quinta-feira, 4 de junho de 2009

Cap. 10 - Os Irmãos Davenport

A fim de apresentar uma história contínua foi necessário descrever toda a vida de D. D. Home. Agora é preciso voltar aos primeiros dias na América e considerar o desenvolvimento dos dois Davenports. Home e os Davenports tiveram um papel internacional e sua história cobre o movimento na Inglaterra e nos Estados Unidos. Os Davenports trabalharam num nível muito mais baixo do que Home, fazendo profissão de seus notáveis dons e ainda pelos rudes métodos através dos quais tiveram resultado no meio da multidão, de maneira que não teria sido usada por um médium mais fino. Se considerarmos todo esse trem de eventos como tendo sido produzidos por uma força sábia – mas não infalível ou onipotente – situada no Além, observaremos como cada ocasião é utilizada por um instrumento adequado, e como, ao falhar uma demonstração, outra a substitui.
Os Davenports tiveram sorte com os seus cronistas. Dois escritores publicaram livros, descrevendo os acontecimentos de sua vida e a literatura periódica do tempo está cheia de seus relatos.
Ira Erastus Davenport e William Henry Davenport nasceram em Buffalo, no Estado de New York, o primeiro a 17 de setembro de 1839 e o segundo a 1º de fevereiro de 1841. Seu pai, descendente dos primeiros colonos ingleses da América, ocupava posição no departamento de polícia de Buffalo. Sua mãe, nascida em Kent, na Inglaterra, veio criança para a América. Foram observados alguns sinais de faculdades psíquicas na vida da mãe. Em 1846 a família foi perturbada alta noite por aquilo que descreveram como “batidas, socos, ruídos altos, rupturas e estalos”. Isto foi dois anos antes do surgimento das manifestações nas Fox que, neste caso, como em muitos outros, os levou a investigar e descobrir que tinham faculdades mediúnicas.
Os dois rapazes Davenport e sua irmã Elizabeth, a mais moça dos três, experimentaram pondo as mãos sobre a mesa. Ruídos fortes e violentos eram ouvidos e mensagens eram deletreadas. A notícia espalhou-se e, do mesmo modo que com as irmãs Fox, centenas de curiosos e de incrédulos se amontoavam na casa. Ira desenvolveu a escrita automática e distribuiu entre os presentes mensagens escritas com extraordinária rapidez, contendo informações que ele não podia possuir. Logo se seguiu a levitação e o rapaz era suspenso no ar, por cima das cabeças dos que se achavam na sala, a uma altura de nove pés do solo. Depois o irmão e irmã foram igualmente influenciados e os três flutuavam no alto da sala. Centenas de cidadãos respeitáveis de Buffalo são citados como tendo presenciado esses fatos. Uma vez, quando a família tomava uma refeição, as facas, os garfos e os pratos dançaram e a mesa foi erguida no ar. Numa sessão, pouco depois disso, um lápis foi visto escrevendo em plena luz do dia, sem qualquer contacto humano. Então as sessões passaram a ser feitas com regularidade, começaram a aparecer luzes, e instrumentos de música boiavam no ar e eram tocados acima das cabeças dos circunstantes. A Voz Direta e outras manifestações extraordinárias se seguiram muito numerosas. Atendendo o pedido das inteligências comunicantes, os irmãos começaram programando os vários lugares onde seriam realizadas sessões públicas. Entre estranhos, insistiam pedidos de testes. A princípio os rapazes eram segurados por pessoas escolhidas entre os presentes, mas isto foi considerado insatisfatório, porque pensavam que aqueles que os seguravam eram comparsas. Então passaram a amarrá-los com cordas. A leitura da lista das engenhosas maneiras de controle que eram propostas, sem que pudesse haver interferência, mostra como é quase impossível convencer cépticos opiniáticos. Desde que um processo de controle dava resultado, outro era proposto. Em 1857 os professores da Universidade de Harvard examinaram os rapazes e os seus fenômenos. Assim se expressa o seu biógrafo.
“Os professores demonstraram ingenuidade, propondo testes. Seriam eles capazes de se submeterem a ser algemados? Sim. Permitiriam que fossem agarrados? Sim. Fizeram uma dúzia de propostas, que foram aceitas e logo rejeitadas por seus próprios autores. Se algum teste fosse adotado pelos irmãos, isto bastava para o por de lado. Admitiam que estivessem preparados para isso, de modo que qualquer outro devia ser encontrado.”
Finalmente os professores trouxeram cento e cinquenta metros de corda, encheram de buracos o gabinete preparado numa de suas salas e ai amarraram brutalmente os rapazes. Todos os laços da corda foram amarrados com fio de linho e um deles, o Professor Pierce, isolou-se dentro do gabinete, entre os dois rapazes. Imediatamente mostrou-se a mão de um fantasma, moveram-se instrumentos, que eram notados pelo professor junto à sua cabeça ou ao seu rosto. A cada instante, ele procurava os rapazes com as mãos, sempre constatando que estavam imobilizados. Por fim os operadores invisíveis libertaram os rapazes das suas amarras e quando o gabinete foi aberto, as cordas foram encontradas enroladas no pescoço do professor! Depois de tudo isso os professores não fizeram nenhum relatório. É interessante ler a descrição de um aparelho de controle realmente interessante, consistindo do que se pode chamar de mangas e calças de madeira, muito bem pregadas, inventado por um homem chamado Darling, em Bangor, nos Estados Unidos. Como outros aparelhos, foi incapaz de evitar as manifestações. Devemos lembrar que muitos desses testes foram aplicados quando aqueles irmãos eram garotos, demasiado moços para terem aprendido complicados meios de mistificar.
Não é estranho ler-se que os fenômenos levantaram violenta oposição mais ou menos por toda a parte; e frequentemente os rapazes eram denunciados como trapaceiros e mistificadores. Foi depois de dez anos de trabalho público nas maiores cidades americanas que os irmãos Davenport vieram para a Inglaterra. Eles se haviam submetido com êxito a todas as provas que o engenho humano podia inventar e nenhuma foi capaz de explicar como eram obtidos os resultados. Por seu próprio comportamento haviam conquistado uma grande reputação. Agora iriam recomeçar tudo.
Os irmãos Ira e William tinham, então, vinte e cinco e vinte e três anos, respectivamente. O World, de New York, assim os descreve:
“Eram notavelmente parecidos em quase tudo, muito bonitos, com a cabeleira grande, crespa e preta, tinham a testa larga mas não alta, olhos pretos e vivos, sobrancelhas grossas, bigode e cavanhaque, lábios acentuados e corpos musculosos e bem proporcionados. Vestiam fraque preto e um deles usava relógio com corrente.”
O seu biógrafo, Doutor Nichols, deles nos dá essa primeira impressão:
“Os jovens, com os quais tive um ligeiro contacto, e que jamais tinha visto antes de sua chegada a Londres, se me afiguraram, tanto no intelecto, quanto no caráter, acima da média de seus companheiros camponeses; não são notáveis pela inteligência, posto que razoavelmente habilidosos e Ira possui algum talento artístico. Os moços parecem absolutamente honestos e singularmente desinteressados e não mercenários – muito mais satisfeitos de que a gente fique contente com a sua integridade e com a realidade das manifestações, do que preocupados em ganhar dinheiro. Sem dúvida têm uma ambição, que é gratificada por terem sido escolhidos como instrumentos daquilo que consideram um grande bem para a humanidade.”
Foram à Inglaterra acompanhados pelo Reverendo Doutor Ferguson, antigo pastor de uma grande igreja em Nashville, no Tennessee, que era frequentada por Abraham Lincoln, por Mr. D. Palmer, conhecido maestro, que exercia as funções de secretário, e por Mr. William M. Fay, que também era médium.
Em sua biografia dos Davenports, publicada anonimamente em Boston, em 1869, Mr. B. Randall indica que a sua missão na Inglaterra era “encontrar-se, no seu próprio campo, conquistando-o por meios adequados, com o materialismo duro e o cepticismo da Inglaterra”. O primeiro passo no reconhecimento, diz ele, é convencer-se da ignorância. E acrescenta:
“Se as manifestações obtidas por intermédio dos irmãos Davenport podem provar às classes intelectuais e científicas que há forças e forças inteligentes ou poderes inteligentes – acima da faixa de suas filosofias, e que aquilo que elas consideram impossibilidades físicas é rapidamente realizado pelo invisível, para elas desconhecido, mas que são inteligências, um novo universo abrir-se-á para o pensamento humano e para a investigação.”
Há uma pequena dúvida sobre se os médiuns exerceram tal efeito sobre muitas mentes.
As manifestações da mediunidade de Mrs. Hayden eram calmas e sossegadas, enquanto as de D. D. Home eram mais notáveis; se limitavam, entretanto, a pessoas que não pagavam entrada. Mas esses dois rapazes alugavam salões e desafiavam todo o mundo a vir assistir os fenômenos que ultrapassavam os limites da crença ordinária. Não era preciso ser arguto para prever uma forte oposição: assim aconteceu. Mas eles atingiram o objetivo que certamente tinham em vista os dirigentes invisíveis. Chamaram a atenção do público como nunca na Inglaterra para um tal assunto. Melhor testemunho não poderia ser dado do que o de seu maior oponente, Mr. N. N. Maskelyne, o célebre mago, que escreve:
“É verdade, a Inglaterra foi inteiramente dominada, por algum tempo, pelas maravilhas apresentadas por esses charlatães”. Depois acrescenta:
“Os irmãos fizeram mais que ninguém para familiarizar a Inglaterra com o chamado Espiritismo; ante imenso auditório e sob várias condições, na verdade produziram fatos maravilhosos. As sessões dos outros médiuns eram feitas no escuro ou na semi-obscuridade, ante uma assistência simpática ou, frequentemente, devota; aí parece que ocorriam manifestações, que não podem ser comparadas com as exibições dos Davenport, pelo seu efeito sobre a opinião pública.”
Sua primeira sessão em Londres, de caráter privado, foi a 28 de setembro de 1864, na residência de Mr. Dion Boucicault, em Regent Street. No salão desse famoso ator e autor encontravam-se as principais figuras da imprensa e distintos homens de ciência. O noticiário da imprensa foi notavelmente completo e – o que é uma maravilha – correto.
A descrição do Morning Post, no dia seguinte, diz que aos convidados tinham pedido uma crítica severa e que todas as necessárias precauções fossem tomadas contra a fraude e a mistificação, e continua:
“As pessoas convidadas a assistir as manifestações da noite passada eram em número de doze ou catorze, todas tidas como de considerável distinção nas respectivas profissões que exercem. Em sua maioria jamais haviam assistido a qualquer coisa no gênero. Todas, entretanto, estavam determinadas a descobrir e, se possível, denunciar, qualquer tentativa de mistificação. Os irmãos Davenport são de pequena estatura, de aparência distinta, e as últimas pessoas no mundo de quem se poderia esperar uma grande demonstração de força. Mr. Fay aparenta alguns anos mais e é de constituição mais robusta.”
Depois de descrever as ocorrências, continua o articulista:
“Tudo quanto pode ser garantido é que as demonstrações que descrevemos ocorreram, na presente ocasião, em circunstâncias que excluem toda presunção de fraude”.
The Times, o Daily Telegraph e outros jornais publicaram notícias longas e honestas. Omitiram as suas citações porque o seguinte depoimento de Mr. Dion Boucicault, publicado no Daily News, bem como em muitos outros jornais londrinos, cobre todos os fatos. Descreve ele uma sessão posterior, em sua própria casa, a 1º de outubro de 1864, a que estiveram presentes, entre outras pessoas, o Visconde Bury, deputado, Sir Charles Wike, Sir Nicholson, o Chanceler da Universidade de Sidney, Mr. Robert Chambers, Charles Reade, escritor, e o Capitão Inglefield, explorador do Ártico.
“Senhor.
Ontem realizou-se em minha casa uma sessão com os Irmãos Davenport e Mr. W. Fay, à qual estiveram presentes... (Aqui menciona vinte e quatro nomes, entre os quais os acima referidos).
À três horas todos se achavam reunidos. Mandamos buscar numa casa de música próxima seis violões e dois tamborins, de modo que o material usado não fosse aquele com que os operadores estavam familiarizados.
As três e meia chegaram os Irmãos Davenport e Mr. Fay, e verificaram que nós tínhamos alterado os seus planos, trocando a sala previamente escolhida por eles para as manifestações.
A sessão começou pelo exame das roupas dos Irmãos Davenport, tendo sido verificado que nenhum dispositivo ou quaisquer artifícios se achavam em suas pessoas ou nas proximidades. Entraram na cabine e sentaram-se de frente um para o outro. Então o Capitão Inglefield, com uma corda nova, que ele próprio trouxera, amarrou Mr. W. Davenport de pés e mãos, com as mãos para as costas. Do mesmo modo Lord Bury amarrou Mr. I. Davenport. Os laços foram amarrados e selados com lacre e carimbados. Um violão, um violino, um tamborim, dois sinos e uma trombeta de latão foram colocados no piso da cabine. Então as portas foram fechadas e se fez luz bastante na sala para que pudéssemos ver o que acontecia.
Omitirei a descrição minuciosa da babel de sons que se produziram na cabine e a violência com que as portas se abriam continuamente e os instrumentos eram jogados para fora; as mãos aparecendo geralmente por um orifício em forma de losango ao centro da porta da cabine. Os incidentes que se seguem pareceram-nos particularmente dignos de menção:
Quando Lord Bury estava inclinado dentro da cabine, estando a porta aberta e os dois operadores amarrados e lacrados, foi vista uma mão destacada descer sobre ele; ele recuou, observando que uma mão lhe havia batido. De noite, em plena luz do candelabro de gás e durante um intervalo da sessão, estando abertas as portas da cabine e quando as ligaduras dos irmãos Davenport estavam sendo examinadas, uma mão feminina, muito branca e fina e o punho tremeram por alguns segundos no espaço. Essa aparição provocou uma exclamação geral.
Então Sir Charles Wyke entrou na cabine e sentou-se entre os dois moços, pondo cada uma das mãos sobre eles e os segurando. Depois, as portas foram fechadas e recomeçou a babel de sons. Várias mãos apareceram no orifício – entre as quais a de uma criança. Depois de algum tempo Sir Charles voltou para o nosso meio e informou que enquanto segurava os dois irmãos diversas mãos lhe tocaram o rosto e puxaram os seus cabelos; em seu redor os instrumentos se ergueram e foram tocados em volta de seu corpo e da cabeça, enquanto um deles se apoiou sobre o seu ombro. Durante os seguintes incidentes as mãos que apareceram foram tocadas e seguradas pelo Capitão Inglefield o qual verificou, pelo tato, que eram aparentemente humanas, embora escapassem de suas mãos.
Deixo de mencionar outros fenômenos já descritos em outra parte.
“A parte seguinte da sessão foi realizada no escuro. Um dos Davenport e Mr. Fray ficaram sentados entre nós. Duas cordas foram atiradas a seus pés e em dois minutos e meio estavam eles amarrados de pés e mãos, com as mãos para trás, fortemente atadas às cadeiras e estas amarradas a uma mesa próxima. Enquanto esta operação se realizava o violão foi erguido da mesa e tocou e flutuou em volta da sala e por cima da cabeça de todos, tocando de leve um ao outro. Então uma luz fosforescente foi atirada de um para outro lado, por cima de todos; o peito, as mãos ou as costas de vários dos presentes foram simultaneamente tocados, batidos ou arranhados por mãos, enquanto o violão flutuava no ar, agora próximo do teto e batia na cabeça e nos ombros dos menos felizes. As campainhas soavam aqui e ali, e uma leve vibração era mantida no violino. Os dois tamborins pareciam rolar para lá e para cá pelo chão, ora sacudidos violentamente, ora tocando nas mãos e nos joelhos dos circunstantes – sendo que todas essas coisas eram sentidas ou ouvidas simultaneamente. Segurando um tamborim, Mr. Rideout perguntou se o mesmo poderia ser tirado de suas mãos; quase que instantaneamente o instrumento foi arrebatado. Ao mesmo tempo Lord Bury fez a mesma pergunta e houve uma tentativa de arrebatamento do tamborim que ele segurava fortemente. Então Mr. Fay perguntou se lhe poderiam tirar o paletó. Imediatamente ouvimos um puxão violento e aconteceu a coisa mais notável. Uma luz foi acesa antes que o paletó saísse de Mr. Fay, tirado por cima. Voou para o candelabro onde ficou pendurado por um instante e depois caiu no chão. Enquanto isto Mr. Fay era visto como antes, de pés e mãos atados. Um do grupo tirou então o próprio casaco, que foi colocado sobre a mesa. A luz foi apagada e esse casaco foi levado para as costas de Mr. Fay com a mesma rapidez. Durante as ocorrências acima no escuro, colocamos uma folha de papel debaixo dos pés dos dois operadores e com um lápis fizemos o seu contorno, a fim de verificar se eles os tinham movido. Por iniciativa própria eles quiseram ficar com as mãos cheias de farinha ou substância similar, a fim de provarem que não as tinham usado, mas essa precaução foi julgada desnecessária. Contudo, nós lhes pedimos que contassem de um a doze continuamente, para que suas vozes fossem ouvidas ininterruptamente e pudéssemos saber que vinham do lugar onde estavam amarrados. Cada um de nós segurou firmemente o vizinho, de modo que ninguém podia mover-se sem que duas pessoas adjacentes o percebessem.
No fim da sessão estabeleceu-se uma conversa geral, a respeito do que tínhamos visto e ouvido. Lord Bury sugeriu que a opinião parecia ser que deveríamos assegurar aos Irmãos Davenport e a Mr. Fay que, depois de rigoroso julgamento e rigorosa investigação de seus procedimentos, os senhores presentes não podiam chegar a outra conclusão senão de que não havia qualquer indicio de truque e, certamente, nem havia comparsas nem maquinismos, e que todos aqueles que haviam testemunhado os resultados declaravam livremente, na sociedade em que se achavam, até onde as investigações lhes permitiam formar opinião, que os fenômenos ocorridos em sua presença não eram produto de malabarismo. Esta sugestão foi aceita por todos imediatamente.”
Esse maravilhosamente completo e lúcido relato é dado sem abreviações, porque responde a muitas objeções e porque o caráter do narrador e testemunha não pode ser posto em dúvida. Certamente deve ser aceito como conclusivo, no que respeita a honestidade. Toda obsessão subsequente é mera ignorância dos fatos.
Em outubro de 1864 os Davenport começaram a realizar sessões públicas no Queen’s Concert Rooms, em Hanover Square. Eram escolhidas comissões entre os assistentes e eram feitos esforços visando descobrir como as coisas eram feitas, mas tudo sem resultado. Essas sessões, entremeadas por sessões particulares, continuaram todas as noites, até o fim do ano. A imprensa diária estava repleta de seus relatos e o nome dos irmãos estava em todas as bocas. No começo de 1865 fizeram uma excursão pelas províncias inglesas, e em Liverpool, Hudderfield e Leeds sofreram violências físicas da multidão. Em fevereiro, em Liverpool, dois dos assistentes lhes ataram as mãos tão brutalmente que sangraram e Mr. Ferguson cortou as cordas e os soltou. Os Davenports recusaram-se a continuar e a multidão invadiu o palco e destruiu a cabine. As mesmas táticas foram seguidas em Hadderfield a 21 de fevereiro e depois em Leeds, com crescente violência, organizada pelos opositores. Essas desordens levaram os Davenports a cancelar quaisquer outros compromissos na Inglaterra. Depois disso foram a Paris, onde receberam o conselho de ir ao Palácio de St. Cloud, onde o Imperador e a Imperatriz, com um séquito de cerca de quarenta pessoas, testemunharam a sessão. Quando em Paris, Hamilton, sucessor do célebre mágico Robert Houdin, os visitou e numa carta a um jornal parisiense, diz: “Os fenômenos ultrapassaram a minha expectativa e foram cheios de interesse para mim. Considero um dever declarar que são inexplicáveis.” Depois de breve visita à Inglaterra, a Irlanda foi visitada em começos de 1866. Em Dublin tiveram muitos assistentes da alta sociedade, inclusive o redator do Irish Times e o Reverendo Doutor Tisdal, que proclamava publicamente sua crença nas manifestações.
Em abril do mesmo ano eles foram a Hamburgo e depois a Berlim, mas, como esperavam uma guerra (desde que os guias a tinham previsto), a excursão não foi lucrativa. Gerentes de teatro lhes ofereceram elevadas somas para umas exibições mas, seguindo o conselho de seu sempre presente Espírito monitor, que disse que as suas manifestações deviam ser conservadas acima do nível dos divertimentos teatrais, desde que eram supernaturais, eles recusaram o convite com o que muito se contrariou o seu empresário. Durante o mês que passaram em Berlim foram visitados por membros da Família Real. Depois de três semanas em Hamburgo seguiram para a Bélgica, onde alcançaram notável sucesso em Bruxelas, bem como nas principais cidades. A seguir foram à Rússia, chegando a São Petersburgo a 27 de dezembro de 1866. A 7 de janeiro de 1867 deram a primeira sessão pública a um auditório de mil pessoas. A sessão seguinte foi na residência do Embaixador da França, a uma assistência de cinquenta pessoas, inclusive figuras da Corte Imperial, e a 9 de janeiro deram outra sessão no Palácio de Inverno para o Czar e para a Família Imperial. Depois disso visitaram Polônia e Suécia. A 11 de abril de 1868 reapareceram em Londres no Hanover Square Rooms e receberam entusiástica recepção de uma grande multidão. Mr. Benjamin Coleman, eminente espírita, que lhes proporcionou a primeira sessão pública em Londres, escrevendo a esse tempo sobre a sua estada de quatro anos na Europa diz:
“Desejo exprimir aos meus amigos da América, que mos apresentaram, a segurança de minha convicção de que a missão dos irmãos na Europa foi um grande serviço ao Espiritismo; que a sua conduta pública como médiuns – e só nessas condições eu os conheço – tem sido correta e excepcional.”
Acrescenta que desconhece qualquer forma de mediunidade mais adequada a grandes auditórios do que a deles. Depois de sua visita a Londres os Davenport voltaram para a América. Visitaram a Austrália em 1876 e em 24 de agosto deram a primeira sessão pública em Melbourne. William morreu em Sidney em julho de 1877.
Durante sua carreira os Irmãos Davenport excitaram profunda inveja e malícia da confraria dos mágicos. Maskeline, com um cínico desembaraço, pretendeu os haver desmascarado na Inglaterra. Sua alegação nesse particular foi muito bem respondida pelo Doutor George Sexton, antigo redator do Spiritual Magazine, que descreveu em público, em presença do próprio Maskeline, como eram feitos os seus truques, comparando-os com os resultados obtidos pelos Davenport, e disse: “Há tanta semelhança entre um lado e o outro quanto entre as produções do poeta Close e os sublimes e gloriosos dramas do imortal bardo de Ávon”.
Os mágicos fizeram ainda mais barulho em público do que os espíritas e, com a imprensa que os sustentava, fizeram o público, em geral, pensar que os Irmãos Davenport tinham sido desmascarados.
Anunciando a morte de Ira Davenport na América, em 1911, Light comenta as demonstrações de ignorância que essa morte ensejou. Cita o Daily News por haver dito o seguinte: “Eles cometeram o erro de aparecer como feiticeiros, em vez de como honestos mágicos. Se, como seu vencedor Maskelyne, tivessem pensado em dizer ‘Isto é muito fácil’, os irmãos não só teriam ganhado uma fortuna como consideração”. Respondendo a isto, Light pergunta por que, se eles fossem simples mágicos e não crentes honestos em sua mediunidade, iriam suportar ataques, injúrias e insultos e sofrer as indignidades que lhes atiravam quando, se renunciassem a mediunidade, poderiam tornar-se considerados e ricos?
Uma observação inevitável por parte daqueles que não são capazes de descobrir truques é perguntar que elevado objetivo pode encontrar-se em fenômenos semelhantes aos observados com os Davenport. O conhecido autor e arrojado espírita William Howitt deu uma boa resposta:
“Esses que fazem truques e tocam instrumentos são Espíritos do céu? Na verdade Deus os pode mandar? Sim; Deus os envia para que nos ensinem, pelo menos, isto: que Ele tem servos de todos os graus e todos os gostos para fazerem toda sorte de trabalhos; e aqui Ele mandou aqueles que chamais Espíritos atrasados e palhaços a uma época degradada e muito sensual. Se Ele tivesse mandado algo mais elevado, teria passado por cima da assistência. Assim, nove décimos não acreditam no que vêem.”
É triste verificar que os Davenport – talvez os maiores médiuns de seu gênero que o mundo já viu – sofressem toda a vida uma oposição e uma perseguição brutais. Em muitas ocasiões suas vidas estiveram até em perigo.
A gente é forçada a pensar que não haveria mais clara prova da influência das sombrias forças do mal do que essa permanente hostilidade a todas as manifestações espíritas.
A esse propósito diz Mr. Randall.
“Parece que há uma espécie de má-vontade crônica, quase ódio, na mente de algumas pessoas contra toda e qualquer coisa espiritual. Parece que há um vapor flutuando no ar – uma espécie de esporo mental, fluindo pelo espaço, respirado pela grande maioria da humanidade, que acende um contínuo fogo letal em seus corações contra todos aqueles cuja missão é trazer a paz na terra e a boa vontade entre os homens. Os homens e as mulheres do futuro ficarão muito admirados dos que vivem atualmente, quando lerem que os Davenport e todos os outros médiuns foram forçados a enfrentar a mais inveterada hostilidade; que eles, e o autor destas linhas, foram obrigados a suportar horrores indescritíveis, por nenhum outro motivo senão porque buscavam convencer a multidão de que não eram animais que morrem sem deixar sinais, mas almas imortais, que sobrevivem aos túmulos.
Só os médiuns são capazes de demonstrar que a existência do homem continua após a morte. E ainda – estranha incoerência da natureza humana! – as próprias pessoas que perseguem a estes, que são os seus mais verdadeiros e melhores amigos, que os atiram no desespero ou lhes dão morte prematura, são as mesmas que prodigalizam tudo quanto a fortuna pode dar àqueles cujo ofício é apenas admitir que a humanidade é imortal.”
Discutindo as alegações de vários mágicos profissionais de que haviam desmascarado ou imitado os Davenport, disse Sir Richard Burton:
“Passei a maior parte de minha vida no Oriente, e vi muitos de seus mágicos. Finalmente tive a oportunidade de presenciar os trabalhos dos senhores Anderson e Tolmaque. O último mostrou, como dizem, notáveis mágicas, mas nem se aproximam do que fazem os irmãos Davenport e Mr. Fay: por exemplo, o bonito manejo de instrumentos de música. Finalmente li e ouvi todas as explicações dos chamados truques dos Davenport perante o público inglês e – acreditem-me – se alguma coisa me faria dar um pulo tremendo ‘da matéria para o Espírito’ é a inteira e completa sem-razão das razões pelas quais são explicadas as manifestações.”
É de notar-se que os próprios Davenport, contrastando com amigos e companheiros de viagem, jamais pretenderam qualquer origem sobrenatural para os seus efeitos. A razão disso deve ter sido que, como um entretenimento, era mais picante e menos provocante quando cada assistente podia formar a sua própria opinião. Escrevendo ao mágico americano Houdini, disse Ira Davenport, em sua velhice: “Nós nunca afirmamos de público a nossa crença no Espiritismo. Não considerávamos isso de interesse para o público, nem oferecemos nosso entretenimento como o resultado de habilidade manual nem, por outro lado, como Espiritismo. Deixávamos que os amigos e os mortos resolvessem isso lá entre eles, como melhor pudessem, mas, infelizmente, fomos por vezes vítimas de sua discordância”.
Posteriormente Houdini alegou que Davenport admitia que seus resultados eram conseguidos normalmente; mas Houdini de fato encheu tanto de erros o seu livro “A Magician Among the Spirits” e mostrou tanto preconceito em todo o assunto que o seu depoimento não tem valor. A carta que exibe não lhe dá razão. Uma declaração posterior, citada como tendo sido feita por Ira Davenport, é demonstravelmente falsa. É a de que os movimentos jamais saíram da cabine. Na verdade o representante do The Times foi severamente batido no rosto por um violão que andava no ar, a sobrancelha ficou ferida e em diversas ocasiões, quando se acendia a luz, os instrumentos caíam por toda a sala. Se Houdini não entendeu esse último depoimento, não é de supor que esteja tão bem informado quanto aos primeiros.
Objetam-me – e tenho recebido essa objeção tanto de espíritas quanto de cépticos, que todo esse amontoado de exibições é indigno e sem valor. Muitos de nós assim pensam e muitos outros fazem eco às seguintes palavras de Mr. B. Randall:
“A falha não é dos imortais, mas nossa. Porque, conforme o pedido, assim é a entrega.
Se não podemos ser alcançados de um modo, devemos e somos alcançados de outro. E a sabedoria do mundo eterno dá aos cegos aquilo que eles podem suportar e não mais. Se somos crianças intelectuais devemos alimentar-nos com sopinhas mentais, até que a nossa capacidade digestiva suporte e exija alimentação mais forte. E, se o povo pode ser melhor convencido da imortalidade por processos grosseiros, os fins justificam os meios. A visão do braço de um espectro num auditório de três mil pessoas falará a mais corações, causará mais profunda impressão e converterá mais gente à crença no post-mortem, em dez minutos, do que todo um regimento de pregadores, por mais eloquentes que sejam, em cinco anos.

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