permita-me explicar que ela é uma sensitiva da mais alta classe e de uma simplicidade infantil; ela sente intensamente a atmosfera de cada criatura com quem se põe em contacto e a tal ponto que por vezes fica excessivamente nervosa e aparentemente caprichosa.
“Por essas razões eu a preveni para que não participasse de sessões no escuro, evitasse a irritação proveniente da suspeita dos cépticos, dos simples curiosos e dos apreciadores do maravilhoso.
A perfeição das manifestações que se podem obter por seu intermédio depende do seu ambiente e, na medida de sua relação ou simpatia com os outros, parece receber a força espiritual. As comunicações por seu intermédio são muito notáveis e me tem chegado com frequência de minha esposa (Estelle) em perfeito francês, e às vezes em espanhol e italiano, muito embora ela desconheça esses idiomas. Voce compreende isto; mas essas explicações serão necessárias para outros. Como disse, ela não fará sessões como profissional. Assim espero que ela fará todo o bem possível em favor da grande verdade de um modo suave, enquanto se encontra na Inglaterra”.
Mr. Coleman, que tinha estado numa sessão com ela em New York, disse haver recebido uma das maiores provas de identidade de Espírito jamais verificada em sua experiência de dezessete anos. Mr. Cromwell F. Varley, o eletricista que lançou o cabo submarino do Atlântico, em sua prova perante a Sociedade Dialética de Londres, em 1869, falou de interessantes experiências sobre eletricidade, que ele realizou com esse médium.
A visita de Kate Fox à Inglaterra evidentemente foi considerada como uma missão, pois encontramos Mr. Coleman aconselhando-a a admitir apenas como assistentes pessoas que não temessem a publicação de seus nomes como testemunhas de fatos a que tivessem presenciado. Esse critério parece ter sido adotado até certo ponto, pois foram conservados muitos testemunhos de suas faculdades, entre outras pessoas, do Professor William Crookes, de Mr. S. C. Hall, de Mr. W. H. Harrison, editor do The Spiritualist, de Miss Rosamund Dale Owen, posteriormente esposa de Laurence Oliphant, e do Reverendo John Page Hopps.
A recém-chegada iniciou suas sessões logo depois de seu desembarque. Numa das primeiras, a 24 de novembro de 1871, um representante de The Times esteve presente e publicou um relato da sessão, realizada em conjunto com D. D. Home, grande amigo do médium. Isto se lê num artigo sob o título “Espiritismo e Ciência”, que ocupou três colunas e meia em tipo saliente. O representante de The Times diz que Miss Fox o levou até a porta da sala, convidou-o a ficar de pé a seu lado e segurar-lhe as mãos, o que ele fez, “quando foram ouvidos fortes golpes, que pareciam vir das paredes e como se fossem dados com os punhos.
Os golpes eram repetidos, a pedido nosso, qualquer número de vezes”. Contou haver experimentado todos os ensaios de que se havia lembrado e que tanto Miss Fox quanto Mr. Home lhe haviam dado todas as oportunidades para exame e que os seus pés e suas mãos estavam presos.
Num artigo de fundo sobre o relatório acima referido e numa correspondência decorrente, o Times de 6 de janeiro de 1873 declarou que não era o caso para um inquérito científico:
“Muitos leitores sensíveis, segundo pensamos, julgarão que lhes devemos uma satisfação por termos aberto as nossas colunas a uma controvérsia para um assunto como é o Espiritismo, assim o considerando como uma questão aberta ou suscetível de discussão, e que esta deveria antes ser relegada como uma impostura ou como uma ilusão. Entretanto, mesmo uma impostura deve reclamar um desmascaramento e as ilusões populares, mesmo que absurdas, são por vezes bastante importantes para não serem desprezadas pela parte mais sábia da humanidade... Há realmente algo, como diziam os advogados, que mereça um julgamento? Bem; por um lado temos abundância de supostas experiências, que dificilmente poderiam ser chamadas provas e uns poucos testemunhos de um caráter mais notável e impressionante. Por outro lado, temos muitas histórias de impostores confessos e muitos relatos autênticos desses desmascaramentos e descobertas, como era de esperar”.
A 14 de dezembro de 1872 Miss Fox casou-se com Mr. H. D. Jencken, um advogado londrino, autor de um “Compêndio de Direito Romano Moderno”, etc., e secretário geral honorário da Associação para a Reforma e Codificação do Direito Internacional. Foi ele um dos primeiros espíritas da Inglaterra.
Relatando a cerimônia, diz The Spiritualist que a população dos espíritos participou da cerimônia, pois no almoço de gala, fortes batidas foram ouvidas em várias paredes da sala e a mesa, sobre a qual se achava o bolo nupcial, foi repetidamente levantada do solo.
Uma testemunha de vista informa que Mrs. Kate Fox-Jencken, como passou ela a ser conhecida, e seu marido na era dos setenta encontravam-se em bons meios sociais de Londres. Seus trabalhos eram muitíssimo procurados pelos investigadores.
John Page Hopps a descreve então como “uma criatura pequena, franzina, muito inteligente, mas de um sorriso tolo; maneiras finas e delicadas e um suave prazer nas suas experiências, que afastavam o mais leve traço de convencimento ou de afetação de mistério”.
Sua mediunidade consistia principalmente de batidas —por vezes muito fortes — de luzes espirituais, de escrita direta e da aparência de mãos materializadas. As materializações completas, que ocasionalmente se verificaram em suas sessões na América, foram raras na Inglaterra. Algumas vezes objetos na sala das sessões foram deslocados pelos Espíritos e nalguns casos trazidos de fora, de uma outra sala.
Foi mais ou menos por esse tempo que o Professor William Crookes fez um inquérito sobre os poderes da médium e publicou uma sincera declaração que veremos adiante, quando tratarmos dos primeiros contactos de Crookes com o Espiritismo. Essas cuidadosas observações mostram que as batidas constituíam uma pequena parte da força psíquica de Kate Fox e que se podiam ser adequadamente explicadas por meios normais, ainda nos deixavam envoltos no mistério. Assim relata Crookes, quando as únicas pessoas presentes eram ele, sua senhora, uma parenta e Miss Fox:
“Eu segurava ambas as mãos da médium numa das minhas, enquanto seus pés estavam sobre os meus. Havia papel sobre a mesa em nossa frente e eu tinha um lápis na mão livre.
Uma luminosa mão desceu do alto da sala e, depois de oscilar perto de mim durante alguns segundos, tomou o lápis de minha mão e escreveu rapidamente numa folha de papel, largou o lápis e ergueu-se sobre as nossas cabeças, dissolvendo-se gradativamente na escuridão.”
Muitos outros observadores descrevem fenômenos simila¬res com o mesmo médium em várias ocasiões.
Uma fase muito extraordinária da mediunidade de Mrs. Fox-Jencken foi a produção de substâncias luminosas. Na presença de Mrs. MacDougdall Gregory, de Mr. W. H. Harrison, diretor de um jornal londrino e de outras pessoas, apareceu uma mão, com algum material fosforescente, de cerca de quatro polegadas quadradas, com o qual houve uma batida no chão e um toque na face de um dos assistentes3. Verificou-se que era uma luz fria. Miss Rosamund Dale Owen, relatando o fenômeno4, descreve os objetos como “cristais iluminados” e diz que não tinha visto uma materialização que desse uma sensação tão real da proximidade de um Espírito quanto essas luzes graciosas. O autor pode corroborar o fato de que essas luzes são geralmente frias, pois, em certa ocasião, com outro médium, uma luz semelhante lhe tocou a face. Miss Owen também fala de livros e outros pequenos objetos transportados e de uma pesada caixa de música de cerca de vinte e cinco libras, que foi retirada de um console. A peculiaridade desse instrumento é que estava desarranjado há meses e não pode ser tocado enquanto as forças invisíveis não o consertaram e o puseram em movimento.
A mediunidade de Mrs. Jencken se mesclava em todos os atos de sua vida diária. Diz o Professor Butlerof que, quando fez uma visita matinal ao casal, em companhia de Mr. Aksakof, ouviu batidas no soalho. Passando uma tarde em casa dos Jencken, diz que as batidas foram numerosas durante o chá. Também conta Miss Rosamund Dale Owen5 que certa vez, estando a médium na rua, com duas senhoras, em frente a uma vitrina, as batidas se misturaram na conversa e o chão vibrava a seus pés. Diz até que as batidas eram tão altas que atraíam a atenção dos transeuntes. Mr. Jencken relata muitos casos de fenômenos espontâneos, em sua vida doméstica.
Os detalhes das sessões do médium poderiam encher um volume. Mas, com exceção de um último caso, devemos contentar-nos com a opinião do Professor Butlerof, da Universidade de São Petersburgo que, depois de investigar os seus poderes em Londres, escreveu em The Spiritualist, de 4 de fevereiro de 1876:
“De tudo quanto me foi possível observar em presença de Mrs. Jencken, sou levado à conclusão de que os fenômenos peculiares a esse médium são de natureza fortemente objetiva e convincente e que, penso, seriam suficientes para levar o mais pronunciado céptico, desde que honesto, a rejeitar a ventriloquia, a ação muscular e semelhantes explicações dos fenômenos”.
Mr. H. D. Jencken morreu em 1881 e sua viúva ficou com dois filhos. Esses mostraram maravilhosa mediunidade em tenra idade, cujo registro se encontra em escritos da época6.
Mr. S. C. Hall7, conhecido homem de letras e destacado espírita, descreve uma sessão em sua casa, em Kensington, no dia de seu aniversário, a 9 de maio de 1882, na qual a sua defunta esposa se manifestou:
“Muitas mensagens interessantes e comoventes me chegaram através da escrita normal de Mrs. Jencken. Tinham pedido que apagássemos as luzes. Então começou uma porção de manifestações, como raramente tenho visto e mais raramente ultrapassadas... Tomei uma campainha de sobre uma mesa e fiquei com ela na mão. Senti que outra mão a tomava e a tocava por toda parte na sala, durante cerca de cinco minutos. Então coloquei um acordeon debaixo da mesa, de onde foi retirado e, a uma distância de três ou quatro pés da mesa a qual estávamos sentados, tocaram umas canções. O acordeon estava sendo tocado e a campainha agitada em diversas partes da sala quando duas velas foram acesas à mesa.
Assim, não era aquilo que se chama uma sessão às escuras, embora ocasionalmente as luzes fossem apagadas. Durante todo o tempo Mr. Stack segurava uma das mãos de Mrs. Jencken e eu segurava a outra — cada um dizendo de vez em quando: “Tenho em minha mão a mão de Mrs. Jencken”.
Cerca de cinquenta amores-perfeitos foram colocados a minha frente, numa folha de papel. Pela manhã eu havia recebido de uma amiga alguns amores-perfeitos, mas o vaso onde tinham sido colocados não se achava na sala da sessão. Mandei examiná-lo e estava intacto. Naquilo que se denomina “escrita direta” encontrei as seguintes palavras, escritas a lápis com letra miudinha, numa folha de papel que estava a minha frente: “Eu lhe trouxe minha prova de amor. Numa sessão, dias antes, já com Mrs. Jencken, eu tinha recebido a seguinte mensagem:
Pelo seu aniversário trarei uma prova de amor”
Acrescenta Mr. Hall que havia marcado a folha de papel com as suas iniciais e, como uma preocupação a mais, tinha dobrado um dos cantos de certa maneira que pudesse reconhecê-la.
É evidente que Mr. Hall ficou muito impressionado com o que viu. Escreve ele: “Testemunhei e registrei muitas manifestações maravilhosas. Duvido que tenha assistido a alguma mais convincente do que esta e, certamente, nenhuma mais refinada; nenhuma que desse mais conclusiva demonstração de que só Espíritos puros, bons e santos se manifestavam”. Confessa que consentiu em ser o “banqueiro” de Mrs. Jencken, possivelmente para prover a educação de seus dois filhos. Em vista do que aconteceu posteriormente a esse tão dotado médium, há um triste interesse em suas palavras finais:
“Tenho uma confiança, uma quase certeza de que em todos os sentidos, ela agirá de maneira a aumentar e não a diminuir, a sua força como médium, enquanto retiver a amizade e a confiança de muitos que a consideram do mesmo modo — de vez que a causa é a mesma — por que a Nova Igreja considera a Emmanuel Swedenborg, e os Metodistas consideram a John Wesley. Sem a menor dúvida os Espíritos devem a essa senhora um grande reconhecimento pelas confortadoras revelações de que, em grande parte, foi ela o instrumento escolhido pela Providência.
Fizemos este relato com certa minúcia porque mostra que os dons da médium eram então de uma ordem muito elevada e poderosa. Poucos anos antes, numa sessão em sua casa, a 14 de dezembro de 1873, primeiro aniversário de seu casamento, uma mensagem espírita por batidas dizia assim: Quando as sombras caírem sobre você, pense no lado mais luminoso”.
Era uma mensagem profética, pois o fim de sua vida foi apenas de sombras.
Margaret (Mrs. Fox-Kane) tinha se juntado à irmã Kate na Inglaterra em 1876 e permaneceram juntas por alguns anos, até que ocorreu o lamentável incidente que deve ser analisado agora. Parece que houve uma discussão amarga entre a irmã mais velha, Leah (então Mrs. Underhill) e as duas mais moças. É provável que Leah tivesse sabido que havia então uma tendência para o alcoolismo e tivesse feito uma intervenção com mais força do que tato... Alguns espíritas também interferiram e deixaram as duas irmãs meio furiosas, pois tinha sido sugerido que os dois filhos de Kate fossem separados dela.
Procurando uma arma — uma arma qualquer — com a qual pudessem ferir aqueles a quem tanto odiavam, parece que lhes ocorreu — ou, de acordo com seu depoimento posterior, que lhes foi sugerido sob promessa de vantagens pecuniárias — que se elas injuriassem todo o culto, confessando que fraudavam, iriam ferir a Leah e a todos os confrades no que tinham de mais sensível. Ao paroxismo da excitação alcoólica e da raiva juntou-se o fanatismo religioso, pois Margaret tinha sido instruída por alguns dos principais Espíritos da Igreja de Roma, e convencida — como também ocorreu conforme durante algum tempo — que suas próprias forças eram maléficas. Ela se refere ao Cardeal Manning como tendo-a influenciado neste sentido, mas tal declaração não pode ser levada muito a sério. De qualquer modo, todas essas causas combinadas a reduziram a um estado vizinho da loucura.
Antes de deixar Londres escreveu ao New York Herald denunciando o culto, mas sustentando numa frase que as batidas “eram a única parte dos fenômenos digna de registro”. Chegando a New York onde, conforme sua subsequente informação, deveria receber certa quantia pela sensacional declaração prometida ao jornal, teve uma verdadeira explosão de ódio contra sua irmã mais velha.
É um curioso estudo psicológico e, também, curiosa a atitude mental do povo, imaginar que as declarações de uma mulher descontrolada, agindo sob o império do ódio, mas, também — como ela própria o confessou — na esperança de recompensa em dinheiro, pudesse prejudicar uma investigação criteriosa de uma geração de observadores.
Não obstante, temos que considerar o fato de que então ela produz batidas ou dá lugar a que estas se produzam, numa sessão subsequente na Academia de Música de New York. Deve ser levado em conta que em tão grande auditório seria impossível qualquer ruído antecipadamente preparado para ser atribuído ao médium. Mais importante é a prova dada a um redator do Herald, em sessão particular, que ele assim relata:
“Primeiro ouvi uma batida no solo, perto de meus pés, depois debaixo da mesa, ante a qual estava sentado. Eki me levou à porta e ouvi o mesmo som se produzir do outro lado. Então, quando ela se sentou ao piano, o instrumento vibrou mais alto e as batidas ressoaram em sua caixa”.
Este relato deixa claro que os ruidos eram produzidos pelo controle, embora o jornalista deva ter sido menos céptico do que outros do meu conhecimento, para pensar que os sons, variando de qualidade e de posição, procedessem de um truque do pé do médium. É claro que ele não sabia como se produziam os sons e o autor é de opinião que Margaret também o ignorava. Está provado que realmente tinha ela algo que podia exigir, e não só pela verificação do jornalista, como pela de Mr. Wedg-wood, um espírita londrino, ao qual fez ela uma demonstração antes de voltar para a América. Assim, pois, é em vão que negam base às manifestações de Margaret. O que era essa base e o que procuramos saber.
O escândalo de Margaret Fox-Kane foi em agôsto e setembro de 1888 — aproveitado pelo jornal que a havia explorado. Em outubro ela veio unir-se à sua irmã. Era preciso explicar que a disputa, até onde se pode saber, era entre Kate e Leah, porque esta última tinha tentado separar Kate dos filhos, alegando que a influência materna não era boa. Portanto, embora Kate não se irritasse e deliberadamente não desse demonstrações públicas ou particulares, se havia aliado à irmã com o objetivo comum de derrubar Leah a qualquer preço.
“Foi ela a causadora de minha prisão na última primavera”, declarou Kate, “originando a posterior acusação de que eu era cruel para com os meus filhos. Não sei por que sempre teve inveja de Maggie e de mim; talvez porque nós pudéssemos fazer coisas no Espiritismo de que ela era incapaz.”
Ela se achava presente na Sala de Música, na sessão de 21 de outubro, na qual Margaret firmou a sua reputação, produzindo batidas. Ficou calada na ocasião, mas o silêncio pode ser tomado como uma aprovação àquilo que então ouvia.
Se assim o foi, se disse aquilo que o repórter publicou, seu arrependimento deve ter vindo muito rapidamente. A 17 de novembro, menos de um mês após a famosa sessão, escreveu ela a uma senhora de Londres, Mrs. Cottell, que residia na velha casa de Carlyle, esta admirável carta de New York e publicada no Light, em 1888, página 619:
“Eu lhe deveria ter escrito antes, mas minha surpresa foi tão grande, ao chegar e saber das declarações de Maggie sobre o Espiritismo, que não tive ânimo de escrever a ninguém.
“O empresário da exibição arranjou a Academia de Música, o maior auditório da cidade de New York; ficou superlotado.
“Fizeram uma renda de mil e quinhentos dólares. Muitas vezes desejei ter ficado com voce e se tivesse meios agora voltaria para me livrar de tudo isso.
“Agora penso que podia fazer dinheiro, provando que as batidas não são produzidas pelos dedos dos pés. Tanta gente me procura por causa da declaração de Maggie que me recuso a recebê-los.
“Insistem em desmascarar a coisa, se puderem; mas certamente não o conseguirão.
“Maggie está realizando sessões públicas nas grandes cidades americanas, mas só a vi uma vez desde que cheguei.”
Esta carta de Kate denuncia a tentação do dinheiro representando um grande papel na história. Entretanto parece que cedo Maggie verificou que rendia pouco e que não havia vantagem em dizer mentiras pelas quais não era paga e que apenas provavam que o movimento espírita se achava tão firmemente estabelecido que não chegava a ser abalado por sua traição. Por esta ou por outras razões — esperamos que com algum remordimento de consciência pela parte que havia tomado, agora admitia ela que estivera dizendo falsidades pelos mais baixos motivos. A entrevista foi publicada na imprensa de New York a 20 de novembro de 1889, cerca de um ano depois do escândalo.
“Praza a Deus”, — disse ela com voz trêmula de intensa excitação — “que eu possa desfazer a injustiça que fiz à causa do Espiritismo quando, sob intensa influência psicológica de pessoas inimigas dele, fiz declarações que não se baseiam nos fatos. Esta retratação e negação não parte apenas do meu próprio senso daquilo que é direito, como também do silencioso impulso dos Espíritos que usam o meu organismo, a despeito da hostilidade da horda traidora que prometeu riqueza e felicidade em troca de um ataque ao Espiritismo, e cujas esperançosas promessas foram tão falazes...
“Muito antes que falasse a quem quer que fosse sobre este assunto, estava sendo incessantemente advertida por meu Espírito-Guia daquilo que devia fazer; por fim cheguei à conclusão de que era inútil contrariar as suas recomendações.
— “Não houve qualquer consideração de ordem monetária nesta declaração?”
— “Não, por mínima que fosse; absolutamente.”
— “Então a senhora não visa vantagens pecuniárias?”
— “Indiretamente, sim. O Senhor sabe que embora governado pelos espíritos, um instrumento mortal deve zelar pela manutenção da vida. Isto pretendo conseguir de minhas conferências. Nem um centavo me veio às mãos em consequência da atitude que tomei”.
— “Por que motivo denunciou as batidas dos Espíritos?” “Naquela ocasião necessitava muito de dinheiro, e criaturas, cujo nome prefiro não citar, se aproveitaram da situação. Daí a embrulhada. Também a excitação ajudou a perturbar o meu equilíbrio mental”.
— “Qual o objetivo das pessoas que a induziram a fazer a confissão que a senhora e todos os outros médiuns traficavam com a credulidade do povo?”
— “Visavam diversos objetivos, O primeiro e mais importante era a idéia de esmagar o Espiritismo, fazer dinheiro para si mesmos e provocar uma grande excitação, por lhes ser um elemento favorável”.
— “Havia alguma verdade nas acusações que a senhora fez do Espiritismo?”
— “Aquelas acusações eram falsas em todas as minúcias. Não hesito em dizê-lo... Não. Minha crença no Espiritismo não sofreu mudanças. Quando fiz aquelas terríveis declarações não era responsável por minhas palavras. Sua autenticidade é um fato incontroverso. Nem todos os Hermans vivos serão capazes de reproduzir as maravilhas que se produzem através de alguns médiuns. Pela habilidade manual e por meio de espertezas podem escrever em papéis e lousas, mas mesmo assim não resistem a uma investigação acurada. A produção da materialização está acima de seu calibre mental e desafio a quem quer que seja a produzir batidas nas condições em que as produzo. Não há ser humano na Terra que possa produzir as batidas do mesmo modo que elas o são por meu intermédio.”
— “Propõe-se fazer sessões?”
— “Não. Dedicar-me-ei inteiramente ao trabalho de propaganda, pois este me dará melhores oportunidades para refutar as calúnias que eu mesma lancei contra o Espiritismo.”
— “Que diz sua irmã Kate de sua presente atitude?”
— “Está de pleno acordo. Ela não concordou com a minha atitude no passado”.
— “Terá um empresário para o seu ciclo de conferências?”
— “Não, senhor. Eu lhes tenho horror. Também eles me ultrajaram muito. Frank Stehen tratou-me vergonhosamente. Fez muito dinheiro à minha custa e deixou-me em Boston sem um centavo. Tudo quanto recebi dele foram quinhentos e cinquenta dólares, dados no começo do contrato.”
Para dar maior autenticidade à entrevista, por sugestão dela foi escrita a seguinte carta aberta, à qual ela apôs a sua assinatura:

128, West Forty-third Street
New York City
16 de novembro de 1889.
AO PÚBLICO.
“Tendo-me sido lida a entrevista que se segue, nada encontrei que não fosse a expressão correta de minhas palavras e exata expressão de meus sentimentos. Não fiz um retrato minucioso dos meios e modos empregados para me levar à sujeição e arrancar-me uma declaração de que os fenômenos espíritas, manifestados através de meu organismo, eram fraudulentos. Reservar-me-ei para preencher esta lacuna quando subir à tribuna de propaganda.”
A autenticidade desta entrevista foi comprovada por algumas testemunhas, em cujo número se incluem J. L. O’Sullivan, Ministro dos Estados Unidos em Portugal, durante vinte e cinco anos. Disse ele: “Se alguma vez eu ouvi uma mulher dizer a verdade, foi nessa ocasião”.
Assim deve ter sido. Mas a falta de um empresário deve ter sido um fator determinante da falta de êxito financeiro.
A constatação levantaria a questão de saber se as palavras da conferencista deveriam merecer inteiro crédito, pois infelizmente o autor é obrigado a convir com Mr. Isaac Funk, infatigável e imparcial investigador, que naquele período de sua vida Margaret não podia ser controlada.
O que representa muito mais para o objetivo é que Mr. Funk fez sessões com Margaret, ouviu as batidas “por toda a sala”, sem lhe apreender a origem e que eles deletrearam um nome e um endereço, tudo correto e inteiramente acima do conhecimento do médium. A informação dada estava errada mas, por outro lado, uma força supranormal foi revelada na leitura do conteúdo de uma carta no bolso de Mr. Funk. A mistura desses resultados é perturbadora, como outro problema mais amplo, discutido adiante.
Há um fator no qual tocamos de leve neste exame. É o caráter e a carreira de Mrs. Fish, mais tarde Mrs. Underhill, que, como Leah, a irmã mais velha, representa tão importante papel no assunto. Conhecemo-la principalmente por seu livro “O Elo que falta no Espiritismo” (Knox e Co. New York, 1885). O livro foi escrito por um amigo, mas os fatos e os documentos foram fornecidos por Mrs. Underhill, que conferiu toda a narrativa. São ligados simplesmente e mesmo cruamente, e o espírita é levado a concluir que as entidades com as quais o grupo Fox teve os primeiros contactos nem sempre eram da mais elevada classe. Talvez em outro plano, como neste, sejam os plebeus e os humildes que se encarreguem do pioneiro trabalho espiritual na sua própria maneira e abram o caminho para outros e mais refinados mensageiros. De lado isto, pode dizer-se que o livro dá uma forte impressão de can¬dura e de bom senso e, como descrição pessoal de quem esteve tão envolta nos momentâneos acontecimentos, está destinado a sobreviver à maioria dos livros comuns e a ser lido com maior atenção e mesmo com respeito pelas gerações futuras. Aquela gente humilde que participou do recente movimento — Capron, de Auburn, que fez a primeira conferência pública; Jervis, o elegante ministro metodista, que exclamou: “Eu sei que é verdade e enfrentarei o mundo carrancudo!”; Georges Villetts, o quaker; Isaac Post, que realizou a primeira sessão espírita; o galante grupo que deu testemunho no palco de Rochester, enquanto os agitadores ferviam o alcatrão — todos estão fadados a viver na História. De Leah pode dizer-se que realmente reconheceu a significação religiosa do movimento muito mais claramente do que as suas irmãs e que se opos ao seu emprego com objetivos puramente materiais, por ser uma degradação do que era divino. A seguinte passagem é de grande interesse, pois mostra como a família Fox primeiro considerou essa manifestação, e deve impressionar o leitor pela sinceridade de sua autora:
“O sentimento geral de nossa família... era visceralmente adverso a toda essa coisa estranha e grosseira. Nós a considerávamos como uma grande infelicidade caída sobre nós; como, quando e por que, não o sabemos... Resistimos, lutamos contra ela e constantemente e corajosamente oramos para nos livrarmos dela, ainda mesmo quando um estranho fascínio ligado a essas maravilhosas manifestações a elas nos forçavam, contra a nossa vontade, por forças e agentes invisíveis, aos quais nem podíamos resistir, nem controlar ou entender. Se a nossa vontade, o nosso ardente desejo e as preces pudessem ter prevalecido ou servido, tudo teria acabado então, e o mundo exterior à nossa pequena vizinhança jamais teria ouvido falar das batidas de Rochester ou da infeliz família Fox.”
Estas palavras dão uma impressão de sinceridade e, por outro lado, em seu livro Leah aparece — com o testemunho de muitas pessoas citadas nominalmente, como digna do papel que desempenhou num grande movimento.
Tanto Kate Fox-Jencken quanto Margaret Fox-Kane morreram no começo do decênio último do século e seu fim foi triste e obscuro. O problema que apresentam é exposto ao leitor, evitando-se a extrema sensibilidade espírita, que não enfrenta os fatos e as acusações dos cépticos, que carregam na narrativa daquelas partes que melhor servem aos seus propósitos, enquanto omitem ou reduzem tudo o mais. Vejamos, à custa de um desvio de nossa narrativa, se é possível achar uma espécie de explicação para o duplo fato de que aquilo que essas irmãs podiam fazer era absolutamente anormal e que o era, ao menos até certo ponto, dependente de seu controle. Não é um problema simples: ao contrário, é muitíssimo profundo e exaustivo e mais que exaustivo, pois o conhecimento psíquico de que então se dispunha estava muito acima do nível em que viviam as irmãs Fox.
A simples explicação então apresentada pelos espíritas não deve ser logo posta de lado — ao menos por aqueles que conhecem algo mais. Era que um médium que emprega mal os seus dons e sofre uma degradação do caráter através de hábitos ruins, torna-se acessível a influências maléficas, que podem utilizar a sua mediunidade para informações falsas ou para o descrédito da causa. Isto bem pode ser certo como a causa. Mas devemos ir mais adiante, em busca do como e do porquê.
O autor é de opinião que a verdadeira explicação será encontrada pela reunião de todos esses acontecimentos com as recentes investigações do Doutor Crawford sobre os meios pelos quais se produzem os fenômenos físicos.
Mostrou ele muito claramente e em detalhes no capítulo seguinte, que as batidas — e no momento só tratamos dessa fase — são causadas pela projeção, da pessoa do médium, de um longo fio de uma substância possuidora de propriedades que a distinguem de qualquer outra forma de matéria. Tal substância foi cuidadosamente examinada pelo eminente fisiologista francês Doutor Charles Richet, que a chamou de ectoplasma. Esses fios são invisíveis aos nossos olhos, parcialmente visíveis à placa fotográfica e ainda conduzem energia de tal maneira que produzem sons e dão batidas a distância.
Agora, se Margaret produzia as batidas da mesma maneira que o médium de Crawford, temos apenas que formular uma ou duas hipóteses prováveis em si mesmas e, cabendo à ciência do futuro prová-lo em definitivo, deixar a coisa inteiramente às claras. Uma hipótese é que o centro da força psíquica é formado nalguma parte do corpo de onde sai o fio de ectoplasma. Supondo que o centro seja o pé de Margaret, isto lançaria uma intensa luz no testemunho coligido no inquérito de Seybert. Examinando Margaret e se esforçando por obter batidas por ela, alguém da comissão e com o consentimento dela, pos a mão so¬bre o seu pé. Imediatamente as batidas se seguiram. O investigador exclamou: “Isto é a coisa mais maravilhosa que há, Mrs. Kane. Eu os percebo distintamente em seu pé. Não há o me¬nor movimento do pé, mas há uma pulsação invulgar”.
Esta experiência de modo algum admite a idéia de um deslocamento da junta ou de estalos dos dedos. É exatamente o que se poderia imaginar no caso de um centro do qual fosse projetada uma força psíquica. Essa força é de forma material e é tirada do corpo do médium, de modo que deve haver algum nexo. Este nexo pode variar. No caso citado estava no pé de Margaret. Foi observado pelos doutores de Buffalo que havia um movimento sutil do médium no momento da batida. A observação era correta embora errada a interferência. O próprio autor viu distintamente, no caso de um médium amador, uma ligeira pulsação geral no momento em que era dada a batida — uma espécie de contração, após a descarga da força.
Admitindo que a força de Margaret trabalhasse dessa maneira, temos apenas que discutir se os bastões ectoplásmicos em qualquer circunstância podem projetar-se à vontade. Até onde o autor pode saber, não há observações que sustentem diretamente esse ponto. Parece que o médium de Crawford sempre caía em transe, de modo que a questão não foi levantada. Em outros fenômenos físicos há uma certa razão para pensar que em sua forma mais simples estejam intimamente ligados ao médium, mas à medida que se desenvolvem escapam ao seu controle e são influenciados por forças estranhas a ele. Assim, as figuras ectoplásmicas fotografadas por Madame Bisson e pelo Doutor Schrenck Notzing, aparecidas em seu recente livro, em suas primeiras formas podem ser atribuidas aos pensamentos do médium ou a lembranças que tomam forma visível no ectoplasma; como porém estas se perdem no transe, tomam forma de figuras que, em casos extremos, são dotadas de vida independente. Se houver uma analogia geral entre as duas classes de fenômenos, então é muito possível que Margaret tivesse algum controle sobre a expulsão de ectoplasma que produzia o som; mas se o som produzia mensagens que estavam acima de seu conhecimento, como no caso exemplificado por Funk, a força já não era empregada por ela, mas por alguma inteligência independente.
Deve lembrar-se que ninguém ignora mais como os seus efeitos são produzidos do que o médium, que é o seu centro. Um dos maiores médiuns de efeitos físicos do mundo disse uma vez ao autor que jamais havia testemunhado um fenômeno físico, pois sempre se achava em transe quando estes ocorriam: a opinião de qualquer dos assistentes era assim mais valiosa do que a sua. Assim, no caso dessas irmãs Fox, que eram apenas crianças quando os fenômenos começaram, elas pouco sabiam da filosofia do assunto e Margaret dizia frequentemente que não compreendia os seus próprios resultados. Se achava que ela própria possuía algum poder de produzir as batidas, por mais obscura que fosse a maneira por que as produzia, estaria em condições mentais para impugnar as acusações do Doutor Kane, de que mistificava. Ainda a sua confissão e a da irmã seriam verdadeiras neste particular, mas cada uma teria consciência, como posteriormente admitiram, que havia muita coisa mais que não podia ser explicada e que não emanava delas mesmas.
Contudo, resta um ponto muito importante a discutir — o mais importante de todos para os que aceitam o significado religioso do movimento. Para os não iniciados no assunto um argumento naturalíssimo é a pergunta: “São estes os vossos frutos? Pode ser boa uma filosofia ou uma religião que produz tais efeitos sobre aqueles que ocultam um lugar destacado em seu estabelecimento?” Ninguém pode subterfugir a uma tal objeção à exigência de uma resposta clara, que muitas vêzes foi dada e ainda necessita de repetição.
Então estabeleçamos claramente que não existe mais conexão entre a mediunidade de efeitos físicos e a moralidade, do que entre um ouvido apurado para a música e a moralidade. Ambos são puros dotes físicos. O músico pode interpretar os mais amáveis pensamentos e excitar nos outros as mais altas emoções, influenciando os seus pensamentos e elevando as suas mentes. E êle próprio pode ser um viciado em entorpecentes, um perverso ou um dipsômano. Por outro lado, pode aliar ao seu talento musical um caráter pessoal angélico.
Apenas não existe absolutamente uma conexão entre as duas coisas, a não ser que ambas têm o seu centro no mesmo corpo humano.
Assim na mediunidade de efeitos físicos. Todos nós, ou quase todos, expelimos uma certa substância de nosso corpo, a qual tem propriedades muito peculiares. Com muitos de nós — conforme foi verificado por Crawford pesando cadeiras, — a quantidade é desprezível. Mas com 1 em 100.000 é considerável. Tal pessoa é o médium de efeitos físicos.
Ele ou ela produz uma certa matéria prima que, sustentamos, pode ser usada por forças exteriores independentes. O caráter dos indivíduos nada tem com a matéria. Tal é o resultado de duas gerações de observações.
Se for exatamente como se verifica, de modo algum o caráter do médium será afetado pelo dom. Infelizmente assim não é. Em nossas atuais condições o médium de efeitos físicos está sujeito a certos riscos morais, que exigem uma forte e vigilante resistência para os suportar. Os desastres dos mais úteis e dedicados podem ser comparados às lesões físicas, perdas de dedos e de mãos nos que trabalhavam em raios-X antes que tôdas as propriedades dêstes fossem conhecidas. Foram tomadas certas medidas para contornar esses inconvenientes físicos depois que um certo número deles se fizeram de mártires da ciência; assim os perigos morais serão evitados quando uma reparação tardia for feita aos pioneiros que se sacrificaram ao forçarem as portas do conhecimento. Esses perigos residem no enfraquecimento da vontade, na extrema debilidade após as sessões de efeitos físicos, na tentação de recuperar temporariamente as energias por meio do álcool, na tentação para fraudar quando as forças se ausentam e na possivelmente prejudicial influência de Espíritos que cercam um grupo promíscuo, reunido mais por curiosidade do que por interesse religioso.
O remédio é segregar os médiuns, dar-lhes ordenado em vez de pagar os resultados, regular o número de sessões e o caráter dos assistentes, e assim afastar deles as influências que sobrecarregaram as Irmãs Fox, bem como outros dos mais fortes médiuns do passado.
Por outro lado há médiuns de efeitos físicos que agem por meio de forças tão poderosas e trabalham sob tão religiosa orientação que constituem o sal da terra. É a mesma força que foi empregada por Buda e pela Pitoniza de Endor. Os objetivos e os métodos de seu uso são as determinantes do caráter.
O autor disse que há pouca conexão entre a mediunidade de efeitos físicos e a moralidade. Poderiam imaginar que o fluxo do ectoplasma, sendo tão ativo num pecador quanto num santo, atuaria sobre objetos materiais do mesmo modo e produzindo resultados que teriam igualmente o bom efeito de convencer os materialistas da existência de forças invisíveis. Entretanto isto não se aplica à mediunidade interna, que não se revela pelos fenômenos, mas pelo ensino e pelas mensagens, tanto dadas pela voz do Espírito ou pela voz humana, quanto pela escrita direta ou qualquer outra maneira. Aqui o vaso é escolhido para receber o conteúdo. Não se poderia imaginar uma natureza mesquinha como habitação temporária de um grande Espírito. É preciso ser um Vale Owen para receber as mensagens de Vale Owen. Se um grande médium degenerar o caráter, esperarei que as mensagens cessem ou degenerem. Daí, também, as mensagens de um divino Espírito, tais como periodicamente são mandadas para sanear o mundo, de um santo medieval, de Joanna DArc, de Swedenborg, de Andrew Jackson Davis ou do mais humilde médium de escrita automática de Londres, desde que o impulso seja verdadeiro, são na realidade a mesma coisa, em graus diversos.
Cada um é um sopro do alto e cada um marca com a sua personalidade a mensagem de que é intermediário. Assim, num vidro escuro, vemos esse prodigioso mistério tão vital, conquanto tão indefinido. É a sua mesma grandeza que o impede de ser definido. Fizemos um pouco, mas deixamos para traz muitos problemas para os que vem depois de nós. Eles podem olhar as nossas mais avançadas especulações como elementares e ter pontos de vista que se estendam aos mais dilatados limites da visão mental.





1. Autobiography, página 40.
2. The Spiritual Magazine, 1871, páginas 525-6.
3. The Spiritualist, volume 8º, página 299.
4. Light, 1884, página 170.
5. Light, 1884, página 39.
6. The Spiritualist, Vol. IV, pág. 138; Vol VII, pág. 66
7. Light, 1882, página 239-40.

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