sábado, 27 de junho de 2009

Cap. 13 - Henry Slade e o Dr. Monck

É impossível relacionar todos os médiuns das várias gradações de força e, ocasionalmente, de honestidade, que têm demonstrado os efeitos que inteligências estranhas podem produzir quando as condições materiais são tais que permitem a sua manifestação neste plano. Há alguns, entretanto, que foram tão preeminentes e tão envolvidos em polêmicas públicas que nenhuma história do movimento poderá esquecê-los, mesmo quando sua carreira não estivesse, sob todos os pontos, isenta de suspeitas. Trataremos neste capítulo da história de Slade e de Monck, os quais representaram em sua época um papel destacado.
Henry Slade, célebre médium da escrita nas lousas, foi exibido publicamente na América durante quinze anos, antes que chegasse a Londres a 13 de julho de 1876. O Coronel H. S. Olcott, antigo presidente da Sociedade Teosófica, declara que, com a Senhora Blavatsky era responsável pela visita de Slade à Inglaterra. Parece que, como o Grão-Duque Constantino da Rússia desejasse fazer uma investigação científica do Espiritismo, uma comissão de professores da Universidade de São Petersburgo pediu ao Coronel Olcott e à Senhora Blavatsky que escolhessem entre os melhores médiuns americanos um que pudesse ser recomendado para ensaios. Eles escolheram Slade, depois de o submeter a testes durante várias semanas, perante uma comissão de cépticos, que em seu relatório certificavam que “eram escritas mensagens nas faces inteiras de duas lousas, por vezes amarradas e seladas juntas, quando postas sobre uma mesa, à vista de todos; acima das cabeças de membros da comissão; presas à parte inferior do tampo da mesa; ou, ainda, nas mãos de um membro da comissão, sem que o médium as tocasse”. Foi se dirigindo para a Rússia que Slade veio à Inglaterra.
Um representante do jornal World, de Londres, que esteve numa sessão de Slade logo após à sua chegada, assim o descreve: “Muito bem conformado, temperamento nervoso, rosto místico e sonhador, gestos regulares, olhos expressivos e luminosos, um sorriso antes triste e uma certa graça melancólica de maneiras, eram as impressões despertadas por esse homem alto e flexível, que me foi apresentado como sendo o Doutor Slade. É o tipo de homem que a gente marcaria numa assembléia como um entusiasta.” Diz o relatório da Comissão Seibert que “tinha cerca de 1 metro e 83 centímetros de altura, com um rosto de inusitada simetria” e que “sua face chamava a atenção em qualquer parte por sua beleza incomum” e acrescenta que é “um homem digno de nota sob todos os aspectos”.
Logo depois de sua chegada a Londres, Slade começou a fazer sessões em seus aposentos, 8 User Bedford Place, Russel Square, com um sucesso imediato e pronunciado.
Não só a escrita era obtida de modo evidente, sob fiscalização e com lousas dos próprios assistentes, mas a levitação de objetos e a materialização de mãos foi observada sob intensa luz do dia. O redator de The Spiritual Magazine, o mais sereno e elevado periódico dos espíritas da época, escreveu:
“Não hesitamos em dizer que o Doutor Slade é o mais notável médium dos tempos modernos”.
Mr. J. Enmore Jones, conhecido pesquisador do psiquismo daqueles dias e, posteriormente, redator de The Spiritual Magazine, disse que Slade estava ocupando o lugar deixado por D. D. Home. A descrição que faz de sua primeira sessão indica o severo método de exame: “No caso de Mr. Home, recusou receber um salário e, via de regra, as sessões eram feitas ao anoitecer, no calmo ambiente familiar. Mas no caso do Doutor Slade elas se realizavam a qualquer hora, durante o dia, nos aposentos que ele ocupava numa pensão.
Cobra vinte shillings e prefere que apenas uma pessoa fique na sala que ocupa. Não perde tempo: assim que o visitante se senta, começam os incidentes, continuam e terminam em cerca de quinze minutos”. Stainton Moses, que depois foi o primeiro presidente da Aliança Espírita de Londres, externou a mesma idéia a respeito de Slade. Escreveu: “Em sua presença os fenômenos ocorrem com uma regularidade e precisão, com uma ausência de preocupação com as “condições” e com uma facilidade para observação que satisfaz inteiramente os meus desejos. É impossível imaginar circunstâncias mais favoráveis para a minuciosa investigação do que aquelas sob as quais testemunhei os fenômenos que ocorrem em sua presença com tão surpreendente rapidez. Não havia hesitação nem tentativas. Tudo era rápido, agudo, decisivo. Os operadores invisíveis sabiam exatamente o que iam fazer, e o faziam com presteza e precisão”.
A primeira sessão de Slade na Inglaterra foi realizada a 15 de julho de 1876, para Mr. Charles Blackburn, eminente espiritista, e Mr. W. II. Harrison, redator de The Spiritualist.
Em plena luz do dia o médium e os dois assistentes ocuparam os três lados de uma mesa comum de cerca de três pés de lado. Slade pôs um pedacinho de lápis, mais ou menos do tamanho de um grão de trigo, sobre uma ardósia e segurou esta por um canto, com uma mão, encostando-a no tampo por baixo da mesa. Ouvia-se a escrita na lousa e, examinada, verificou-se que uma curta mensagem fora escrita. Enquanto isso acontecia, as quatro mãos dos assistentes e a mão livre de Slade eram agarradas no centro da mesa. A cadeira de Mr. Blackburn foi arrastada umas quatro ou cinco polegadas, estando ele sentado, e ninguém senão ele a tocava. A cadeira vazia no quarto lado da mesa uma vez pulou no ar, batendo o assento na borda inferior da mesa. Duas vezes uma mão com a aparência de vida passou em frente a Mr. Blackburn, enquanto ambas as mãos de Slade eram observadas. O médium segurou um acordeom debaixo da mesa e, enquanto se via claramente a outra mão sobre a mesa, foi tocada a “Home, Sweet Home”. Então Mr. Blackburn segurou o acordeom da mesma maneira, quando o instrumento foi empurrado violentamente e tocada uma nota. Enquanto isto ocorria, as mãos de Slade estavam sobre a mesa. Finalmente os três presentes levantaram as mãos cerca de trinta centímetros acima da mesa e esta ergueu-se até tocar as suas mãos. Em outra sessão no mesmo dia uma cadeira ergueu-se cerca de um metro e vinte, quando ninguém a tocava e, quando Slade tinha uma mão no espaldar da cadeira de Mr. Blackburn, a cadeira elevou-se cerca de meio metro acima do solo.
Assim descreve Mr. Stainton Moses uma das primeiras sessões com Slade:
“Um sol de meio-dia, bastante quente para torrar a gente, derramava-se na sala; a mesa estava descoberta; o médium estava sentado e visto inteiramente; nenhum ser humano se achava presente, além de nós dois. Que melhores condições poderia haver? As batidas foram instantâneas e fortes, como se dadas por um homem forte. A escrita na lousa ocorreu conforme a sugestão feita, sobre uma lousa sustentada por mim e pelo Doutor Slade; sobre outra sustentada por mim e que eu mesmo trouxera; e sobre uma terceira sustentada apenas por mim, no canto da mesa mais distanciado do médium. A última escrita demorou algum tempo e o ruído característico do lápis ao formar as palavras era ouvido distintamente. Uma cadeira em minha frente foi levantada cerca de meio metro do solo; a lousa foi arrancada de minha mão e levada para o outro lado da mesa, onde nem eu nem o Doutor Slade poderíamos alcançá-la; o acordeom, tocava em redor de mim, enquanto o doutor o segurava pela parte inferior e, finalmente, tendo ele tocado no encosto de minha cadeira, fomos levitados com cadeira e tudo, algumas polegadas”.
O próprio Mr. Stainton Moses era um médium poderoso e sem dúvida esse fato auxiliou as condições. Acrescenta ele:
“Tenho visto todos esses fenômenos e muitos outros várias vezes antes desta, mas nunca tão rapidamente, tão consecutivamente em plena luz do dia. Toda a sessão não durou mais que meia hora e, do começo ao fim, não houve interrupção dos fenômenos.”
Tudo foi bem durante seis semanas, e Londres estava cheia de curiosidade pelos dons de Slade, quando se deu, infelizmente, uma interrupção.
No começo de setembro de 1876 o Professor Ray Lankester, com o Doutor Donkin, tiveram duas sessões com Slade e, na segunda, tomando uma lousa, encontraram-na escrita, quando se pensava que nada tivesse sido produzido. Ele era absolutamente inexperiente em pesquisas psíquicas, do contrário saberia que é impossível dizer o momento exato em que se dá a escrita nessas sessões. Ocasionalmente uma folha inteira parecia precipitada num instante, enquanto de outras vezes o autor ouvia claramente o ruído do lápis, linha por linha. Para Ray Lankester, entretanto, pareceu um caso típico de fraude e ele escreveu uma carta ao The Times, denunciando Slade e o perseguiu por tomar dinheiro de modo fraudulento. Foram publicadas cartas em resposta a Lankester pelo Doutor Alfred Russel Wallace, pelo Professor Barrett e outros, O Doutor Wallace chamou a atenção para o fato de que o relato do Doutor Lankester daquilo que acontecera era extremamente diferente do que lhe ocorreu durante a sua visita ao médium, bem como o registro das experiências de Serjeant Cox, do Doutor Carter Blake e muitos outros, de modo que o podia considerar como um notável exemplo da teoria do Doutor Carpenter, sobre as idéias preconcebidas. Diz ele: “O Professor Lankester foi com a firme convicção de que tudo o que ia assistir era impostura e, assim, pensa que viu imposturas”. O Professor Lankester demonstrou o seu erro quando, referindo-se à comunicação lida na Associação Britânica a 12 de setembro pelo Professor Barrett, no qual trata dos fenômenos espíritas, disse na sua carta a The Times: “As discussões na Associação Britânica foram degradadas pela introdução do Espiritismo”.
O Professor Barrett escreveu que Slade tinha uma resposta pronta, baseada no fato de ignorar quando a escrita era produzida. Descreve uma sessão muito probante, que ele realizou, na qual a lousa ficou sobre a mesa e debaixo de seu cotovelo. Uma das mãos de Slade era sustentada por ele, enquanto os dedos da outra mão tocavam de leve na lousa. O Professor Barrett fala, depois, de um eminente cientista seu amigo, que obteve a escrita numa lousa limpa, que ele próprio segurava, quando ambas as mãos do médium se achavam sobre a mesa. Por certo tais exemplos devem ser absolutamente convincentes para o leitor desprevenido; e é claro que, se fica bem estabelecido o que é positivo, as ocasionais alegações negativas não têm cabida na conclusão geral.
O julgamento de Slade se deu na Corte de Polícia de Bow Street, a 1º de outubro de 1876, perante o Juiz Flowers. A acusação esteve a cargo de Mr. George Lewis e a defesa foi feita por Mr. Munton. As provas sobre a autenticidade da mediunidade de Slade foram dadas pelo Doutor Alfred Russel Wallace, por Serjeant Cox, pelo Doutor George Wyld e outros, mas só quatro testemunhas foram permitidas. O magistrado classificou a prova testemunhal como “esmagadora” dada a evidência dos fenômenos, mas no julgamento excluiu tudo, exceto a acusação de Lankester e de seu amigo Doutor Donkin, dizendo que era obrigado a basear a sua decisão em “inferências deduzidas dos conhecidos fatos naturais.” Uma declaração feita pelo conhecido mágico Maskelyne, de que a mesa usada por Slade era preparada para truques, foi desmascarada pelo testemunho do carpinteiro que a tinha feito. Essa mesa atualmente pode ser vista nos escritórios da Aliança Espírita de Londres e a gente fica estupefato pelo fato de uma testemunha ter sido capaz de comprometer a liberdade de um homem por um depoimento tão falso que alterou profundamente o curso do processo. Na verdade, ante as declarações de Ray Lankester, de Donkin e de Maskelyne é difícil ver como Mr. Flowers podia deixar de condenar, pois diria, com razão, “O que se apresenta à Corte não é o que aconteceu em outras ocasiões – por mais convincentes que sejam esses testemunhos – mas o que ocorreu nessa ocasião particular, e aqui temos duas testemunhas de um lado e apenas um prisioneiro do outro.” A mesa-truque certamente arranjou as coisas.
Slade foi condenado nos termos da lei contra a vagabundagem a três meses de prisão com trabalhos forçados. Houve apelo e ele foi solto sob fiança. Quando o apelo foi julgado a condenação foi anulada sob fundamento de ordem técnica. É de notar-se que, embora se livrasse sob um fundamento de ordem técnica, isto é, de que as palavras “pela leitura da mão ou por outro meio”, que aparecem na lei haviam sido omitidas, não se deve pensar que, se o fundamento técnico tivesse falhado, ele não teria escapado pelos méritos de seu caso. Slade, cuja saúde ficou seriamente afetada com a prisão, deixou a Inglaterra pelo continente um ou dois dias depois. Depois de um repouso de alguns meses em Haya, Slade escreveu ao Professor Lankester oferecendo-se para voltar à Inglaterra e lhe dar exaustivas demonstrações particulares, com a condição de que não fosse molestado. Não obteve resposta a essa sugestão, que seguramente não seria feita por um criminoso.
Em 1877 os espíritas de Londres mandaram a Slade o seguinte manifesto:
“À vista da deplorável maneira por que terminou a visita de Henry Slade a este país, os abaixo-assinados desejam exprimir o alto conceito de sua mediunidade e a reprovação ao tratamento que lhe foi dispensado.
“Consideramos Henry Slade um dos mais valiosos médiuns para experiências atualmente. Os fenômenos que ocorrem em sua presença se desenvolvem com uma rapidez e uma regularidade raramente igualadas...
“Ele partiu, não só inatingido na sua reputação pelo procedimento de nossa Corte de Justiça, como também com volumoso testemunho em seu favor que provavelmente não teria sido obtido de outra maneira.”
Este é assinado por Mr. Alexander Calder, Presidente da Associação Nacional dos Espíritas Britânicos e grande número de espíritas de representação. Infelizmente, entretanto, são os “contras” e não os “pros” que a imprensa ouve e, ainda agora, cinquenta anos mais tarde, seria difícil encontrar um jornal bastante esclarecido para fazer justiça.
Entretanto os espiritistas mostraram muita energia na defesa de Slade. Em face do processo foi criado um Fundo de Defesa e os espíritas da América mandaram um memorial ao Ministro Americano em Londres. Entre a sentença de Bow Street condenando-o e a apelação, um memorial foi mandado ao Ministro do Interior, protestando contra a ação do Governo ao prosseguir na perseguição depois da apelação. Cópias desse protesto foram mandadas a todos os membros da Câmara dos Comuns, a todos os magistrados do Middlesex, a diversos membros da Sociedade Real e a outros organismos públicos. Miss Kislingbury, secretária da Associação Nacional dos Espiritistas, enviou uma cópia à rainha.
Depois de sessões de êxito em Haya, Slade foi a Berlim, em novembro de 1877, onde despertou o mais vivo interesse. Dizia-se que ele não sabia alemão, mas apareceram mensagens nessa língua sobre as lousas e escritas em caracteres do século quinze. O Bertiner Fremdenblatt de 10 de novembro de 1877, publicou o seguinte: “Desde a chegada de Mr. Slade ao Hotel Kronprinz uma grande parte do mundo culto de Berlim vem sofrendo de uma epidemia que podemos chamar de febre espírita”. Descrevendo suas experiências em Berlim, disse Slade que havia começado por converter o proprietário do hotel, usando as suas próprias lousas e mesas. O dono convidou o Chefe de Polícia e muitas pessoas eminentes de Berlim para testemunharem as manifestações, e estas se declararam satisfeitas. Escreve Slade: ”Samuel Bellachini, prestidigitador da Corte do Kaiser, fez uma semana de experiências gratuitas comigo. Dei-lhe de duas a três sessões diárias e uma em sua própria casa. Depois de sua mais completa investigação ele foi a um tabelião e fez um juramento de que os fenômenos eram autênticos e não havia fraudes”. A declaração jurada de Bellachini, que foi publicada, confirma essa informação. Diz ele que, depois de minuciosa investigação, considera “absolutamente impossível” qualquer explicação de prestidigitação. A conduta dos prestidigitadores parece ter sido determinada, em geral, por uma espécie de inveja sindicalizada, como se os resultados do médium constituíssem uma espécie de violação de um monopólio. Mas esse alemão esclarecido, juntamente com Houdin, Kellar e outros mais, mostraram uma mente mais aberta.
Seguiu-se uma visita à Dinamarca e em dezembro começaram as históricas sessões com o Professor Zöllner, em Leipzig. Um relato completo encontra-se na obra de Zöllner, “Física Transcendental”, que foi traduzida por Mr. C. C. Massey. Zöllner era Professor de Física e de Astronomia na Universidade de Leipzig e em sua companhia, nas experiências com Slade, estavam outros homens de ciência, inclusive William Edward Weber, Professor de Física; o Professor Scheibner, ilustre matemático; Gustave Theodore Fechner, Professor de Física e eminente filósofo naturalista, todos na expressão do Professor Zöllner, “perfeitamente convencidos da realidade dos fatos observados, inclusive de que não havia impostura ou prestidigitação.” Entre os fenômenos contavam-se os nós dados numa corda sem fim, o rompimento das cortinas do leito do Professor Zöllner, o desaparecimento e imediato aparecimento de uma pequena mesa, descendo do teto em plena luz, numa casa particular e debaixo de observação, notando-se principalmente a aparente imobilidade do Doutor Slade durante essas ocorrências.
Certos críticos tentaram apontar aquilo a que chamavam de precauções insuficientes nessas experiências. O Doutor J. Maxwell, arguto crítico francês, deu uma excelente resposta a essas objeções. Argumenta ele que, desde que investigadores de psiquismo, habilidosos e conscientes, deixaram de indicar explicitamente, nos seus relatórios, que todas as hipóteses de fraude foram estudadas e postas de lado, na suposição de que “sua afirmação implícita da realidade do fenômeno lhes parece suficiente”, e para evitar que seus relatórios se tornassem de difícil manuseio, críticos capciosos não hesitaram em os condenar e sugerir possíveis fraudes, quase inadmissíveis nas condições que foram observadas.
Zöllner deu uma resposta digna à suposição de que havia sido ludibriado na experiência de nós na corda: “Se, não obstante o fundamento do fato, por mim deduzido na pressuposição de uma concepção mais larga de espaço, pudesse ser negado, só uma outra espécie de explicação restaria, surgindo de um código moral de consideração que, presentemente, é bem verdade, é muito habitual. Essa explicação consistiria na presunção de que eu próprio e os honrados cidadãos de Leipzig, em cuja presença muitas dessas cordas foram lacradas, ou eram vulgares impostores, ou não tinham senso suficiente para perceber que o próprio Mr. Slade tinha feito aqueles nós, antes que as cordas fossem lacradas. A discussão, entretanto, de uma tal hipótese, já não pertence ao domínio da ciência: cai na categoria da decência social”.
Como uma amostra dessas impetuosas declarações dos oponentes do Espiritismo, deve mencionar-se que Mr. Joseph Mc Cabe, que é ultrapassado apenas pelo americano Houdini pelas grosseiras imprecisões, fala de Zöllner como “um professor decrépito e míope”, quando na verdade ele faleceu em 1882 aos quarenta e oito anos de idade e suas experiências com Slade haviam sido feitas entre 1877 e 1878, quando esse cientista se achava no vigor de sua vida intelectual.
Os oponentes levaram tão adiante a sua inimizade que chegaram a declarar que Zöllner estava desequilibrado e que a sua morte, poucos anos depois, foi acompanhada de fraqueza cerebral. Um inquérito feito pelo Doutor Funk os remeteu ao silêncio, embora e infelizmente seja fácil encontrar libelos como esse em circulação, mas seja difícil encontrar as contraditas.
Eis o documento:
“Sua carta dirigida ao Reitor da Universidade, em data de 20 de outubro de 1903 foi recebida. O Reitor desta Universidade estava instalado aqui depois da morte de Zöllner e não tinha relações pessoais com ele; mas as informações recebidas dos colegas de Zöllner comprovam que durante todos os seus estudos aqui na Universidade até a sua morte era uma mente sólida; além disso, tinha a melhor saúde. A causa de sua morte foi uma hemorragia cerebral, na manhã de 25 de abril de 1882, quando almoçava com sua mãe, do que veio a falecer pouco depois. É verdade que o Professor Zöllner era um adepto ardente do Espiritismo e, como tal, tinha íntimas ligações com Slade”.
Doutor Karl Bucher,
Professor de Estatística e Economia Nacional na Universidade.
A tremenda força que, ocasionalmente, se manifesta quando favoráveis as condições, mostrou-se uma vez em presença de Zöllner, Weber e Scheibner, os três professores da Universidade. Havia um forte bastidor de madeira a um lado da sala:
“De repente ouviu-se um estalo violento como numa descarga de uma grande bateria de Leyden. Voltando-se alarmado para aquele lado, o mencionado bastidor caiu desfeito em dois pedaços. Os fortes parafusos de madeira de meia polegada de grossura tinham-se partido de cima abaixo, sem qualquer contacto visível de Slade com o bastidor. As partes quebradas achavam-se pelo menos a um metro e meio de Slade, que estava de costas; mas, ainda que tivesse tentado quebrá-lo com um hábil movimento lateral, teria sido necessário prendê-lo do lado oposto. Como se achava, o bastidor estava quase solto e as fibras da madeira, sendo paralelas ao eixo dos suportes cilíndricos de madeira, a fratura só se podia dar por uma força que atuasse longitudinalmente à parte em questão. Estávamos todos admirados dessa manifestação violenta e imprevista da força mecânica e perguntamos a Slade o que significava aquilo tudo. Mas ele apenas deu de ombros e disse que tais fenômenos por vezes ocorriam em sua presença, embora um tanto raramente. Enquanto falava e se achava de pé, colocou um pedaço de lápis sobre a superfície polida da mesa, pôs em cima uma lousa que eu tinha comprado e acabara de limpar e fez pressão com os cinco dedos abertos da mão direita na superfície da lousa, enquanto a mão esquerda se apoiava no centro da mesa. A escrita começou na face interna da lousa e quando Slade a virou estava escrita a seguinte sentença em inglês: “Não tínhamos a intenção de causar um prejuízo. Perdoai o que aconteceu.” Estávamos mais surpreendidos com a escrita naquelas circunstâncias, principalmente porque estávamos observando que ambas as mãos de Slade ficavam imóveis enquanto a escrita prosseguia.”
Em sua desesperada tentativa para explicar esse incidente Mr. McCabe diz que provavelmente o bastidor já estava quebrado e repregado com um parafuso. Na verdade não há limites para a credulidade dos incrédulos.
Depois de uma série de êxitos nas sessões de São Petersburgo, Slade voltou a Londres por alguns dias, em 1878, e então se dirigiu à Austrália. Um interessante relato de seu trabalho ali é o livro de James Curtis “Rustlings in the Golden City”.
Então voltou à América. Em 1885 compareceu perante a Comissão Seybert, em Filadélfia e em 1887 visitou novamente a Inglaterra sob o nome de “Doutor Wilson”, posto se soubesse muito bem quem era ele. É possível que o disfarce fosse devido ao receio de renovação de velhos processos.
Na maioria de suas sessões Slade demonstrou possuir clarividência e as mãos materializadas eram coisa familiar. Na Austrália, onde as condições psíquicas são boas, obteve materializações. Diz Mr. Curtis que o médium não gostava dessa forma de sessões, porque durante algum tempo sentia-se enfraquecido e porque preferia sessões em plena luz.
Entretanto concordou em experimentar com Mr. Curtis, que assim descreve o que aconteceu em Ballarat, em Victoria:
“Nossa primeira experiência com o aparecimento de Espíritos materializados ocorreu no Lester’s Hotel. Coloquei a mesa a cerca de quatro a cinco pés da parede do lado oeste do quarto. Mr. Slade sentou-se ao lado mais afastado da parede, enquanto me colocava no lado norte. A luz do gás foi reduzida o suficiente para que fossem percebidos os objetos do quarto. Nossas mãos foram colocadas umas sobre as outras, numa pilha única. Sentamo-nos muito quietos durante uns dez minutos, quando observei algo como uma nuvem vaporosa entre mim e a parede. Quando minha atenção foi atraída para o fenômeno, ele tinha a altura e a cor de um cavalheiro com uma cartola acinzentada. Essa como que nuvem cresceu rapidamente e se transformou, de modo que vi à nossa frente uma mulher – uma dama. O ser assim vestido e perfeito, ergueu-se do solo até a altura da mesa, onde me foi possível examiná-la mais distintamente. Os braços e as mãos tinham formas elegantes; o rosto, a boca, o nariz, as faces e os cabelos castanhos se mostravam harmoniosamente, cada parte em concordância com o todo. Só os olhos eram velados, porque não podiam materializar-se completamente. Os pés calçavam sapatos brancos de cetim. Toda a figura era graciosa e a toalete perfeita. O vestido brilhava à luz e era o mais bonito que eu jamais vira, nas suas cores brilhantes, com cambiantes de prata, cinza e branco, O Espírito materializado deslizou e andou um pouco, fazendo a mesa vibrar e mesmo oscilar. Também pude ouvir o frufru do vestido, quando a visitante celeste se movia de um lugar para outro. A forma espiritual, a dois pés de nossas mãos ainda empilhadas, foi se dissolvendo até desaparecer aos nossos olhos”.
As condições dessa bela sessão, na qual as mãos do médium estavam seguras e havia luz suficiente para a visibilidade, parecem satisfatórias, desde que aceitemos a honestidade da testemunha. Como o prefácio contém o valioso testemunho de um membro responsável de um Governo Australiano, que também se refere, de início, ao extremo cepticismo de Mr. Curtis, bem podemos aceitá-lo. Na mesma sessão, a figura reapareceu quinze minutos depois:
“Então a aparição flutuou no ar e pousou sobre a mesa, deslizou rapidamente e três vezes curvou a sua figura em cumprimento gracioso, cada mesura compassada e profunda, trazendo a cabeça até seis polegadas de meu rosto. Ouvia-se o frufru do vestido, a cada movimento como se fora seda. A face estava parcialmente velada, como antes. A visibilidade foi diminuindo e por fim desapareceu, como na primeira materialização”.
São descritas outras sessões como esta.
Diante dos complicados e rigorosos testes a que foi submetido com sucesso, a história do desmascaramento de Slade na América em 1886 não convence, mas nós a referimos por motivos históricos e para mostrar que tais incidentes não se acham excluídos de nosso exame do assunto. O Boston Herald de 2 de fevereiro de 1886 assim abre os títulos de seu relato: “O célebre Doutor Slade pilhado em Weston, West Virgínia; escreve sobre lousas que descansam em seus joelhos debaixo da mesa e move mesas e cadeiras com os artelhos”.
Observadores numa sala anexa, olhando através de fendas embaixo das portas viram esses atos de agilidade sendo executados pelo médium, embora os que com ele se achavam na sala não o percebessem. Parece, entretanto, que houve neste, como em outros casos, ocorrências que tomaram a aparência de fraudes e havia espíritas entre os que o denunciaram. Numa sessão pública, que se seguiu, para Escrita Espírita Direta, no Palácio da Justiça de Weston, Mr. E. S. Barret descreve como um “espírita” viu e explicou de que forma a impostura de Slade havia sido descoberta. Convidado a explicar-se, Slade parecia mudo e apenas pôde dizer, segundo o relato, que se os seus acusadores tinham sido enganados, ele também o tinha, pois se o engano era coisa sua, o tinha praticado inconscientemente.
Mr. J. Simmons, administrador dos negócios de Slade, fez uma declaração franca, que parece indicar a operação de membros ectoplásmicos, como ficou provado, anos mais tarde, ser o caso com a famosa médium italiana Eusápia Palladino. Diz ele: “Não duvido que esses senhores tenham visto aquilo que dizem; mas, ao mesmo tempo, estou convencido de que Slade é inocente daquilo de que é acusado, assim como o senhor (o redator) teria sido em similares circunstâncias. Mas sei que minha explicação não teria valor numa Corte de Justiça. Eu mesmo vi uma mão, que eu juraria ser de Slade, se fosse possível que sua mão ficasse naquela posição. Quando uma de suas mãos estava sobre a mesa e a outra segurava a lousa a um canto da mesa, apareceu uma terceira mão com uma escova de roupa (e que momentos antes me havia escovado do joelho para cima), no meio do lado oposto da mesa, a qual tinha um metro e seis centímetros de comprimento.” Slade e o seu empresário foram presos e soltos mediante fiança, mas nenhuma medida posterior foi tomada contra eles.
Também Fruesdell, em seu livro “Spiritualism, Bottom Facts”, declara que viu Slade efetuar um movimento de objetos com o pé, e pede aos leitores que acreditem que o médium lhe fez uma completa confissão de como eram produzidas as suas manifestações. Se realmente Slade o fez, deve levar-se à conta de manifestação de doentia leviandade, procurando enganar um certo tipo de investigador, dizendo-lhe exatamente aquilo que ele queria que fosse dito. A tais exemplos podemos aplicar o julgamento do Professor Zöllner, no incidente Lankester: “Os fenômenos físicos por nós observados em tão admirável variedade em sua presença negam em toda a linha a suposição de que ele, num caso único, tenha recorrido à voluntária impostura”. E acrescenta – o que certamente ocorreu naquela circunstância especial – que Slade foi vítima dos limitados conhecimentos de seu acusador e de seu juiz.
Ao mesmo tempo, há muitos indícios de que no fim da vida o caráter de Slade degenerou. Sessões promíscuas, com finalidade comercial, esgotamentos consequentes e o estimulo alcoólico, que produz um estímulo passageiro, tudo aquilo agindo sobre uma organização muito sensível, teve um efeito deletério. Esse enfraquecimento do caráter, com a correspondente perda da saúde, deve ter conduzido a uma diminuição de suas forças psíquicas e aumentado a tentação para usar os truques. Concordando com a dificuldade de distinguir o que é fraude daquilo que é de pura origem psíquica, uma impressão desagradável fica em nossa mente pela prova dada pela Comissão Seybert e pelo fato de espíritas locais haverem condenado o seu procedimento. A fragilidade humana, entretanto, é uma coisa e a força psíquica, outra. Os que buscam provas desta última encontra-las-ão abundantes naqueles anos em que o homem e os seus dons estavam no zênite.
Slade morreu em 1905 num sanatório em Michigan, para onde havia sido mandado pelos espíritas Americanos, e a notícia foi acompanhada pela costumeira espécie de comentários na imprensa londrina. O Star, que tem uma triste tradição em matéria de psiquismo, publicou um artigo sensacional, sob o título de “Spook Swindles” fazendo um relato mutilado da perseguição de Lankester em Bow Street. Referindo-se a isso diz Light:
“Aliás tudo isso é um amontoado de ignorância, de malevolência e de preconceitos. Não nos interessa discutir ou contraditar. Seria inútil fazê-lo por amor aos malévolos, aos ignorantes e aos preconcebidos; e é desnecessário aos que o sabem. Basta dizer que o Star só um exemplo mais acrescenta sobre a dificuldade de captar todos os fatos perante o público. Mas os jornais prevenidos têm, eles próprios, de censurar-se por sua ignorância e por sua impressão.
É, novamente, a história dos Irmãos Davenport e de Maskelyne”.
Se é difícil avaliar a carreira de Slade, sendo-se forçado a admitir que houve uma esmagadora preponderância de resultados psíquicos, também houve um resíduo que deixou uma desagradável impressão que o médium suplementava a verdade com a fraude, o mesmo deve ser admitido em relação ao médium Monck, que representou um considerável papel na era dos setenta. De todos os médiuns nenhum é mais difícil de julgar, porque, de um lado muitos de seus resultados estão acima de qualquer discussão, enquanto alguns outros parecem absolutamente desonestos. Em seu caso, como no de Slade, houve causas físicas que puderam responder por uma degeneração das forças morais e psíquicas.
Monck era um clérigo não conformista, discípulo favorito do famoso Spurgeon. De acordo com o seu próprio relato, desde a infância tinha sido sujeito a influências psíquicas, que aumentaram com a idade. Em 1873 anunciou sua adesão ao Espiritismo e fez uma palestra em Cavendish Rooms. Pouco depois começou a fazer demonstrações, aparentemente gratuitas e em plena luz. Em 1875 fez um giro pela Inglaterra e pela Escócia, onde suas demonstrações excitaram muita atenção e debates, e em 1876 visitou a Irlanda, onde seus dons foram aplicados em curas. Assim, ficou geralmente conhecido como o “Doutor Monck”, fato que levantou gerais protestos da classe médica.
O Doutor Alfred Russel Wallace, muito competente e honesto observador, descreveu uma sessão de materialização com Monck, a qual parece uma pedra de toque tanto quanto possível. Nenhuma suspeita ou convicção posterior poderá jamais eliminar tão incontestável exemplo de força psíquica. Deve-se notar quanto os efeitos concordaram com as posteriores demonstrações da expansão ectoplásmica no caso de Eva e de outros médiuns modernos. Os companheiros do Doutor Wallace nessa ocasião eram Mr. Stainton Moses e Mr. Hensleigh Wedgewood. Escreve o Doutor Wallace:
“Era uma brilhante tarde de verão e tudo aconteceu em plena luz do dia. Depois de uma curta conversa, Monck, que estava vestido com o costumeiro hábito clerical negro, pareceu cair em transe; então ficou de pé a alguns passos à nossa frente e, depois de uns instantes, apontou para o lado e disse: “Olhem!”
“Vimos aí uma tênue mancha em seu casaco, ao lado esquerdo. Essa tornou-se mais brilhante; então pareceu ondular e estender-se para cima e para baixo, até que, gradualmente, tomou a forma de uma coluna de névoa, que ia de seu ombro até os pés e junto ao seu corpo.
O Doutor Wallace continua descrevendo como a figura nevoenta por fim tomou a forma de uma mulher envolta em panos grossos que, depois de uns instantes, pareceu absorvida no corpo do médium.
E acrescenta: “Todo o processo de formação de uma figura amortalhada era visto em plena luz do dia.”
Mr. Wedgewood assegurou-lhe que tinha tido outras manifestações dessa espécie ainda mais notáveis com Monck, quando o médium estava em transe profundo e todo à vista.
Depois de tal demonstração é quase impossível duvidar ao mesmo tempo dos dons do médium, O arquidiácono Colley, que tinha visto semelhantes exibições, ofereceu um prêmio de mil libras a Mr. J. N. Maskelyne, o famoso ilusionista, para repetir a façanha. O desafio foi aceito por Maskelyne, mas as provas foram que a imitação nenhuma relação tinha com o original. Ele tentou conquistar uma decisão do tribunal, mas a sentença lhe foi desfavorável.
É interessante comparar o relato feito por Russel Wallace e a experiência posterior de um americano muito conhecido, o Juiz Dailey. Escreveu ele:
“Lançando o olhar para o lado do Doutor Monck, notamos algo semelhante a uma massa opalescente de vapor compacto, emergindo justamente debaixo do coração, ao lado esquerdo. Aumentou de volume, subindo e crescendo para baixo, enquanto a porção superior tomava a forma da cabeça de uma criança, e a face se distinguia como a de um filho que eu havia perdido há cerca de vinte anos. Ficou assim apenas por uns instantes e subitamente desapareceu, parecendo ter sido instantaneamente absorvida pelo lado do doutor. Esse notável fenômeno repetiu-se quatro ou cinco vezes, em cada uma das quais a materialização se tornava mais distinta do que nas anteriores. Isto foi testemunhado por todos na sala, com o gás bastante claro para que todos os objetos fossem bem visíveis.
Era um fenômeno visto raramente e permitiu que todos quantos o viram não só atestassem o notável dom do Doutor Monck, como médium de materializações, mas a maravilhosa maneira por que um Espírito muda de posição quando nossas mãos jamais se moveram enquanto eu não desatei as lousas para verificar o resultado.”
Certamente, depois de um tal testemunho, seria vão negar que o Doutor Monck possuísse uma grande força psíquica. Além das materializações, o Doutor era um notável médium para escrita em lousas. Numa carta ao Spectator diz o Doutor Russel Wallace que com Monck numa casa particular em Richmond, limpou duas lousas e, depois de colocar entre elas um fragmento de lápis, amarrou-as bem com um cordão forte, cruzando-os de maneira a lhes evitar qualquer movimento.
“Então as coloquei sobre a mesa, sem as perder de vista nem por um instante. O Doutor Monck colocou os dedos de ambas as mãos sobre elas, enquanto eu e uma senhora sentada do lado oposto púnhamos as suas mãos sobre os cantos das lousas. Nessa posição nossas mãos não se moveram enquanto eu não desatei as lousas para examinar os resultados.”
Monck pediu a Wallace que dissesse uma palavra para ser escrita na lousa. Ele escolheu a palavra Deus e em resposta a um pedido decidiu que a mesma deveria ser escrita longitudinalmente na lousa. Ouviu-se o ruído da escrita e quando as mãos do médium foram retiradas, Wallace abriu as lousas e achou na inferior a palavra que tinha pedido e escrita da maneira indicada.
Diz o Doutor Wallace:
“As precauções essenciais dessa experiência são que eu mesmo limpei e amarrei as lousas; mantive as mãos sobre elas todo o tempo; elas nem por um instante saíram de minhas vistas; e que eu escolhi a palavra a ser escrita e a maneira de escrevê-la, depois que elas foram amarradas e fixadas por mim.
Mr. Edward T. Benett, secretário-assistente da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, acrescenta a esse relato:
“Eu me achava presente nessa ocasião e certifico que o relato de Mr. Walkwe daquilo que ocorreu está correto.”
Outro bom teste é descrito por M. W. Adshead, de Belper, investigador muito conhecido, que diz de uma sessão em Derby, a 18 de setembro de 1876:
“Havia oito pessoas presentes, sendo três senhoras e cinco cavalheiros. Uma senhora a quem o Doutor Monck nunca tinha visto tinha uma lousa que lhe fora entregue por um dos presentes; examinou-a e achou-a limpa. O lápis que se achava sobre a mesa poucos minutos antes que nos sentássemos não foi encontrado. Um investigador sugeriu que seria um bom teste se fosse usado um lápis comum.
Assim, um lápis de grafite foi posto sobre a lousa, e a senhora segurou ambos por baixo da mesa. Instantaneamente ouviu-se o ruído da escrita e em poucos segundos a comunicação tinha sido escrita, enchendo um lado da ardósia. A escrita fora feita com o lápis, era muito miúda e legível e tratava de assunto estritamente particular.
Eis três testes simultâneos:
1. a escrita foi obtida sem que o médium tocasse na lousa, do começo ao fim, e nenhuma outra pessoa, a não ser a senhora;
2. a escrita foi feita com um lápis de grafite, por uma sugestão espontânea de um outro estranho;
3. foi dada como testemunho importante uma comunicação sobre assunto estritamente particular.
O Doutor Monck não fez mais do que tocar na ardósia do começo ao fim.”
Mr. Adshead também fala dos fenômenos físicos que ocorreram com esse médium, quando suas mãos estavam bem presas no aparelho chamado “stocks”, que não permitia o menor movimento em qualquer direção.
Em 1876 Slade estava sendo processado em Londres, como já ficou dito, e os desmascaramentos estavam no ar. Considerando o caso seguinte antes como de perplexidade e certamente suspeito, deve-se lembrar que, quando um homem que se exibe publicamente, que é um ilusionista ou um mesmerista, pode proclamar que desmascarou um médium, ganha enorme publicidade e atrai aquela numerosa parte do público que deseja ver o desmascaramento, Mas é preciso ter isto em mente e guardar uma certa média onde existe apenas um conflito de evidência.
Neste caso o ilusionista e o mesmerista era um Lodge, e a ocasião uma sessão realizada a 3 de novembro de 1876, em Huddersfield. Subitamente Mr. Lodge pediu que o médium fosse examinado. Temendo uma agressão ou uma denúncia de fraude, Monck correu para cima e trancou-se no quarto. Então pulou pela janela e procurou a delegacia de polícia, onde apresentou queixa. A porta de seu quarto foi forçada, as coisas rebuscadas, sendo encontrado um par de luvas de lã. Monck declarou que essas luvas tinham sido feitas para uma conferência na qual havia exposto a diferença entre prestidigitação e mediunidade. Ainda, conforme observa um jornal espírita da época:
“Os fenômenos de sua mediunidade não repousam apenas na sua probidade. Se ele fosse o maior trapaceiro e o mais hábil prestidigitador, simultaneamente, isto não iria explicar as suas manifestações, que têm sido referidas”.
Monck foi condenado a três meses de prisão e diz-se que fez uma confissão a Mr. Lodge.
Depois de solto, Monck realizou um certo número de sessões com Stainton Moses, nas quais ocorreram notáveis fenômenos.
“Aqueles cujos nomes referimos como testemunhas da autenticidade dos fenômenos mediúnicos do Doutor Monck, são velhos conhecidos dos espíritas como argutos experimentadores, escrupulosamente cautelosos e Mr. Hensleigh Wedgwood é um nome de muita responsabilidade, pois é conhecido como um homem de ciência e era cunhado de Charles Darwin.”
Há um elemento de dúvida quanto ao caso de Huddersfield, sobre se o acusador era realmente criatura imparcial; mas Sir William Barrett dá o testemunho de que por vezes Monck descia com sangue frio à trapaça deliberada. Assim escreve Sir William:
Assim comenta Light:
“Apanhei o “Doutor” numa fraude grosseira: um pedaço de musselina branca numa instalação de arame, ligada a um parafuso preto, sendo empregada pelo médium para simular a materialização parcial”.
Tal desmascaramento, vindo de fonte tão segura, produz um sentimento de mal-estar, que nos induz a abandonar toda evidência a respeito dele na cesta de papéis. Contudo, a gente deve ter paciência e ser razoável em tais assuntos. As primeiras sessões de Monck, como ficou claramente demonstrado, foram em plena luz e qualquer mecanismo estava fora de cogitação. Não se deve argumentar que, pelo fato de um homem forjar uma vez, jamais tenha assinado um cheque honesto. Mas devemos admitir claramente que Monck foi capaz de fraudes, que ele seguia o caminho mais fácil, quando as coisas se tornavam difíceis, e que cada uma de suas manifestações deveria ser controlada cuidadosamente.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Matéria interessante sobre Crookes

Nesta Revista Espírita portuguesa tem uma matéria sobre Crookes e suas outras experiências com outros médiuns. Vale a pena dar uma olhada.

http://www.espirito.org.br/portal/artigos/fep/william-crookes.html

sábado, 20 de junho de 2009

Cap. 12 Os irmãos Eddy e os Holmes

Dentro de certos limites é difícil acompanhar o aparecimento de vários médiuns nos Estados Unidos. O estudo de um ou dois casos proeminentes é suficiente para servir de exemplo do todo. Os anos de 1874 e 1875 foram marcados por grande atividade psíquica e produziram convicção por um lado e escândalo pelo outro. No conjunto parece que predominou o escândalo; mas se com ou sem razão, é uma questão que também pode ser discutida. Os adversários da verdade psíquica contam com o clero de várias igrejas, com a ciência oficial e com a enorme massa inerte da humanidade material; tinham a imprensa profana às suas ordens; de modo que tudo quanto lhe fosse favorável ou era sonegado ou distorcido e tudo quanto lhe fosse contrário tinha a mais larga publicidade. Daí ser necessária uma constante verificação de passados episódios e uma reconsideração de valores. Mesmo agora a atmosfera é saturada de preconceitos. Se um homem de responsabilidade entrasse agora na redação de um jornal londrino e dissesse que tinha pilhado um médium em fraude, a coisa seria aceita com satisfação e espalhada por todo o país. Se o mesmo homem proclamasse que, debaixo do mais rigoroso controle os fenômenos eram autênticos, é pouco provável que lhe consagrassem um período. A edição já estaria sobrecarregada... Na América, onde praticamente não existe uma lei contra a difamação, e onde a Imprensa é por vezes violenta e sensacional, esse estado de coisas era e, possivelmente, ainda é – talvez mais evidente.
O primeiro incidente notável foi a mediunidade dos irmãos Eddy, que talvez jamais tenha sido superada no terreno da materialização ou, como podemos agora chamar, das formas ectoplásmicas. A dificuldade então em aceitar esses fenômenos repousava no fato de que os mesmos pareciam regidos por leis desconhecidas e se acharem isolados de toda a nossa experiência da Natureza. Os trabalhos de Geley, de Crawford, de Madame Bisson, de Schrenck Notzing e de outros removeram essa dificuldade e nos deram, quando mais não seja, uma hipótese perfeitamente científica, apoiada em prolongadas e cuidadosas investigações, de modo que podem pôr alguma ordem no assunto. Isto não existia em 1874 e podemos admitir a dúvida, mesmo nos espíritos mais honestos e cândidos, quando lhes pediam que acreditassem que dois rudes camponeses, desajeitados e sem instrução, podiam produzir requintados fenômenos que eram negados ao resto do mundo e completamente inexplicáveis pela ciência:
Os irmãos Eddy, Horatio e William, eram primitivos moradores de uma pequena propriedade na aldeia de Chittenden, perto de Rutland, no Estado de Vermont. Um observador os descreveu como “sensitivos, frios e abruptos com os estranhos, mais parecendo trabalhadores braçais de fazenda do que profetas ou sacerdotes de uma nova dispensação; de compleição maciça, cabelos e olhos negros, articulações duras, atitude desgraciosa, encolhida e que embaraça os recém-chegados. Não se dão com alguns vizinhos e para outros não são simpáticos... Na verdade se acham separados da opinião pública, que não está preparada ou desejosa de estudar os fenômenos, as maravilhas científicas, ou as revelações do outro mundo”.
Os rumores dos estranhos acontecimentos que se passaram em casa dos irmãos Eddy se espalharam e despertaram uma curiosidade semelhante à causada pela sala de música de Koons nos primeiros dias. Veio gente de toda parte investigar. Parece que os Eddy tinham acomodações amplas, embora primitivas, para os seus visitantes, e que os alojavam num grande quarto, onde o reboco das paredes caía aos pedaços e a comida era tão simples como a das cercanias. Cobravam essa hospedagem modicamente e parece que não tiravam nenhuma vantagem disso a não ser a demonstração de suas faculdades psíquicas.
Uma grande curiosidade tinha sido despertada em Boston e em New York pelo relato do que acontecia e um jornal de New York, o Daily Graphic, encarregou o Coronel Olcott de fazer investigações. Olcott não se havia identificado até então com qualquer movimento psíquico – ao contrário, tinha o espírito prevenido contra isso e iniciou a sua tarefa antes com o fito de desmascarar um impostor. Era um homem de mente clara, de notável habilidade e com um alto sentido de honra. Ninguém poderá ler os ricos e íntimos detalhes de sua vida, contados em suas memórias, “Old Diary Leaves”, sem sentir respeito por aquele homem tão leal, desinteressado, e com uma rara coragem moral de seguir a verdade e aceitar os resultados, mesmo quando opostos à nossa expectativa e aos nossos desejos. Não era um sonhador místico, mas um homem de negócios muito prático e algumas de suas observações psíquicas despertaram menos atenção do que mereciam.
Olcott ficou dez semanas na atmosfera de Vermont, o que demonstrou uma considerável força de vontade em suportar o meio primitivo e a vida dura daquela gente. Voltou com algo próximo do aborrecimento pessoal pela morosidade de entendimento com os seus hóspedes, mas, por outro lado, com absoluta confiança em seus poderes psíquicos. Como todo investigador sensato, recusa-se a dar atestados em branco sobre o caráter e não responde pelas ocasiões em que não se achava presente, nem pela futura conduta daqueles a quem julga. Limita-se à sua experiência do momento e, em quinze notáveis artigos publicados no New York Daily Graphic, em outubro e novembro de 1874, deu os resultados completos e as medidas que havia tomado para os controlar. Lendo-os, é difícil lembrar uma precaução que não tenha sido tomada.
Seu primeiro cuidado foi examinar a história dos Eddy. Foi um bom registro, a que não faltaram manchas. Nunca será demais insistir em que o médium é um mero instrumento e que o seu dom nenhuma relação tem com o seu caráter. Isto se aplica aos fenômenos físicos, mas não aos mentais, porque jamais um alto ensino poderia chegar através de um canal inferior.
Nada havia de mau na investigação daqueles irmãos, mas admite-se que certa vez deram uma falsa exibição de mediunidade, anunciando-a como tal, mas praticando truques. É provável que tal tivesse sido feito para dar o que falar e ainda para conciliar os vizinhos fanáticos, que viviam enfurecidos contra os legítimos fenômenos. Seja qual for a causa ou motivo, Olcott foi naturalmente levado a tornar-se muito circunspecto em seus contactos, desde que mostrava um bom conhecimento dos truques.
A ancestralidade era muito importante, porque, não só havia uma ininterrupta cadeia de poderes psíquicos, que se estendia sobre várias gerações, como, também, a avó deles, que fora processada quatro vezes como feiticeira, fora queimada como tal ou, pelo menos, sentenciada, no famoso processo de Salém, em 1692. Muitos de nossos contemporâneos gostosamente fariam o mesmo com os nossos médiuns, como foi o caso de Cotton Mather.
Mas as perseguições policiais constituem o seu equivalente moderno, O pai dos Eddy foi, infelizmente, um desses fanáticos perseguidores. Olcott declara que os meninos foram marcados para toda a vida pelos golpes que o pai lhes havia dado, visando desencorajar aquilo que chamava de poderes diabólicos. A mãe, que era possuidora de grande força psíquica, ficou sabendo como esse bruto “religioso” agia injustamente: seu lar tornou-se um inferno na terra. Não havia refúgio para as crianças em parte alguma, pois os fenômenos psíquicos geralmente as acompanhavam, até mesmo à escola e excitava a grita dos jovens bárbaros ignorantes em seu redor. Em casa, quando o jovem Eddy caía em transe o pai e um vizinho despejavam água fervente sobre ele e punham brasas vermelhas sobre a cabeça, deixando-lhe marcas indeléveis. Felizmente o rapaz estava adormecido. É de admirar que depois de uma tal infância as crianças se tivessem tornado homens sombrios e desconfiados?
Depois que cresceram, o infeliz pai tentou fazer dinheiro por meio dos poderes que tão brutalmente havia desencorajado e alugava os rapazes como médiuns. Ninguém jamais descreveu adequadamente os sofrimentos a que se sujeitam os médiuns públicos nas mãos de investigadores idiotas e cépticos cruéis. Olcott testemunhou que as mãos e os braços das irmãs, bem como dos irmãos, estavam cheios de marcas das ligaduras e de escaras produzidas por lacre quente para selar os nós, enquanto que duas das meninas tinham pedaços de pele e carne esgarçadas pelas algemas. Eram enjauladas, batidas, queimadas, apedrejadas, enquanto as cabines eram destroçadas. O sangue escorria dos cantos das unhas, devido à compressão das artérias. Assim foram os primeiros dias na América, mas a Grã-Bretanha não ficou atrás, se recordarmos os irmãos Davenport e a violência brutal da massa em Liverpool.
Parece que os Eddy eram possuidores de todas as mediunidades. Olcott dá esta lista: batidas, movimento de objetos, pintura a óleo e aquarela sob influência de Espíritos, profecia, fala de línguas estranhas, poder de cura, discernimento dos Espíritos, levitação, escrita de mensagens, psicometria, clarividência, e, finalmente, a produção de formas materializadas.
Desde que São Paulo enumerou os dons do Espírito, jamais se organizou uma lista mais extensa.
O método das sessões era o seguinte: o médium ficava sentado numa cabine de um lado da sala, e a assistência em bancos, enfileirados à sua frente. Perguntar-se-á por que uma cabine. E a experiência continuada mostrou que, de fato, esta pode ser dispensada, salvo no fenômeno de materialização. Home jamais usou a cabine e atualmente os principais médiuns ingleses raramente a empregam. Há, contudo, uma razão muito aceitável para a sua presença.
Sem querer ser muito didata num assunto que ainda se acha na fase de exame, pode ser admitido, como hipótese muito aceitável, que os vapores ectoplásmicos, que se solidificam numa substância plástica, da qual surgem as formas, podem condensar-se mais facilmente num espaço limitado. Entretanto, achou-se que a presença do médium não era necessária dentro desse espaço. Na maior sessão de materialização a que o autor esteve presente, na qual cerca de vinte formas de várias idades e tamanhos apareceram numa noite, o médium estava sentado fora da porta da cabine, da qual saíam as formas. É de presumir que, de acordo com a hipótese, seu vapor ectoplásmico fosse levado para aquele espaço confinado, independentemente da posição de seu corpo físico. Isso não tinha sido reconhecido ao tempo da investigação, de modo que a cabine foi utilizada.
É óbvio, entretanto, que a cabine oferecia um meio para fraudes e disfarces, com o que era cuidadosamente examinada. Ficava num segundo andar, e tinha uma janelinha. Olcott tinha a janela tapada com tela antimosquito, pregada por fora, O resto da cabine era de madeira sólida e só atingível pela sala onde se achavam os espectadores. Parece que não havia possibilidades de fraudes. Olcott a tinha feito examinar por um perito, cujo certificado aparece no livro.
Em tais circunstâncias Olcott contou em seus artigos e, depois, no seu notável livro “People from the Other World” que, certamente, durante dez semanas, viu nada menos de quatrocentas aparições saindo da cabine, de todas as formas, tamanhos, sexos e raças, vestidos maravilhosamente, crianças de colo, guerreiros índios, cavalheiros em trajes de rigor, um curdo com uma lança de nove pés, uma índia pele vermelha fumando, senhoras com vestidos elegantes, etc. Tal o testemunho de Olcott.
E não havia um caso que ele não fosse capaz de dar as mais seguras provas. Seu relato foi recebido com incredulidade, mas agora já produz menor descrença. Mas Olcott dominava o assunto e, tomando suas precauções, preveniu, assim como prevenimos, a crítica daqueles que, não tendo estado presentes, preferem dizer que os que estavam ou foram enganados ou eram malucos. Diz ele: “Se alguém lhes fala de crianças carregadas por senhoras que saem da cabine, ou de moças de formas flexíveis, cabelos dourados e pequena estatura, de velhas e velhos apresentando-se em corpo inteiro e falando conosco, de criançolas, vistas aos pares, simultaneamente com outras formas e roupas diferentes, de cabeças calvas, de cabelos grisalhos, de feias cabeças negras de cabelos encarapinhados, de fantasmas imediatamente reconhecidos como amigos, e fantasmas que falam de modo audível línguas estranhas que o médium desconhece – sua indiferença não se altera... A credulidade de alguns homens de ciência, também, seria ilimitada – antes prefeririam acreditar que uma criança possa levantar uma montanha sem uma alavanca do que um Espírito possa levantar um peso.”
Mas, de lado o céptico irredutível, que ninguém convence, e que, no último dia classificará o Anjo Gabriel como uma ilusão de ótica, há algumas objeções muito naturais que um novato pode fazer honestamente e um pensador honesto pode responder. Podemos aceitar uma lança de nove pés como sendo um objeto espiritual? Que dizer dessas roupagens?
De onde vêm elas? A resposta se encontra, até onde podemos entender as coisas, nas admiráveis propriedades do ectoplasma. É a mais protéica substância, capaz de ser moldada instantaneamente em qualquer forma, e o poder de moldagem é a vontade do Espírito, dentro ou fora de um corpo. Tudo pode ser instantaneamente feito com ele, desde que assim o decida a inteligência predominante. Em todas as sessões dessa natureza parece que se acha presente um ser espiritual controlador, que comanda as figuras e confecciona o programa. Às vezes fala e dirige abertamente. Outras vezes fica calado e se manifesta apenas por atos. Como ficou dito, muitas vezes os controles são índios Peles-Vermelhas, que parecem ter em sua vida espiritual uma afinidade especial com os fenômenos físicos.
William Eddy, o médium principal desses fenômenos, parece nada haver sofrido quanto à saúde e à força, naquilo que em geral é um processo de exaustão. Crookes constatou como ficava Home “como que desfalecido no chão, pálido e sem fala.” Entretanto Home não era um rude camponês, mas um inválido sensitivo e artista. Parece que Eddy comia pouco, mas fumava continuamente. Nas sessões eram empregados a música e o canto, porque de longa data foi observado que há uma íntima conexão entre as vibrações musicais e os resultados psíquicos. Também se verificou que a luz branca é prejudicial aos resultados, o que agora é explicado pelo efeito dissociativo que a luz exerce sobre o ectoplasma. Muitas cores têm sido examinadas com o fito de evitar a completa escuridão. Mas, se se pode confiar no médium a escuridão é mais favorável, especialmente aos fenômenos de fosforescência e de jatos de luz, que se contam entre os mais belos fenômenos. Se se empregar luz, a mais tolerada é a vermelha. Nas sessões de Eddy havia uma luz atenuada de uma lâmpada velada.
Seria cansativo para o leitor entrar em detalhes sobre os vários tipos que apareceram nessas interessantes reuniões. Madame Blavatsky, então uma criatura desconhecida em New York, tinha vindo observar as coisas. Naquela época ainda não havia ela desenvolvido a linha teosófica do seu pensamento e era uma espiritista ardorosa. O Coronel Olcott e ela se encontravam pela primeira vez na casa da fazenda de Vermont, onde começou uma amizade que produziria no futuro estranhos desenvolvimentos. Em sua homenagem, ao que parece, apareceu um séquito de imagens russas, mantendo com ela uma conversação nessa língua. A principal figura, entretanto, era um chefe índio, chamado Santum, e uma índia de nome Honto, que se materializaram tão completamente e tantas vezes que a assistência seria desculpada por esquecer que estava tratando com Espíritos. Tão grande foi o contacto, que Olcott mediu Honto numa escala pintada ao lado da porta da cabine. Tinha um metro e sessenta centímetros. Certa vez expôs o seio e pediu a uma senhora presente que observasse as batidas do coração. Honto era leviana, gostava de dançar, de cantar, de fumar e exibir sua rica cabeleira negra aos assistentes. Santum, por outro lado, era um guerreiro taciturno, de um metro e noventa centímetros. O médium tinha apenas um metro e setenta e cinco centímetros.
Digno de menção é o fato de o índio usar sempre um polvarinho de chifre, que lhe fora dado então por um dos assistentes. Estava pendurado na cabine e lhe fora dado quando estava materializado. Alguns dos Espíritos de Eddy falavam, outros não, e a fluência variava muito.
Isto concordava com a experiência do autor em sessões semelhantes. Parece que a alma que volta tem muito que aprender quando maneja esse simulacro de si própria e que aqui, como alhures, a prática vale muito. Ao falar, essas figuras movem os lábios exatamente como faziam em vida. Também foi mostrado que a sua respiração em água de cal produz a reação característica de dióxido de carbono. Diz Olcott: “Os próprios Espíritos dizem que têm de aprender a arte de se materializar, como a gente procederia com qualquer outra arte”.
A princípio apenas podem moldar mãos, como no caso dos Davenport, das Fox e outros. Muitos médiuns jamais vão além desse estágio.
Entre os numerosos visitantes da casa de Vermont naturalmente alguns havia que assumiam uma atitude hostil. Nenhum destes, entretanto, parece ter dominado inteiramente o assunto. Um dos que mais chamavam a atenção foi um tal Doutor Beard, médico de New York, que, apenas com uma sessão, sustentava que todas as figuras eram disfarces do próprio William Eddy. Para sustentar esse ponto de vista nenhuma prova foi produzida, mas apenas a sua opinião pessoal; e ele declarava ser capaz de produzir os mesmos resultados com aparelhos de teatro do custo de três dólares. Tal opinião bem podia ser formulada honestamente numa única sessão, especialmente se esta tivesse sido mais ou menos bem sucedida. Mas é perfeitamente insustentável quando comparada com as das pessoas que assistiram a várias sessões. Assim, o Doutor Hodgson, de Stoneham, em Massachussetts, com mais quatro outras testemunhas, assinam um documento que diz: “Atestamos que... Santum estava do lado de fora, na plataforma, quando um outro índio mais ou menos da mesma estatura saiu e os dois passavam e repassavam um pelo outro, andando para cima e para baixo. Ao mesmo tempo era mantida uma conversa entre George Dix, Mayflower, o velho Mr. Morse e Mrs. Eaton, dentro da cabine. Nós reconhecemos a voz familiar de cada um”.
Há muitas testemunhas de fatos semelhantes, além de Olcott; e todos põem a teoria dos disfarces está fora de cogitação. É preciso acrescentar que muitas das formas eram crianças e até crianças de colo. Olcott mediu uma criança cuja altura era de setenta e um centímetros.
Poder-se-ia acrescentar honestamente que uma coisa que preocupa ocasionalmente o leitor é a hesitação de Olcott, além de sua reserva. A coisa era nova para ele e de vez em quando uma onda de receio e de dúvida passava por sua mente e ele pensava que tivesse ido muito longe e que devia contorná-la, caso, de algum modo, mostrassem que ele estava errado.
Assim, diz ele: “As formas que vi em Chittenden, enquanto aparentemente desafiando qualquer outra explicação que não a de uma origem supra-sensível, permanecem, do ponto de vista científico como ainda ‘não provadas’.” Noutra passagem refere-se a falta de “condições para testes”.
Esta expressão tornou-se uma espécie de advertência que perde toda significação. Assim, quando se diz ter visto, fora de qualquer dúvida ou engano, o rosto da própria mãe falecida, o oponente replica: “Ah! mas foi sob condições para teste?” O teste repousa no próprio fenômeno. Quando se pensa que durante dez semanas Olcott pôde examinar a pequena cabine, vigiar o médium, medir e pesar as formas ectoplásmicas, fica-se a pensar o que é que se poderia exigir para fazer prova completa. O fato é que enquanto Olcott escrevia o seu relato veio o suposto desmascaramento de Mrs. Holmes e a parcial retratação de Mr. Dale Owen, o que o levou a tomar essas precauções.
Foi a mediunidade de William Eddy que tomou a forma de materializações. Horace Eddy fez sessões de caráter bem diverso. Em seu caso foi usada uma espécie de tela, em cuja frente ele se sentava com um dos assistentes, ao seu lado, sob boa luz e segurando a sua mão. Do outro lado da tela era colocado um violão ou outro instrumento, que então começava a ser tocado, aparentemente sem executante, enquanto mãos materializadas eram vistas às bordas da cortina. O efeito geral era muito semelhante ao produzido pelos irmãos Davenport, mas era mais impressionante, uma vez que o médium era visto inteiramente e se achava sob controle de um espectador. A hipótese da moderna ciência psíquica, baseada em muitas experiências, é que faixas invisíveis de ectoplasma, que são antes condutoras de força do que forças elas próprias, são emitidas do corpo do médium e aplicadas sobre o objeto que deve ser manipulado, sendo empregadas para o levantar, para o tocar, conforme um poder invisível o deseje – poder invisível que, conforme pretende o Professor Charles Richet, é um prolongamento da personalidade do médium e, conforme a mais avançada escola, uma entidade independente. Nada disso era conhecido ao tempo dos Eddys e os fenômenos apresentavam uma indubitável aparência de toda uma série de efeitos sem causa. Quanto à realidade do fato, é impossível ler a minuciosa descrição de Olcott sem ficar convencido de que não poderia haver erro nisso. Esse movimento de objetos à distância do médium, ou telecinesia, para usar a expressão moderna, é um raro fenômeno à luz; mas certa ocasião, numa reunião de amadores, que eram espíritas experimentados, o autor viu uma espécie de bandeja de madeira, à luz de uma vela, ser levantada pela borda e responder a perguntas por meio de batidas, quando se achava a menos de dois metros de distância.
Nas sessões em escuridão de Horatio Eddy, onde a completa ausência de luz dava todo vigor à força psíquica, Olcott verificou que havia uma louca dança guerreira de índios, com o sapateado de uma dúzia de pés e, simultaneamente, o som de um instrumento selvagem, acompanhado por guinchos e gritos. “Como pura exibição de força bruta”, diz ele, “essa dança índia provavelmente é insuperável nos anais de tais manifestações”. Uma luz produzida instantaneamente encontraria os instrumentos cobertos no chão, e Horatio em profundo sono, sem uma gota de suor, inconsciente em sua cadeira. Assegura-nos Olcott que tanto ele quanto outros cavalheiros presentes, cujo nome declina, tiveram a permissão de se sentarem sobre o médium, mas que em um ou dois minutos todos os instrumentos estavam sendo tocados novamente. Depois dessa experiência – e as houve muitíssimas – qualquer verificação posterior parece desnecessária. A menos que houvesse uma absoluta falta de senso da parte de Olcott e de outros espectadores, não há dúvida que Horatio Eddy exercitava poderes de que a ciência tinha, e ainda tem, um conhecimento imperfeito.
Algumas das experiências de Olcott são tão definitivas e narradas tão franca e claramente que merecem respeitosa consideração e se adiantam aos trabalhos de muitos dos nossos modernos pesquisadores. Por exemplo, ele trouxe de New York uma balança, que foi devidamente aferida e dada como exata num certificado publicado para esse efeito. Então persuadiu a uma das formas materializadas, a índia Honto, a ficar de pé sobre ela, enquanto o seu peso era verificado por uma terceira pessoa, Mr. Pritchard, cavalheiro respeitável e não interessado no assunto. Olcott faz um relato dos resultados e adiciona um certificado de Pritchard, como jurado perante um juiz. Honto foi pesada quatro vezes, de pé sobre a plataforma, de modo que não podia de modo algum aliviar o seu peso. Era uma mulher de um metro e sessenta centímetros de altura e era de esperar que registrasse um peso de cerca de sessenta e um quilos. Os quatro resultados foram, respectivamente, de 39,9; 26,3; 26,3 e 29,5 quilos – todos tomados na mesma noite. Isso parece mostrar que seu corpo era um mero simulacro, cuja densidade podia variar de momento a momento. Também demonstrou aquilo que mais tarde foi verificado por Crawford, que todo o peso do simulacro não poderia derivar do médium. É inconcebível que Eddy, cujo peso era de cerca de 82 quilos, fosse capaz de dar quase 40. Toda a assistência, conforme a sua capacidade, que varia enormemente, é chamada a contribuir; e outros elementos podem muito provavelmente ser trazidos da atmosfera. Atualmente a maior perda de peso demonstrada por Miss Goligher, nas experiências de Crawford, foi de 23,7 quilos; mas cada um dos assistentes sofreu uma perda de peso, conforme registrou o mostrador das cadeiras-balanças: era a contribuição individual para a formação do ectoplasma.
Também preparou o Coronel Olcott duas balanças de mola e fez testes da capacidade de tração das mãos dos Espíritos, enquanto as do médium eram seguradas por alguém da assistência. Uma mão esquerda puxou com uma força de 18 quilos e a direita, de 23,6 quilos, a uma luz tão boa que Olcott pôde ver que na mão direita faltava um dedo. Ele estava familiarizado com o caso, pois se tratava do Espírito de um marinheiro que havia perdido um dedo em vida. Quando a gente lê tais coisas, o aviso de Olcott de que seus resultados não eram definitivos e de que não tinha ele as perfeitas condições de experimentação, nos torna mais difícil a compreensão. Entretanto, fecha as suas conclusões com estas palavras: “Não obstante o número de cépticos se batendo contra esses fatos graníticos; não obstante o disfarce que possam vestir os “desmascaradores”, a trombetear cornetinhas de brinquedo, essa Jericó resistirá”.
Uma observação feita por Olcott foi que essas formas ectoplásmicas obedeciam facilmente a um comando mental de um assistente de mente forte, pois iam e vinham aonde estes quisessem. Outros observadores em várias sessões notaram o mesmo fato, o que pode ser tomado como um dos pontos verificados nesse problema crucial.
Há um outro ponto curioso que possivelmente Olcott deixou de noticiar. Os médiuns e os Espíritos que tinham sido muito seus amigos durante a sua longa visita, subitamente se tornaram azedos e esquivos. Parece que essa mudança se operou logo depois da chegada de Madame Blavatsky, com quem Olcott havia estabelecido íntimas relações. Como se sabe, aquela senhora era uma espírita convicta na ocasião, mas é possível que os Espíritos tenham previsto e pressentido o perigo oferecido pela dama russa. Os seus ensinos teosóficos, apresentados um ou dois anos mais tarde, eram tais que, embora os fenômenos fossem reais, os Espíritos eram meros cascões astrais e não tinham vida própria. Seja qual for a verdadeira explicação, a mudança nos Espíritos foi notável. “Muito embora a importância de meu trabalho tenha sido reconhecida e todas as facilidades razoáveis me tenham sido concedidas, eu era constantemente mantido a distância, como se fosse um inimigo, em vez de um observador sem preconceitos”.
O Coronel Olcott narra muitos casos onde os assistentes reconheceram Espíritos, mas neles não se pode confiar muito, porque com uma luz fraca e as condições emocionais é fácil de ser enganado um observador honesto. O autor tem tido a oportunidade de demorar o olhar sobre rostos de cerca de cem dessas imagens e apenas se lembra de dois casos nos quais estava absolutamente certo de sua identidade. Em ambos esses casos os rostos tinham sua própria luz e o autor não dependia de lâmpada vermelha. Houve duas outras ocasiões em que, com a lâmpada vermelha, ele estava moralmente certo; mas, na maioria dos casos, era possível, se se admitir o trabalho da imaginação, ver o que se quisesse na vaga moldagem que se defrontava. Foi talvez o que ocorreu no grupo de Eddy: realmente C. C. Massey, um juiz muito competente, em sessão com Eddy em 1875, queixava-se desse fato. O verdadeiro milagre não era a identidade, mas a simples presença do ser.
Não há dúvida que o interesse despertado pela imprensa, ao relatar os fenômenos de Eddy, deveria ter produzido um mais sério tratamento da ciência psíquica e, possivelmente, adiantado de uma geração a causa da verdade. Infelizmente, no momento exato em que a atenção do público era atraída para o assunto, sobreveio real ou imaginário – o escândalo dos Holmes em Filadélfia, o qual foi rigorosamente explorado pelos materialistas, ajudados pela exagerada honestidade de Robert Dale Owen. Os fatos foram os seguintes:
Dois médiuns em Filadélfia Mr. e Mrs. Nelson Holmes, tinham feito uma série de sessões, nas quais supostamente aparecia, de contínuo, um Espírito que havia tomado o nome de Katie King, declarando-se a mesma com que o Professor William Crookes havia feito experiências em Londres. Em face disto a afirmação tornou-se duvidosa, desde que a original Katie King havia dito que a sua missão estava concluída. Entretanto, de lado a identidade do Espírito, parece que havia fortes indícios de que o fenômeno fosse genuíno e não fraudulento, por ser geralmente endossado por Mr. Dale Owen, pelo General Lisitt e por vários outros observadores, que citaram experiências pessoais acima de qualquer suspeita.
Havia então em Filadélfia um certo Doutor Child, que representou um papel muito ambíguo nos fatos obscuros que se seguiram. Child tinha sustentado a autenticidade dos fenômenos de maneira pronunciada. Chegara a ponto de declarar, num folheto que publicou em 1874, que o próprio James, como Katie King, que ele vira na sala das sessões, tinham vindo ao seu próprio consultório e aí haviam ditado particularidades de sua vida terrena, o que também foi publicado. Tais declarações, naturalmente, levantam dúvidas no espírito de qualquer estudante de psiquismo, porque uma forma espiritual só se manifesta através de um médium, e não há indício de que Child o fosse. De qualquer modo pode-se imaginar que, depois de uma tal asserção, Child seria a última criatura no mundo com autoridade para dizer que as sessões eram fraudulentas.
Um grande interesse público tinha sido despertado por um artigo do General Lisitt, em Galaxy de dezembro de 1874 e por um outro de Dale Owen no Atlantic Monthly, de janeiro de 1875. Subitamente a coisa estourou. Foi prenunciada por uma notícia publicada por Dale Owen a 5 de janeiro, dizendo que lhe tinham sido apresentadas provas que o obrigavam a retirar as expressões de confiança nos Holmes. Coisa semelhante fez o Doutor Child.
Escrevendo a Olcott, o qual, depois de sua investigação com Eddy, era considerado uma autoridade, disse Dale Owen:
“Penso que ultimamente eles nos mistificaram, talvez apenas misturando o bom e o falso, o que levanta dúvidas sobre as manifestações do último verão. Assim, provavelmente não as empregarei em meu próximo livro sobre Espiritismo. É uma perda, mas você e Mr. Crookes têm contribuído o bastante para o Espiritismo.”
A posição de Dale Owen é bastante clara, desde que era um homem de honra muito sensível, horrorizado com a idéia de que, por um instante, pudesse ter atestado que uma impostura era uma verdade. Parece que o seu erro repousa na circunstância de ter agido ao primeiro cicio de suspeita, em vez de esperar que os fatos se esclarecessem. A posição do Doutor Child, entretanto, é mais discutível, pois se as manifestações realmente fossem fraudulentas, como poderia ele ter tido entrevistas sozinho com os mesmos Espíritos em seu consultório?
Foi então verificado que uma senhora, cujo nome não foi dado, tinha estado representando Katie King nas sessões; que havia consentido que seu retrato fosse tirado e vendido como Katie King, que podia mostrar os vestidos e enfeites usados por Katie King nas sessões e que estava pronta para fazer uma confissão plena. Nada parecia mais desesperador e mais completo. Foi nessa altura que Olcott tomou a investigação e parece que estava preparado para verificar que a opinião geral era certa.
Logo as suas investigações revelaram alguns fatos que, entretanto, lançaram uma luz nova sobre a questão, provando que, a fim de ser minuciosa e exata, a pesquisa psíquica deve examinar as “imposturas” com o mesmo senso crítico que aplica aos fenômenos. O nome da pessoa que tinha confessado haver representado o papel de Katie King foi declinado: era Elisa White. Numa declaração que ela publicou, sem dar o nome, disse haver nascido em 1851, o que lhe dava então vinte e três anos de idade. Tinha-se casado aos quinze e tinha um filho de oito anos. Seu marido havia morrido em 1872 e ela devia sustentar-se e ao filho. Desde março de 1874 os Holmes moravam na mesma casa que ela. Em maio a contrataram para representar o Espírito. A cabine tinha uma parede falsa na parte posterior, por onde ela podia insinuar-se vestida de musselina. Mr. Dale Owen tinha sido convidado para as sessões e ficara inteiramente empolgado. Tudo isto resultou-lhe num drama de consciência, que, todavia, não a impediu de arriscar-se a maiores cometimentos, tais como os de aprender a desvanecer-se ou mudar de forma, por meio de panos pretos ou fazer-se fotografar como Katie King.
Um dia, de acordo com o seu relato, veio à sua sessão um homem chamado Leslie, empreiteiro de estrada de ferro. Esse cavalheiro mostrou suspeitas e na sessão seguinte revelou-lhe a sua fraude, e lhe ofereceu auxílio em dinheiro se ela o confessasse. Aceitou e mostrou a Leslie os seus métodos de mistificação. A 5 de dezembro foi realizada uma sessão fraudulenta, na qual ela representou seu papel como nas sessões reais. Isto impressionou de tal modo a Dale Owen e ao Doutor Child, que se achavam presentes, que publicaram aquelas notícias nas quais reconsideravam a sua crença – e essa reconsideração foi um golpe naqueles que acreditavam nas primeiras declarações de Dale Owen e que agora entendiam que ele deveria ter feito uma investigação mais completa, antes de sustentar tais coisas. A coisa era tanto mais penosa quanto Dale Owen contava setenta e três anos de idade e tinha sido um dos mais eloqüentes e corajosos discípulos da nova dispensação.
A primeira tarefa de Olcott foi examinar cuidadosamente as declarações já feitas e destruir o anonimato de sua autora. Logo descobriu, como foi dito, que era Elisa White e que, conquanto em Filadélfia, recusou-se a recebê-lo. Por outro lado os Holmes agiram muito abertamente e se ofereceram para criar todas as facilidades de examinar os seus fenômenos em quaisquer condições que lhes aprouvesse. Uma investigação sobre o passado de Elisa White mostrou que seu depoimento, no que diz respeito à sua pessoa, era uma teia de mentiras. Ela era muito mais velha do que dissera – não tinha menos de trinta e cinco anos – e não é certo de que um dia se tivesse casado com White. Durante anos tinha sido vocalista numa companhia ambulante. White ainda era vivo, de modo que não havia a questão da viuvez. Olcott publicou um atestado do Chefe de Polícia a tal respeito.
Entre outros documentos fornecidos pelo Coronel Olcott estava um de Mr. Allen, Juiz de Paz de New Jersey, dado sob juramento. Elisa White, conforme essa testemunha, era “tão indigna de crédito que aqueles a quem falava nunca sabiam se deviam acreditar, e sua reputação moral era tão ruim quanto possível.” Contudo o Juiz Allen pôde dar um depoimento mais diretamente referido ao assunto em discussão. Declarou que havia visitado os Holmes em Filadélfia e tinha visto o Doutor Child preparar a cabine, que era solidamente construída e que não havia possibilidade de qualquer entrada pelos fundos, como dissera Mrs. White. Além disso, que estivera na sessão em que aparecera Katie King e que os trabalhos haviam sido interrompidos pelo canto de Mrs. White num outro quarto, de modo que era impossível que Mrs. White pudesse, como dizia, ter feito o papel de um Espírito. Sendo este um depoimento jurado de um Juiz de Paz, parece uma peça de peso como prova.
Parece que a cabine foi feita em junho, pois o General Lisitt, excelente testemunha, descreveu um dispositivo bem diferente quando assistiu às experiências. Diz ele que duas portas se dobravam em harmônica, de modo que se tocavam; a cabine era apenas o recanto formado por elas e um quadro por cima. “Nas primeiras duas ou três sessões fiz um exame minucioso, e uma vez com um mágico profissional, que ficou perfeitamente satisfeito por não haver possibilidade de truques”. Isto foi em maio, de modo que as duas descrições não são contraditórias – salvo quanto à declaração de Elisa White de que podia deslizar para dentro da cabine.
Além dessas razões para precauções ao formar opinião, os Holmes foram capazes de exibir cartas que lhes foram escritas por Mrs. White, em agosto de 1874, onde se vê a incompatibilidade para a existência entre eles de qualquer segredo criminoso. Por outro lado, uma dessas cartas disse que haviam sido feitos esforços para que ela forjasse uma confissão de que tinha sido Katie King. Mais tarde no mesmo ano, parece que Mrs. White assumiu um tom mais ameaçador, conforme um depoimento escrito e formal dos Holmes, quando ela declarou que, a menos que lhe pagassem uma pensão determinada, havia um bom número de cavalheiros ricos, inclusive membros da Associação Cristã de Moços, que estavam prontos para lhe pagar uma larga soma e que ela não mais incomodaria os Holmes. Mil dólares era a soma exata que Elisa White iria receber se concordasse em admitir que tinha representado Katie King. Certamente há que convir que tal verificação, em conjunto com as declarações da mulher, exige que se peçam provas de tudo quanto ela diz.
Resta um fato culminante. Na hora exata em que a falsa sessão foi realizada e na qual Mrs. White estava mostrando como Katie King era representada, os Holmes realizavam uma sessão real, assistida por vinte pessoas e na qual o Espírito apareceu da maneira de sempre. O Coronel Olcott recolheu várias declarações de pessoas então presentes e não há dúvida a respeito do fato. A do Doutor Adolphus Fellger é curta e pode ser dada quase que por inteiro.
Diz ele sob juramento que “viu o Espírito conhecido como Katie King, ao todo, cerca de oito vezes; é perfeitamente familiar com os seus modos e não se sente enganado em relação à identidade de Katie King, que apareceu na tarde de 5 de dezembro, pois enquanto o dito Espírito aparecia exatamente da mesma altura e com os mesmos gestos, em duas sessões seguidas, sua voz era sempre a mesma e a expressão de seus olhos e os tópicos da conversa lhe davam maior certeza de tratar-se da mesma pessoa”. Esse Fellger era muito conhecido e respeitado em Filadélfia como médico, cuja palavra simples, no dizer de Olcott, vale mais que “vinte juramentos escritos da vossa Elisa White”.
Também ficou demonstrado que Katie King aparecia constantemente quando Mrs. Holmes estava em Blissfield e Mrs. White em Filadélfia e que Mrs. Holmes havia escrito a Mrs. White descrevendo suas aparições reais, o que parece uma prova final de que a última não era uma parceira.
Por esse tempo deve admitir-se que a confissão anônima de Mrs. White é um tiro numa coisa furada e com tantos buracos que a coisa se afunda. Há, porém, um detalhe que, na opinião do autor, ainda flutua. É o caso da fotografia. Foi confessado pelos Holmes, numa entrevista com o General Lisitt, – cuja palavra é um pedaço sólido naquele charco – que Elisa White foi contratada pelo Doutor Child para posar num retrato como Katie King. Parece que Child representou um papel dúplice em todo esse negócio, fazendo, em diferentes ocasiões, afirmações muito contraditórias e tendo, ao que parece, um interesse pecuniário no caso. Por isso a gente se inclina a considerar seriamente essa acusação, e pensar se os Holmes teriam participado da fraude. Garantindo que a imagem de Katie King era real, talvez tivessem duvidado se ela seria ou não fotografável, de vez que sua produção exigia que a luz fosse fraca. Por outro lado, havia uma clara fonte de lucro, desde que os retratos eram vendidos aos numerosos assistentes por meio dólar. Em seu livro, o Coronel Olcott reproduz a fotografia de Mrs. White ao lado de outra supostamente de Katie King, e chama a atenção para a falta de semelhança. É claro, entretanto, que tivessem solicitado ao fotógrafo que a retocasse, para disfarçar a semelhança, pois do contrário a fraude seria notada. O autor tem a impressão, que não é certeza, de que os dois rostos são os mesmos, apenas com algumas alterações obtidas pela manipulação. Assim, admite que a fotografia seja fraudulenta, mas isto de modo algum corrobora o resto da narrativa de Mrs. White, muito embora abale a nossa fé a respeito do caráter de Mr. e Mrs. Holmes, do mesmo modo que do Doutor Child. Mas o caráter dos médiuns de efeitos físicos tem apenas uma influência indireta na questão da realidade de sua força psíquica, que deveria ser apreciada através de sua própria natureza, pouco importando se o indivíduo é santo ou pecador.
A sábia conclusão do Coronel Olcott foi que, à vista do conflito de provas, deveria pôr tudo de lado e controlar os médiuns à sua maneira, sem se importar com o que havia passado.
E o fez de maneira convincente, de modo que, quem quer que leia a sua investigação – “People From the Other World”, página 460 e seguintes, – não poderá negar que ele tomou todas as precauções possíveis contra as fraudes. A cabine era revestida de tela pelos lados, de modo que ninguém poderia entrar, como Mrs. White disse haver feito. Mrs. Holmes era posta num saco, atado ao pescoço e, como o marido se achava ausente, ficava reduzida aos seus próprios recursos. Em tais circunstâncias numerosas cabeças se formaram, algumas das quais semi-materializadas, apresentando uma aparência horrível. Isto deve ter sido feito como um teste ou, possivelmente, a longa contenção deve ter prejudicado os poderes do médium. Os rostos costumavam aparecer a uma altura que o médium não podia alcançar. Dale Owen achava-se presente a essa demonstração e já deveria ter lamentado a sua declaração prematura.
Sessões posteriores e com os mesmos resultados foram realizadas por Olcott em seus próprios aposentos, de modo a eliminar a possibilidade de qualquer mecanismo sob o controle do médium. Numa ocasião, quando a cabeça de John King, o Espírito dirigente, apareceu no ar, Olcott, lembrando-se da declaração de Elisa White, de que esses rostos eram apenas máscaras de dez centavos, pediu e obteve permissão para passar a sua bengala em redor dele, e assim ficou satisfeito de verificar que não era sustentado por ninguém. Essa experiência parece tão conclusiva que o leitor que pretender mais provas deve ser remetido ao livro onde encontrará muito mais. Era claro que, qualquer que fosse o papel representado por Elisa White na fotografia, não havia sombra de dúvida de que Mrs. Holmes era um médium genuíno e poderoso para fenômenos de materializações. Deveria acrescentar-se que a cabeça de Katie King foi vista repetidas vezes pelos investigadores, conquanto a forma inteira, ao que parece, só se materializou uma vez. O General Lisitt estava presente a essa reunião e associou-se publicamente, pela Banner of Light de 6 de fevereiro de 1875, às conclusões de Olcott.
O autor demorou-se um pouco sobre esse caso porque o mesmo representa a maneira típica pela qual o povo é desviado do Espiritismo. Os jornais estão cheios de “desmascaramentos”. A coisa é investigada e tanto se mostra o que é falso, quanto o que é parcialmente verdadeiro. Isto não é publicado e o público fica com a primeira impressão incorreta. Mesmo agora, quando se menciona Katie King, é freqüente essa crítica: “Foi provado que era uma fraude, em Filadélfia”, e, por uma natural confusão de idéias, isto foi até usado como argumento contra as experiências clássicas de Crookes. A questão – especialmente a momentânea fraqueza de Dale Owen – atrasou de muitos anos o Espiritismo na América.
Foi feita uma referência a Jehn King, o Espírito dirigente das sessões dos Holmes. Essa estranha entidade parece ter sido o principal controlador de todos os fenômenos físicos nos primeiros dias do movimento e ainda é visto e ouvido ocasionalmente. Seu nome está ligado com o salão de música de Koons, com os irmãos Davenport, com Williams em Londres, com Mrs. Holmes e muitos outros. Pessoalmente, quando materializado, tem aparência de um homem alto, moreno, uma cabeça nobre e grande barba negra. Sua voz é alta e profunda, enquanto as suas batidas têm um caráter peculiar. É senhor de todas as línguas, tendo sido experimentado nas línguas mais originais, como o georgiano, e nunca foi pilhado em erro.
Essa criatura formidável controla bandos de Espíritos inferiores, índios Peles-Vermelhas e outros, que assistem a tais fenômenos. Afirma que Katie King é sua filha e que em vida, como Henry Morgan, fora pirata, perdoado e armado cavaleiro por Carlos 2º e que terminara como Governador da Jamaica. Se assim foi, teria sido um rufião crudelíssimo, que muito terá que expiar. Contudo, o autor deve declarar que possui um retrato de Henry Morgan, feito na época – e que se encontra na obra de Howard Pyles “Buccaneers”, à página 178, e que, se controlada, nenhuma semelhança apresenta com John King. Todas estas questões de identificação material são muito obscuras.
Antes de encerrar o relato das experiências de Olcott, nessa etapa de sua evolução, deve ser feita uma referência ao caso da chamada transfiguração de Compton, que mostra em que águas profundas nos encontramos quando tentamos pesquisas psíquicas. Essas profundezas ainda não foram avaliadas, nem delineadas. Nada pode ser mais claro do que os fatos, nem mais satisfatório do que as provas. A médium Mrs. Compton se achava fechada em sua cabine, com um fio passado pelos furos de suas orelhas e amarrado ao encosto de sua cadeira. Então uma esguia figura branca emergiu da cabine. Olcott tinha providenciado uma balança de plataforma, na qual o Espírito ficou de pé. Foi pesado duas vezes, registrando 35,7 quilos e 27,3 quilos respectivamente. Então, conforme as disposições prévias, Olcott foi à cabine, deixando o espectro do lado de fora. A médium tinha desaparecido. A cadeira lá estava, mas nem sinal da senhora. Então Olcott voltou e pesou novamente a aparição, que então apresentava 23,5 quilos. Depois disso o Espírito voltou à cabine, da qual surgiam outras figuras. Finalmente, diz Olcott:
“Eu ali entrei com uma lâmpada e encontrei a médium exatamente como havia deixado no começo da sessão, com os fios intactos e cada nó perfeito! Estava sentada, com a cabeça apoiada na parede, pálida e fria como mármore, os olhos revirados, a testa coberta de uma umidade de morte, sem respiração pulmonar nem batidas do pulso. Quando todos acabaram de examinar os fios e os nós frágeis eu os cortei com uma tesoura e, levantando a cadeira pelo encosto e pelo assento, transportei a senhora em catalepsia para um lugar arejado fora da câmara.
Ela ficou inanimada durante dezoito minutos. Gradativamente a vida foi voltando, até que a respiração, o pulso e a temperatura se tornaram normais... Então a levei para a balança... Pesava 55 quilos!”
Que fazer de tais resultados? Havia onze testemunhas além de Olcott. Os fatos parecem acima de dúvidas. Mas, que deduzir deles? O autor viu uma fotografia, tomada em presença de um médium amador, na qual todos os detalhes da sala tinham sido apanhados, mas a médium havia desaparecido. O desaparecimento da médium tem alguma analogia com esse caso? Se a figura ectoplásmica só pesava 35 quilos e a médium 55, torna-se claro que apenas 20 quilos lhe eram deixados, quando o fantasma estava fora. Se 20 quilos não bastavam para continuar o processo de vida, não poderiam os seus guias ter usado a sua química oculta sutil a fim de a desmaterializar e assim salvá-la do perigo até que a volta do fantasma permitisse a reabsorção? É uma estranha suposição, mas parece que atende aos fatos – o que pode ser feito por mero palpite ou por uma incredulidade não raciocinada.

Cap. 11 As pesquisas de Sir William Crookes

de 1870 até o Ano de 1874
As pesquisas sobre os fenômenos do Espiritismo por Sir William Crookes – ou Professor Crookes, como era então chamado – durante os anos de 1870 a 1874 constituem um dos mais significativos incidentes na história do movimento. São notáveis devido ao elevado padrão científico do investigador, o severo e justo espírito com que o inquérito foi conduzido, os extraordinários resultados e a corajosa profissão de fé que as seguiu. A tecla favorita dos adversários foi atribuir certa fraqueza física ou crescente senilidade a cada nova testemunha da verdade psíquica, mas ninguém pode negar que essas pesquisas foram conduzidas por um homem em pleno apogeu de seu desenvolvimento mental e que a famosa carreira que se seguiu constituiu uma prova suficiente de sua estabilidade intelectual. É de notar-se que o resultado não só veio provar a integridade do médium Florence Cook, com quem foram obtidos os mais sensacionais resultados, mas também a de D. D. Home e a de Miss Kate Fox, que foram, também, severamente controlados.
Sir William Crookes, que nasceu em 1832 e morreu em 1919, era figura preeminente no mundo científico. Eleito Membro da Sociedade Real (F.R.S.) em 1863, recebeu dessa organização, em 1875, a Royal Gold Medal, por suas várias pesquisas no campo da química e da física, a Davy Medal, em 1888, e a Sir Joseph Copley Medal em 1904. Foi nomeado Cavaleiro pela Rainha Vitória em 1897 e recebeu a Ordem do Mérito em 1910. Ocupou diversas vezes a cadeira de Presidente da Royal Society, da Chemical Society , da Institution of Electrical Engineers, da British Association e da Society for Psychical Research. Sua descoberta do novo elemento químico a que deu o nome de Thallium, suas invenções do radiômetro, do espintariscópio e do tubo de Crookes representam apenas uma pequena parte de sua grande pesquisa. Em 1859 fundou o Chemical News, que editou, e em 1864 tornou-se redator do Quarterley Journal of Science. No ano de 1880 a Academia de Ciências da França lhe concedeu uma medalha de ouro e um prêmio de 3.000 francos, em reconhecimento por seu importante trabalho.
Confessa Crookes que iniciou as suas investigações sobre fenômenos psíquicos pensando que tudo fosse truque. Seus colegas sustentavam o mesmo ponto de vista e ficaram satisfeitos com a atitude que ele havia adotado. Foi manifestada profunda satisfação porque a investigação ia ser conduzida por um homem tão altamente qualificado. Quase não duvidavam de que aquilo que consideravam as falsas pretensões do Espiritismo fosse desmascarado. Disse um escritor: “Se homem como Mr. Crookes trata do assunto... em breve saberemos em que acreditar.” Numa comunicação a Nature, o Doutor Balfour Stewart, mais tarde Professor, elogiou a coragem e a honestidade que levou Mr. Crookes a tomar aquela resolução. O próprio Crookes assentou que era dever dos cientistas fazer tal investigação. E escreveu: “Tem-se lançado em rosto dos homens de ciência a sua pretensa liberdade de opinião, quando sistematicamente se recusam a fazer uma investigação científica sobre a existência e a natureza de fatos sustentados por tantos testemunhos competentes e fidedignos, e os convidam a um exame livre, onde e quando quiserem. Por minha parte dou muito valor à pesquisa da verdade e à descoberta de qualquer fato novo na Natureza, para me insurgir contra a investigação apenas por parecer que ela se choca com as opiniões predominantes”.
Foi com esse Espírito que ele iniciou a sua investigação.
Contudo deveria ser verificado que, conquanto o professor Crookes fosse severo crítico dos fenômenos físicos, já tinha ele tomado contacto com os fenômenos mentais e parece que os havia aceitado. É provável que essa simpatia espiritual o tenha ajudado na obtenção de seus notáveis resultados, porque, nunca será por demais repetido, de vez que é sempre esquecido – a pesquisa psíquica da melhor qualidade é sempre psíquica e depende de condições espirituais. Não é o homem teimoso e opiniático, que investiga com uma grande falta de senso de medida para coisas espirituais o que consegue resultados; mas aquele que verifica que o estrito uso da razão e da observação não é incompatível com a humildade mental e com aquela delicadeza e cortesia que produzem a harmonia e a afinidade entre o investigador e o seu sensitivo.
Parece que as investigações menos materiais de Crookes começaram no verão de 1869. Em julho daquele ano fez sessões com o conhecido médium Mrs. Marshall e em dezembro com outro médium famoso, J. J. Morse. Em julho de 1869 D. D. Home, que havia feito sessões em S. Petersburgo, voltou a Londres com uma carta de apresentação do Professor Butlerof para o Professor Crookes.
Ressalta um fato interessante do diário pessoal de Crookes, quando de sua viagem à Espanha, em dezembro de 1870, com a Expedição do Eclipse. Em data de 31 de dezembro, escreve ele:
“Não posso deixar de recordar esta data no ano passado. Nelly e eu estávamos em sessão, comunicando-nos com queridos amigos mortos e, ao soarem as doze horas, eles nos desejaram feliz Ano Novo. Sinto que agora nos olham e, como o espaço não lhes é obstáculo, penso que ao mesmo tempo olham para Nelly. Sobre nós ambos sei que há alguém e que todos nós – Espíritos e mortais – em sua presença nos curvamos como ante um Pai e Mestre; e minha humilde prece a Ele – o Grande Deus, como O chama o Mandarim é que continue sua misericordiosa proteção sobre Nelly e sobre mim, bem como sobre nossa pequena e querida família... Possa Ele também permitir que continuemos a receber comunicações espíritas de meu irmão, que atravessou os umbrais em alto mar, a bordo de um navio, há mais de três anos”.
Depois acrescenta amorosos cumprimentos de Ano Bom a sua esposa e às crianças e conclui:
“E quando os anos terrenos houverem passado, possamos nós viver outros mais felizes no mundo dos Espíritos, do qual tenho tido ocasionalmente alguns reflexos.”
Miss Florence Cook, com a qual Crookes realizou a sua série clássica de experiências, era uma jovem de quinze anos, de quem se dizia possuir enorme força psíquica, que tomava as raras formas de materializações completas. Parece que era uma característica de família, porque sua irmã, Miss Kate Cook, não era menos famosa. Houve algumas dissensões sobre um suposto desmascaramento, nas quais um tal Mr. Volckman tomou posição contra Miss Cook e, no propósito de se vingar, colocou-se inteiramente sob a proteção de Mrs. Crookes, declarando que seu marido podia fazer quaisquer experiências sobre os seus dons e nas condições que quisesse, nada pedindo a não ser que pudesse demonstrar o seu caráter como médium, através de exatas conclusões apresentadas ao mundo. Felizmente ela estava tratando com um homem de inatacável honestidade intelectual. Temos tido experiências, nestes últimos tempos, com médiuns que se entregavam com reservas às investigações científicas e foram atraiçoados por investigadores que não possuíam a coragem moral de admitir aqueles resultados que teriam conduzido à aceitação pública da interpretação espírita.
O Professor Crookes publicou um relatório completo de seus métodos no Querterly Journal of Science, do qual era então redator. Em sua casa em Mornington Road, um pequeno gabinete se abria para o laboratório, por uma porta com uma cortina. Miss Cook jazia em transe num divã no quarto interno; no externo, com luz reduzida, ficava Crookes com as pessoas que houvesse convidado. No fim de um período de vinte minutos a uma hora estava completa a figura com o ectoplasma da médium. A existência dessa substância e o seu método de produção eram então desconhecidos. Pesquisas posteriores lançaram muita luz sobre o assunto, razão por que foram incorporadas no capítulo sobre o ectoplasma. Completada a operação, abria-se a cortina e entrava no laboratório uma figura feminina, geralmente tão diferente da médium quanto duas pessoas podem sê-lo. Essa aparição, que se movia, falava e agia em todos os sentidos como uma entidade independente, é conhecida pelo nome que ela própria adotou, de “Katie King”.
A explicação natural dos cépticos é que as duas mulheres realmente eram uma e mesma e que Katie era uma clara imagem de Florence. O opositor podia apoiar-se no fato de que, como observaram Crookes, Miss Marryat e outros, por vezes Katie era muito parecida com Florence.
Aqui está um dos mistérios da materialização que exige mais consideração cuidadosa do que zombarias. Experimentando com Miss Besinnet, famosa médium americana, o autor destas linhas observou a mesma coisa: quando era pouca a força psíquica, o rosto começava por se assemelhar ao da médium e por fim se tornava completamente diferente. Alguns especuladores imaginaram que a forma esférica da médium, seu corpo espiritual, teria tido liberdade pelo transe e constituía a base sobre a qual as outras entidades manifestantes construíam seu próprio simulacro. Seja como for, a coisa não foi admitida; é semelhante aos fenômenos de Voz Direta, nos quais por vezes a voz se assemelha à do médium, logo de início, tomando depois um tom inteiramente diferente, ou se dividindo em duas vozes simultâneas.
Entretanto o estudioso por certo tem o direito de proclamar que Florence Cook e Katie King eram a mesma individualidade, até que provas evidentes lhe demonstrem que isto é possível. Tal prova o Professor Crookes tem muito cuidado em oferecer.
Os pontos diferentes que observou entre Miss Cook e Katie são os seguintes:
“A altura de Katie varia; em minha casa eu a vi quinze centímetros mais alta que Miss Cook. Na noite passada estando descalça e sem pisar na ponta dos pés, ela era doze centímetros mais alta que Miss Cook. O pescoço de Katie estava nu; a pele era perfeitamente lisa à vista quanto ao tato, enquanto o de Miss Cook é uma grande escara que, nas mesmas condições, é distintamente visível e áspera ao tato. As orelhas de Katie não são furadas, enquanto que Miss Cook habitualmente usa brincos. A compleição de Katie é muito alva, enquanto a de Miss Cook é muito morena. Os dedos de Katie são muito mais longos do que os de Miss Cook e seu rosto também é maior. Há também marcadas diferenças nos modos e nos ademanes”.
Posteriormente, acrescenta:
“Ultimamente tendo examinado muito Katie, iluminada à luz elétrica, posso acrescentar aos pontos, já mencionados, de diferenças entre ela e o seu médium, que tenho a mais absoluta certeza de que Miss Cook e Miss Katie são duas individualidades distintas, no que se refere aos corpos. Vários sinais no rosto de Miss Cook não existem no de Katie. O cabelo de Miss Cook é de um castanho tão escuro que parece negro; um cacho do cabelo de Katie, que tenho agora em minha frente, e que ela me permitiu cortasse de suas tranças exuberantes, inicialmente examinado e, para minha satisfação, verificado que cresceu, é de um rico dourado escuro.
“Uma noite contei o pulso de Katie. Tinha 75 pulsações, enquanto que o de Miss Cook pouco depois marcava 90 pulsações. Aplicando o ouvido ao peito de Katie, pude ouvir o coração a bater ritmado e pulsando mais firmemente que o de Miss Cook, quando esta me permitiu que a auscultasse depois da sessão. Examinados do mesmo modo os pulmões de Katie pareceram mais fortes que os da médium, pois ao tempo em que a examinei, Miss Cook estava sob tratamento médico de uma tosse rebelde.”
Crookes tirou quarenta e quatro fotografias de Katie King, empregando a luz elétrica. Escrevendo em The Spiritualist, em 1874, à página 270, assim descreve os métodos adotados:
“Durante a semana anterior à partida de Katie, ela fez sessões quase que todas as noites em minha casa, a fim de me permitir fotografá-la à luz artificial. Cinco aparelhos completos foram dispostos para esse fim; consistiam de câmaras, umas chapas completas, outra de metade de chapas, uma terceira de quartos de chapas e duas câmaras estereoscópicas binoculares, preparadas para fotografarem Katie ao mesmo tempo, cada vez que ela posasse. Cinco banhos reveladores e de viragem-fixagem foram usados e bom número de chapas foi preparado antecipadamente, de modo que não houvesse complicações ou demoras durante a operação de fotografia que foi realizada por mim mesmo, com o auxílio de um assistente.
Minha biblioteca foi usada como câmara escura. Tem portas de sanfona, que abrem para o laboratório; uma dessas portas foi tirada das dobradiças e uma cortina foi colocada em seu lugar, de modo a permitir que Katie passasse para um lado e para o outro facilmente.
Os nossos amigos presentes ficaram sentados no laboratório, em frente à cortina e as câmaras foram colocadas um pouco atrás deles, prontas para fotografarem Katie quando ela saísse e fotografar também qualquer coisa na cabine, quando a cortina fosse levantada para isso. Cada noite havia três ou quatro tomadas de fotografias em cada uma das cinco máquinas, obtendo-se pelo menos quinze fotografias separadas em cada sessão. Algumas se estragaram ao serem reveladas, outras na regulagem da luz. Ao todo tenho quarenta e quatro negativos, alguns inferiores, outros sofríveis, e alguns excelentes.”
Algumas dessas fotografias estão em poder do autor destas linhas e certamente não há mais maravilhosa impressão em qualquer chapa do que aquela que mostra Crookes no auge de seu vigor com esse anjo – porque na verdade ela o era – apoiando-se em seus braços. O vocábulo “anjo” pode parecer um exagero, mas quando um Espírito do outro mundo se submete ao momentâneo desconforto de uma existência artificial a fim de trazer a lição da sobrevivência a uma geração materialista e mundana, não há termo que melhor se lhe aplique.
Surgiu uma discussão se Crookes alguma vez teria visto ao mesmo tempo o médium e Katie. Diz Crookes a certa altura de seu relatório que frequentemente acompanhou Katie até a cabine “e algumas vezes as via juntas, ela e a sua médium, mas na maioria das vezes não vi ninguém, a não ser a médium em transe, caída no chão, pois Katie e seus vestidos brancos tinham desaparecido instantaneamente”.
Entretanto, um testemunho muito mais direto é dado por Crookes numa carta a Banner of Light, U. S. A. e que é reproduzida em The Spiritualist, de Londres, de 17 de julho de 1874, página 29. Diz ele:
“Em resposta a sua pergunta quero afirmar que vi Miss Cook e Katie juntas, no mesmo momento, sob a luz de uma lâmpada de fósforo, que era suficiente para que visse distintamente aquilo que descrevi. O olho humano tem naturalmente um grande ângulo de horizonte, de modo que as duas figuras eram abarcadas ao mesmo tempo no meu campo visual; mas como a luz era fraca, e os dois rostos por vezes estavam distanciados alguns pés um do outro, naturalmente eu movia a luz e meu olhar fixava alternadamente uma e outra, quando queria trazer o rosto de Miss Cook ou de Katie para aquela parte do campo visual onde a visão é mais nítida. Desde que a ocorrência acima referida foi verificada, Katie e Miss Cook foram vistas juntas por mim e por oito outras pessoas, em minha casa, iluminada fartamente por lâmpadas elétricas. Nessa ocasião o rosto de Miss Cook não era visível, pois sua cabeça ficava envolta num xale grosso, mas eu, principalmente, tinha a satisfação de verificar que ela lá estava. Uma tentativa de dirigir a luz sobre a sua face descoberta, quando em transe, teve sérias consequências.”
A máquina fotográfica também demonstra as diferenças entre a médium e a forma. Diz ele:
“Uma das mais interessantes fotografias é aquela em que me acho de pé ao lado de Katie; ela está descalça, em certo ponto do soalho. Depois vesti Miss Cook como Katie e nos colocamos, eu e ela, exatamente na mesma posição e fomos fotografados pelas nossas máquinas, colocadas exatamente como na outra experiência, e iluminadas pela mesma luz.
Quando essas duas chapas são superpostas, a minha imagem coincide, no que se refere a estatura, etc.; mas Katie é meia cabeça mais alta que Miss Cook e parece uma mulher grande, em comparação com esta última. Em muitos dos relatos diferem quanto à largura da face e quanto a vários outros detalhes.”
Crookes rende uma grande homenagem à médium Florence Cook:
“As sessões quase diárias com as quais Miss Cook me obsequiou lhe produziram severo desgaste de energias e quero demonstrar publicamente a minha gratidão para com ela, pela solicitude em ajudar as minhas experiências. Cada ensaio que eu propunha tinha a sua imediata aprovação e se submetia com o maior entusiasmo; fala franca e diretamente e jamais percebi a menor coisa que denunciasse o desejo de mistificar. Na verdade não acredito que ela conseguisse mistificar, ainda quando tentasse; e se o fizesse seria pilhada incontinenti, pois tais atitudes destoam completamente de sua natureza. Aliás, imaginar que uma mocinha de quinze anos fosse capaz de conceber e, durante três anos, realizar tão gigantesca impostura; que, durante esse tempo, se submetesse a qualquer teste que lhe fosse proposto e mantido no mais rigoroso segredo; que se sujeitasse a ser examinada a qualquer momento, antes como depois da sessão e tivesse os melhores êxitos em minha casa, do que em casa de seus pais, sabendo-se que ela me visitava com o objetivo de se submeter a ensaios estritamente científicos – imaginar, digo eu, que a Katie King dos últimos três anos fosse fruto de uma impostura é maior violência para a razão humana e para o bom senso do que acreditar que ela seja aquilo que diz ser”.
Admitindo que uma forma temporária foi construída com o ectoplasma de Florence Cook, e que essa forma foi então utilizada como um ser independente, que se dizia “Katie King”, ainda enfrentamos a questão: “Quem foi Katie King?” A isto só se pode dar a resposta que ela deu, quando reconhecia que não tínhamos provas. Declarou-se filha de John King, que desde muito era conhecido entre os espíritas como um Espírito que presidia a sessões de fenômenos materiais. Sua personalidade é adiante discutida, num capítulo sobre os Irmãos Eddy e Mrs. Holmes, que recomendamos ao leitor. Seu nome era Morgan e King era antes um título comum a certa classe de Espíritos, do que um nome familiar. Sua vida decorrera duzentos anos antes, no reinado de Carlos 2º, na Ilha da Jamaica. Se isto é verdade ou não, certamente ela se adaptou ao papel e sua conversação era em geral concorde com a informação. Uma das filhas do Professor Crookes escreveu ao autor e aludiu a uma vivida lembrança das histórias da Espanha, contadas por esse gentil Espírito às crianças da família.
Ela mesma se fez amada por todos. Mrs. Crookes escreveu:
“Numa sessão em nossa casa, com Miss Coolc, quando um dos nossos filhos tinha apenas três anos, Katie King, um Espírito materializado, demonstrou por ele o mais vivo interesse e pediu para ver a criança. Então o menino foi trazido para a sala da sessão, posto nos braços de Katie que, segurando-o por algum tempo muito naturalmente, o devolveu toda risonha.”
O Professor Crookes deixou registrado que a sua beleza e o seu encanto eram únicos em sua experiência.
O leitor pode muito bem pensar que a luz reduzida empregada pelo Professor Crookes comprometa o resultado da experiência. Contudo o Professor nos assegurou que na série de sessões foi verificada a tolerância e que a imagem era capaz de suportar uma luz muito mais intensa. Essa tolerância tinha os seus limites, que aliás nunca foram ultrapassados pelo Professor Crookes, mas que foram verificados numa ousada experiência descrita por Miss Florence Marryat (Mrs. Ross-Curch). É preciso dizer que o Professor Crookes não se achava presente, nem Miss Marryat jamais o afirmou. Entretanto ela cita o nome de Mr. Carter Hall, como um dos presentes. Katie havia consentido com muito bom humor que examinassem qual o efeito que seria produzido sobre a sua imagem por uma luz intensa.
“Ficou de pé junto à parede da sala de visitas, com os braços abertos como se estivesse crucificada. Então foram acesos três bicos de gás em todo o seu poder, num espaço de cerca de dezesseis pés quadrados. O efeito sobre Katie King foi maravilhoso. Ela manteve o seu próprio aspecto durante um segundo, no máximo, e depois começou a fundir-se gradualmente. Não posso comparar a sua desmaterialização senão a uma boneca de cera que se fundisse junto a um fogo intenso. Primeiro as formas se tornaram alteradas e indistintas; parecia que se interpenetravam. Os olhos desapareceram nas órbitas, o nariz desapareceu, o osso frontal sumiu. Depois os membros como que desapareciam debaixo dela, que se tornava cada vez menor, como um edifício que ruísse. Por fim havia apenas a cabeça no chão – depois apenas um pedaço de pano, que desapareceu de súbito, como se uma mão o tivesse puxado – e nós ficamos admirados, a olhar os bicos de gás, no lugar onde Katie King havia estado”.
Miss Marryat acrescenta o interessante detalhe de que nalgumas dessas sessões o cabelo de Miss Cook ficou preso ao solo, o que de modo algum atrapalhou o aparecimento subsequente de Katie fora da cabine.
Os resultados obtidos em sua própria casa foram honesta e destemerosamente relatados pelo Professor Crookes em seu Journal e produziram a maior impressão no mundo científico.
Alguns dos maiores espíritas, como Russel Wallace, Lord Rayleigh, o jovem e brilhante físico William Barrett, Cromwell Varley e outros tiveram confirmados os seus pontos de vista anteriores ou foram encorajados a avançarem por um novo caminho do conhecimento. Houve, entretanto, um grupo ferozmente intolerante, chefiado pelo fisiologista Carpenter, que zombou do assunto e facilmente imputou tudo desde a maluquice até a fraude de seu ilustre colega. A ciência oficial pos-se de fora da questão. Publicando o seu relatório, Crookes anexou as cartas nas quais pedia a Stokes, Secretário da Sociedade Real, que viesse ver as coisas com os próprios olhos. Recusando-o, Stokes colocou-se exatamente na mesma posição daqueles cardeais que não quiseram ver as luas de Júpiter pelo telescópio de Galileu.
Defrontando um fato novo, a ciência material se mostrou tão fanática quanto a teologia medieval.
Antes de deixar o assunto Katie King, algumas palavras devem ser ditas quanto ao futuro do grande médium, do qual aquela extraia o seu invólucro físico. Miss Cook tornou-se Mrs. Comer, mas continuou a exibir os seus admiráveis poderes. O autor conhece apenas um caso em que a honestidade de sua mediunidade foi posta em dúvida; foi quando ela foi pega por Sir George Sitwell e acusada de fingir-se de Espírito. O autor é de opinião que um médium de materializações deveria ser manietado, de modo que não pudesse vagar pela sala – e isto com o objetivo de proteger o próprio médium. É pouco provável que o médium se mova em transe profundo, mas em semitranse nada impede que inconsciente ou semiconscientemente, ou ainda obedecendo a uma sugestão dos assistentes, passeie fora da cabine. É um reflexo de nossa própria ignorância admitir que uma infinidade de provas pudessem ser comprometidas por um único episódio dessa natureza. É digno de nota, entretanto, a circunstância de que, nessa ocasião, os observadores concordaram que a figura estava de branco, enquanto que, ao ser agarrada, Mrs. Comer não estava de branco. Um investigador experimentado teria concluído que isso não era uma materialização, mas uma transfiguração, o que significa que o ectoplasma, sendo insuficiente para construir uma figura completa, foi usado para revestir o médium de modo que este pudesse carregar o simulacro. Estudando casos semelhantes, o grande investigador alemão Doutor Schrenck Notzing diz:
“Isto (uma fotografia) é interessante porque esclarece a gênese das chamadas transfigurações, isto é... o médium toma a si o papel de Espírito, esforçando-se para representar o caráter da pessoa em questão, revestindo-se do material fabricado. Essa fase de transição é encontrada em quase todos os médiuns de materialização. A literatura sobre tais casos registra um grande número de tentativas de fraude de médiuns que assim representavam Espíritos, como, por exemplo, a do médium Bastian pelo Príncipe Herdeiro Rudolph, a da médium de Crookes, Miss Cook, a de Madame d’Espérance, etc. Em todos esses casos o médium foi agarrado, mas os estojos usados para o disfarçar desapareceram imediatamente e não mais foram encontrados.”
Assim, parece que a verdadeira censura, em tais casos, deve ser dirigida mais aos assistentes negligentes do que à médium inconsciente.
A natureza sensacional das experiências de Crookes com Miss Cook e, sem dúvida, o fato de que eram mais acessíveis ao ataque, tenderam para fazer sombra aos resultados muito positivos com Home e com Miss Fox, que assentaram os dons desses médiuns sobre bases sólidas. Cedo Crookes deparou com as naturais dificuldades com que se encontram os investigadores, mas teve bastante senso para admitir que num assunto inteiramente novo a gente tem que se adaptar às condições e não abandonar o trabalho, aborrecido pelo fato de as condições não se adaptarem às nossas idéias preconcebidas. Assim, falando de Home, diz ele:
“As experiências que realizei foram muito numerosas mas, devido ao nosso imperfeito conhecimento das condições que favorecem ou não as manifestações dessa força, a aparentemente caprichosa maneira por que se exerce, e ao fato de que Mr. Home está sujeito a incontáveis flutuações dessa energia, só algumas vezes aconteceu que o resultado obtido numa ocasião fosse subsequentemente confirmado e verificado com aparelhos imaginados para tal fim”.
O mais notável desses resultados foi a alteração no peso dos objetos, posteriormente confirmada completamente pelo Doutor Crawford, trabalhando com o grupo Goligher, e também no curso da investigação Margery, em Boston. Objetos pesados tornavam-se leves e os leves tornavam-se pesados, pela ação de uma força invisível que parecia estar sob a influência de uma inteligência independente. Os controles por meio dos quais era eliminada toda possibilidade de fraude foram sempre usados nas experiências e devem convencer qualquer leitor liberto de preconceitos. O Doutor Huggins, muito conhecida autoridade em espectroscopia, e Serjeant Cox, o eminente jurista, reunidos com diversos outros assistentes, testemunharam as experiências. Entretanto, como já ficou dito, foi impossível a Crookes levar alguns dos mais eminentes homens de ciência a dar ao assunto ao menos uma hora de atenção.
O manejo de instrumentos de música, especialmente um acordeom, em condições que era impossível atingir as teclas, foi um outro fenômeno perfeitamente examinado e constatado por Crookes e seus distintos assistentes. Admitindo que o próprio médium fosse capaz de tocar o instrumento, o autor não se acha em condições de admitir que o fenômeno seja uma prova de uma inteligência independente. Uma vez garantida a existência de um corpo etérico, com membros correspondentes aos nossos, não há uma razão plausível por que não se realizasse um desdobramento parcial e por que os dedos etéricos não se aplicassem sobre as teclas enquanto os dedos materiais repousassem sobre os joelhos do médium. O problema se resolve simplesmente, então, admitindo-se que o cérebro do médium pode comandar os seus dedos etéricos e esses dedos podem adquirir a força suficiente para fazer pressão sobre as teclas. Muitos fenômenos psíquicos, como a leitura com os olhos vendados, o toque em objetos distantes, etc. podem, na opinião do autor, ser referidos ao corpo etérico e ser classificados antes como um materialismo elevado e sutil do que como Espiritualismo.
Acham-se numa classe muito distinta da dos fenômenos mentais, tais como as evidentes mensagens dos mortos, que constituem verdadeiramente o centro do movimento espírita.
Falando de Miss Kate Fox, diz o Professor Crookes: “Observei muitos casos em que, parece, a inteligência do médium participa largamente dos fenômenos.” E acrescenta que isto não ocorre de maneira consciente e desonesta, e continua: “Observei alguns casos que parecem indicar seguramente a ação de uma inteligência exterior, não pertencente a quem quer que seja presente na sala”.
Eis o ponto a que chegou o autor, e que é expresso por uma autoridade maior que a sua própria.
Os fenômenos que melhor ficaram estabelecidos na investigação de Miss Kate Fox foram o movimento de objetos a distância e a produção de sons percutidos ou batidas. Estas últimas cobriam uma larga escala: “leves batidas, sons agudos como os de uma bobina de indução em trabalho, detonações no ar, agudas pancadas metálicas, estalos como os de uma máquina de fricção, sons como de arranhaduras, chilrear de pássaros, etc.”
Todos quanto tivemos experiência com esses sons fomos obrigados a nos perguntar até onde estariam eles sob o controle do médium. O autor chegou à conclusão, como já ficou dito, de que até certo ponto estão sob o controle do médium e, daí por diante, não. Ele não pode esquecer o mal-estar e o embaraço de um grande médium camponês do norte quando, em presença do autor, batidas fortes e sons como os estalos dos dedos se fizeram ouvir em torno de sua cabeça na sala do café de um hotel em Doncaster. Se ele tivesse dúvidas de que as batidas eram independentes do médium, estas não teriam prevalecido naquela ocasião. A respeito da objetividade desses ruídos, diz Crookes de Miss Kate Fox:
“Parece que lhe basta pôr a mão sobre uma coisa para que se ouçam ruídos altos, como uma tríplice pulsação, por vezes tão altos que são ouvidos de outras salas. Assim os ouvi numa árvore, num pano de vidraça, num pedaço de fio de ferro, num pedaço de membrana, num tamborim, no forro de um tilbori, no piso de um teatro. Além disso não é necessária a permanência do contacto. Ouvi tais sons provenientes do chão, das paredes, etc., quando as mãos do médium e os pés eram seguros – quando ela estava de pé numa cadeira – quando ela estava num gancho presa do teto – quando presa numa jaula de ferro – e quando caía desmaiada num sofá. Ouvi-os numa caixa harmônica e os senti em meus ombros e debaixo das próprias mãos. Ouvi-os numa folha de papel, segura entre os dedos por um fio atravessado numa das pontas. Conhecendo todas as hipóteses aventadas, principalmente na América, para explicar tais sons, experimentei-as de todos os modos possíveis, até que não houve meio de fugir a convicção de que eram ocorrências reais, não produzidas por truques ou por meios mecânicos.”
Assim ficam liquidadas as lendas do estalo dos artelhos, da queda das maçãs e de outras explicações absurdas que têm sido aventadas para se compreenderem os fatos. Apenas é preciso dizer que os lamentáveis incidentes ligados aos últimos dias das Irmãs Fox de certo modo justificam aqueles que, sem conhecimento real dos fatos, tiveram a sua atenção voltada para aquele único episódio – que é abordado alhures.
Pensou-se por vezes que Crookes houvesse modificado as suas opiniões a respeito dos fenômenos psíquicos, segundo expressou em 1874. Pode-se, ao menos, dizer que a violência da oposição e a timidez dos que deviam tê-lo sustentado o alarmaram e o levaram a considerar em perigo a sua posição do ponto de vista científico. Sem buscar subterfúgios, ele esquivou-se. Recusou reeditar os seus artigos sobre o assunto e não quis que circulassem as fotografias maravilhosas nas quais o Espírito materializado de Katie King aparecia de braço com ele. Tornou-se excessivamente cauteloso em definir a sua posição. Numa carta citada pelo Professor Brofferio, diz ele:
“Tudo quanto me interessa é que seres invisíveis e inteligentes dizem que são Espíritos de pessoas mortas. Mas nunca tive provas de que sejam realmente as pessoas que dizem ser, como as exigia, para que pudesse acreditá-lo. Entretanto inclino-me a acreditar que muitos dos meus amigos tenham recebido, como declaram, as provas desejadas e eu próprio frequentemente me tenho inclinado para essa convicção”.
À medida que envelhecia, essa convicção se arraigou ou, talvez, se tornou mais consciente das responsabilidades que essas excepcionais experiências podem determinar.
Em seu relatório presidencial perante a Associação Britânica em 1898, em Bristol, Sir William se refere ligeiramente às suas primeiras pesquisas. E diz:
“Ainda não toquei num outro interesse – para mim o mais sério e o de maior alcance.
“Nenhum incidente em minha carreira científica é mais conhecido do que a parte que tomei durante anos em certas pesquisas psíquicas. Já se passaram trinta anos desde que publiquei um relatório das experiências tendentes a mostrar que fora do nosso conhecimento científico existe uma força utilizada por inteligências que diferem da comum inteligência dos mortais... Nada tenho de que me retratar. Confirmo minhas declarações já publicadas. Na verdade, muito teria que acrescentar a isto.”
Cerca de vinte anos mais tarde sua crença era ainda mais forte. Durante uma entrevista disse ele:
“Jamais tive que mudar de idéia a tal respeito. Estou perfeitamente satisfeito do que disse nos primeiros dias. É muito certo que um contacto foi estabelecido entre este mundo e o outro.”
Em resposta à pergunta se o Espiritismo não havia liquidado o velho materialismo dos cientistas, acrescentou:
“Penso que sim. Pelo menos ele convenceu a maioria do povo, que sabe alguma coisa relativa à existência do outro mundo”.
Por gentileza de Mr. Thomas Blyton, tive ultimamente a oportunidade de ver a carta de pêsames escrita por Sir William Crookes, por ocasião da morte de Mrs. Comer. É datada de 24 de abril de 1904, e nela diz: “Transmita a mais sincera simpatia de Lady Crookes e minha própria, à família, por essa perda irreparável. Acreditamos, como verdadeira crença, que os nossos entes queridos, ao passarem para o Além, ainda nos observam – e essa crença que deve muito de sua certeza à mediunidade de Mrs. Comer (ou Florence Cook, como aparecerá ela por vezes à nossa lembrança) – fortificará e consolará aqueles que aqui ficaram”. Anunciando a sua morte, disse a filha: “Ela morreu em grande paz e felicidade”.