O Espiritismo é um sistema de pensamento e de conhecimento que se pode conciliar com qualquer religião. Os fatos básicos são a continuidade da personalidade e o poder de comunicação após a morte. Estes dois fatos básicos são de tão grande importância para um brâmane, um maometano ou um parse, quanto para um cristão. Assim, o Espiritismo faz um apelo universal. Há apenas uma escola de pensamento com a qual é absolutamente irreconciliável: é a escola do materialismo, que sustenta o mundo em suas garras no presente e é a causa fundamental dos nossos infortúnios. Portanto, a compreensão e a aceitação do Espiritismo são essenciais à salvação da humanidade, que de outro modo está fadada a descer cada vez mais no puro utilitarismo e no ponto de vista egoísta do universo. O estado tipicamente materialista foi a Alemanha de pré-guerra, mas cada um dos outros modernos estados é do mesmo tipo, senão do mesmo grau.
Perguntarão por que não seriam as velhas religiões suficientemente fortes para recolher o mundo de sua degradação espiritual? A resposta é que todas tentaram mas todas falharam.
As Igrejas que as representam tornaram-se, até o extremo, formais, mundanas e materiais. Perderam todo o contacto com os fatos vivos do Espírito e se contentam a tudo referir ao passado e a fazer um serviço de preces e de culto externo num sistema tão antiquado e tão misturado com incríveis teologias que a mente honesta sente náuseas só em pensar. Nenhuma classe se mostra mais céptica e incrédula das modernas manifestações espíritas do que aquele próprio clero que professa a crença em ocorrências similares nos tempos passados; e a recusa de aceitá-las agora é a medida da sinceridade de sua profissão.
Tanto abusaram da fé que esta se tornou impossível para muitas mentes honestas, que pedem provas e conhecimento. É o que o Espiritismo fornece. Ele baseia a nossa crença na vida depois da morte e na existência de mundos invisíveis – e não sobre a velha tradição ou sobre vagas intuições, mas sobre fatos provados, de modo que uma ciência da religião deve ser constituída, para dar ao homem um caminho seguro através do pantanal dos credos.
Quando afirmamos que o Espiritismo pode conciliar-se com qualquer religião não queremos dizer que todas as religiões tenham o mesmo valor, ou que o ensino do Espiritismo por si só não possa ser melhor do que o Espiritismo misturado com qualquer outro credo.
Pessoalmente, o autor pensa que o Espiritismo sozinho satisfaz a todas as necessidades do homem; mas verifica que muitos homens de alto espírito, que foram incapazes de se desvencilharem de velhas convicções, também foram capazes de aceitar a nova verdade sem se desfazerem das velhas crenças. Mas se alguém tivesse como guia apenas o Espiritismo, não se encontraria numa posição oposta ao Cristianismo essencial, mas sim numa posição explanatória. Ambos reconhecem que o post-mortem é influenciado no seu progresso e na sua felicidade pela conduta aqui. Ambos professam a crença na existência de um mundo de Espíritos, bons e maus, que o Cristão chama anjos e demônios e que o Espiritismo chama de guias, controles e Espíritos atrasados. Ambos acreditam, em geral, nas mesmas virtudes, no desinteresse, na bondade, na pureza, na honestidade, que marcam um nobre caráter. Enquanto os espíritas consideram o fanatismo como uma séria ofensa, ele é acoroçoado pela maioria das seitas cristãs. Para os Espíritas todo caminho de elevação é recomendável e eles reconhecem plenamente que em todos os credos existem almas santas e altamente desenvolvidas, que receberam por intuição tudo quanto o espírita pode dar por ensino especial. A missão do espírita não é junto a estes. Sua missão é junto àqueles que abertamente se declaram agnósticos, ou junto a outros, mais perigosos, que professam alguma forma de credo, mas nem têm idéias, nem são agnósticos sinceros.
Do ponto de vista do autor, o homem que recebeu o grande benefício da nova revelação é aquele que diligentemente procurou toda a escala das crenças e as achou todas igualmente vastas. Então se encontra no Vale da Escuridão, com a Morte, no fim, à espera de nada mais que deveres comuns e normais como sua religião ativa. Essa condição produz muitos homens de mérito, da estirpe estóica, mas não os conduz à felicidade. Então vem a prova positiva da existência independente, por vezes súbita, por vezes em convicção lenta. A nuvem se foi para o fim de seu horizonte. Já não mais se acha no vale, mas sobre uma elevação, lobrigando uma série de elevações, cada qual mais bela que a anterior. Onde antes havia treva, existe agora a claridade. O dia dessa revelação tornou-se o dia de glória de sua vida.
Contemplando a excelsa hierarquia de seres espirituais que lhe são superiores, o espírita imagina de tempos em tempos que um outro grande arcanjo virá visitar a humanidade com uma missão de ensino e de esperança. Até a humilde Katie King, com a sua mensagem de humildade, dada a um grande cientista, era um anjo das alturas. Francisco de Assis, Joana D’Arc, Maomé, Bab-ud-Din e todo verdadeiro chefe religioso da História se encontram entre esses arcanjos. Mas acima de todos, de acordo com o nosso julgamento de ocidentais, estava Jesus, filho de um artesão judeu, a quem chamamos o Cristo. Não é para os nossos cérebros de mosquitos dizer qual o grau de divindade que havia nele, mas na verdade podemos dizer que Ele certamente estava mais próximo de Deus do que nós, e que o Seu ensino, de acordo com o qual o mundo ainda não agiu, é o mais altruísta, misericordioso e belo de quantos temos conhecimento, a não ser aquele de seu santo companheiro Buddha, que também foi um mensageiro de Deus, mas cujo credo é antes para as mentes orientais do que para as européias.
Quando, porém, lançamos o olhar sobre a mensagem do nosso inspirado Mestre, verificamos que há pouca relação entre os Seus preceitos e os dogmas e a ação de Seus atuais discípulos. Vemos também que muito daquilo que Ele ensinou naturalmente se perdeu, e que, para encontrar essa porção perdida, que não se achava escrita nos Evangelhos, temos que examinar as práticas da Igreja Primitiva, que era guiada por aqueles que com Ele tinham estado em íntimo contacto. Esse exame mostra que tudo quanto chamamos de Espiritismo Moderno parece ter sido familiar ao grupo do Cristo, que os dons do Espírito, exaltados por São Paulo, são exatamente os que exibem os nossos médiuns e que aquelas maravilhas que deram a convicção da realidade de um outro mundo à gente daqueles dias agora podem ser apreciadas e deveriam agora ter um efeito semelhante, se mais uma vez os homens procurassem a certeza sobre esse problema vital. Este assunto terá uma referência ligeira, bastando dizer que, longe de ter vagado pela ortodoxia, há boas razões para pensar que o espírita humilde e não dogmático, com as diretas mensagens espíritas, com a sua comunicação com os santos, e com a sua associação com aquele alto ensino que foi chamado Espírito Santo, está mais próximo do Cristianismo primitivo do que qualquer outra seita existente.
É muito interessante ler os primeiros documentos da Igreja e, principalmente, os escritos dos chamados Pais da Igreja e ver o ensino espírita e a prática espírita em voga naqueles dias.
Os primeiros cristãos viviam em íntimo e familiar contacto com os invisíveis, e sua absoluta fé e constância se baseavam num pessoal conhecimento positivo que cada um havia adquirido. Sabiam, não como especulação, mas como um fato absoluto, que a morte não significa mais que a passagem para uma vida mais ampla, que deveria ser chamada mais propriamente nascimento. Então não a temeriam absolutamente e a achariam antes como o Doutor Hodgson, quando exclamou: “Oh! como me custa a espera!” Tal atitude não afetou o seu trabalho e o seu valor neste mundo, o que é atestado pelos seus próprios inimigos. Se, nos dias que correm, os habitantes de terras distantes se mostram ainda piores quando convertidos ao Cristianismo, é porque o Cristianismo que abraçaram perdeu todo o poder e virtude que existia no primitivo.
Além dos primeiros Pais da Igreja, temos provas dos sentimentos dos primeiros cristãos nas inscrições das catacumbas. Um livro interessante sobre os cristãos primitivos de Roma, escrito pelo Reverendo Spencer Jones, Deão de Gloucester, trata parcialmente desses estranhos e patéticos registros. Tais inscrições têm a vantagem sobre todas as nossas provas documentárias de que não foram esquecidas e que não há possibilidade de interpolação.
Depois de ler centenas delas, diz o Doutor Jones: “Os primeiros cristãos falam da morte como se ainda estivessem vivos. Falam aos seus mortos.” Eis o ponto de vista atual dos espíritas – um ponto de vista de há muito perdido pelas Igrejas. Os túmulos dos primitivos cristãos apresentam um estranho contraste com os dos pagãos que os cercam. Estes sempre se referem à morte como uma coisa final, terrível e irrevogável. “Fuisti Vale!” resume os seus sentimentos. Por outro lado, os cristãos se referiam sempre à feliz continuação da vida. “Agape, viverás para sempre!” ou “Victorina está em paz e em Cristo!” ou ainda, “Que Deus renove o teu Espírito!” e “Vive em Deus”. Essas inscrições bastam para mostrar que um ponto de vista sobre a morte, novo e infinitamente consolador, tinha sido alcançado pela humanidade.
É de notar-se, ainda, que as catacumbas são uma prova da simplicidade dos primeiros cristãos, antes que ficassem incrustadas com toda sorte de definições complexas e de abstrações, que se espalharam do pensamento grego e bizantino e produziram grandes males no mundo. Um símbolo que predomina nas catacumbas é o Bom Pastor – a delicada idéia de um homem carregando um pobre cordeirinho. A gente pode perquirir as catacumbas dos primeiros séculos e nos milhares de dispositivos nada se encontra de um sacrifício cruento nem de um nascimento de virgem. Encontrar-se-á o Bom Pastor, a âncora da esperança, a palma do martírio e o peixe que era o anagrama do nome de Jesus.
Tudo indica uma religião simples. O Cristianismo era melhor quando se achava nas mãos dos humildes. Foram os ricos, os poderosos, os instruídos que o degradaram, que o complicaram, que o arruinaram.
Não é possível, entretanto, tirar nenhuma inferência psíquica das inscrições e desenhos das Catacumbas. Para isto devemos voltar aos Pais pré-nicenos, onde encontramos tantas referências que seria fácil compilar um pequeno livro que não contivesse mais que isso.
Temos, porém, que afinar os nossos pensamentos e as nossas palavras pelas suas, a fim de lhes aprendermos a inteira significação. Profecia, por exemplo, chamamos mediunidade, e um Anjo se transforma num Espírito elevado ou Guia. Tomemos a esmo alguns exemplos.
Na sua “De cura pro Mortuis”, diz Santo Agostinho: “Os Espíritos dos mortos podem ser mandados aos vivos, aos quais podem desvendar o futuro, que ficaram conhecendo por outros Espíritos ou pelos Anjos” (isto é, pelos guias espirituais) “ou pela revelação divina”. Isto é puro Espiritismo, exatamente como o conhecemos e definimos. Agostinho não teria falado nisso com tanta segurança nem com tanta justeza de definições se não tivesse tido o seu conhecimento familiar. Não há o menor indício de que isso fosse ilícito.
Ele volta ao assunto na sua “A Cidade de Deus”, onde se refere a práticas que permitem que o corpo etéreo de uma pessoa se comunique com os Espíritos e com os guias mais elevados e tenha visões. Aliás, essas pessoas eram médiuns – nome que apenas significa intermediário entre organismos encarnados e desencarnados.
São Clemente de Alexandria faz semelhantes alusões, como também São Jerônimo, em sua controvérsia com o gaulês Vigilantius. Este, porém, aparece em data posterior ao Concílio de Nicéia.
Hermas, figura mais ou menos apagada, que se diz ter sido amigo de São Paulo e discípulo direto dos apóstolos, é tido como o autor do livro “O Pastor”. Seja ou não apócrifa a autoria, o que é certo é que o livro foi escrito por alguém dos primeiros séculos do Cristianismo e, assim, representa as idéias predominantes. Diz ele: “O Espírito não responde a todas as perguntas nem a qualquer pessoa particular, porque o Espírito que vem de Deus não fala ao homem quando este quer, mas quando Deus o permite. Assim, quando um homem que tem um Espírito de Deus” (isto é, um controle) “vem a uma assembléia de fiéis e quando foi feita uma prece, o Espírito enche esse homem, que fala como Deus quer”.
Isto descreve com exatidão a nossa própria experiência psíquica, quando as sessões são bem dirigidas. Não invocamos Espíritos, como o afirmam de contínuo os críticos ignorantes e não sabemos o que virá. Mas pedimos, usando a expressão Pai Nosso, como uma regra, e aguardamos os acontecimentos. Então vem o Espírito que é escolhido e mandado e nos fala ou escreve através do médium. Como Agostinho, Hermas não teria falado com tanta precisão, se não tivesse experiência pessoal do processo.
Orígenes faz muitas alusões ao conhecimento psíquico. É curioso comparar a crassa ignorância dos nossos atuais dirigentes espíritas com a sabedoria dos antigos. Muitas citações poderiam ser feitas; basta, porém, uma curta, tomada da sua controvérsia com Celsus.
“Muita gente abraçou a fé cristã, a despeito de tudo, porque seus corações foram mudados subitamente por algum Espírito, quer em aparição, quer em sonho.”
Exatamente dessa maneira dirigentes materialistas, a começar pelo Doutor Elliotson, mudaram de idéia quanto à vida futura e quanto à sua relação com esta vida, pelo estudo dos fatos psíquicos.
Os primeiros Pais da Igreja é que são mais definidos neste particular, pois estavam mais perto da grande fonte psíquica. Assim, Irineu e Tertuliano, que viveram no fim do segundo século, estão cheios de alusões aos sinais psíquicos, enquanto Eusébio, escrevendo depois, verifica a sua escassez e lamenta que a Igreja se tenha tornado indigna deles.
Escreveu Irineu: “Ouvimos que muitos irmãos na Igreja possuem dons proféticos” (isto é, mediúnicos) “e falam, através do Espírito, diversas línguas e revelam, no interesse geral, coisas ocultas aos homens, explicando os mistérios de Deus”. Nenhuma passagem poderia descrever melhor as funções de um médium de alta classe.
Quando Tertuliano teve a sua grande controvérsia com Márcio, tomou os dons mediúnicos para um teste da verdade entre os dois contendores. Proclamou que estes se materializavam em maior profusão do seu lado, e entre essas manifestações inclui a fala em transe, a profecia e a revelação de coisas secretas. Assim, coisas que agora são ridicularizadas ou condenadas por tantos padres, no ano 200 eram a pedra de toque do Cristianismo.
Também diz Tertuliano em seu “De Anima”: “Temos hoje entre nós uma irmã que da natureza recebeu os dons da revelação que ela exerce em Espírito na Igreja, entre os ritos de “Dia do Senhor”, caindo em êxtase. Conversa com os anjos” (isto é, com Espíritos elevados) “vê e ouve mistérios e lê os corações de certas pessoas, curando os que o pedem. Entre outras coisas, disse ela, me foi mostrada uma alma, em forma corpórea, e parecia um Espírito, mas não um vazio ou uma coisa vaga. Pelo contrário, parecia que podia ser tocada, era macia, luminosa, da cor do ar e de forma humana em todos os detalhes.”
Uma mina de informações sobre os pontos de vista dos cristãos primitivos é encontrada nas “Constituições Apostólicas”. É verdade que não são apostólicas, mas Whiston, Krabbe e Bunsen concordam que pelo menos sete dos oito livros são autênticos documentos pré-nicenos, provavelmente do começo do terceiro século. Seu estudo revela fatos curiosos. O incenso e as lâmpadas votivas eram usados em seus serviços, assim justificando as atuais práticas católicas. Por outro lado, os bispos e os sacerdotes eram casados. Havia um elaborado sistema de represálias contra quem quer que transgredisse as regras da Igreja. Se um clérigo comprasse um bem era cortado, bem como qualquer homem que obtivesse posição eclesiástica pela proteção mundana. Não havia cogitação de um Bispo superior ou Papa. O vegetarianismo e a completa abstinência de vinho eram proibidos e castigados. Essa última lei muito interessante provavelmente nasceu de uma reação contra alguma heresia que impunha a ambas. Um clérigo apanhado numa taverna era suspenso. O clero devia comer carne sem sangue, à maneira judaica. O jejum era frequente e rigoroso – um dia por semana (ao que parece nas sextas-feiras) e quarenta dias na quaresma.
Entretanto, é discutindo esses dons ou variadas formas de mediunidade que esses documentos derramam luz sobre os assuntos psíquicos. Então, como agora, a mediunidade tomava diversas formas, como o dom das línguas, o poder curador, a profecia e outras. Diz Harnack que em cada Igreja Cristã primitiva havia três mulheres superiores: uma para curas e duas para profecias. Tudo isso é livremente discutido nas “Constituições”. Parece que aqueles que tinham dons se consideravam superiores aos outros; então eram advertidos de que um homem pode ter dons sem possuir grandes virtudes, de modo que é espiritualmente inferior a muitos que não possuem dons.
Como no Espiritismo moderno, o objetivo dos fenômenos é a conversão dos descrentes e não um entretenimento dos ortodoxos. “Não são para as vantagens dos que os realizam, mas para a convicção dos descrentes; para aqueles a quem uma palavra não persuada, mas a força dos sinais pode envergonhar, pois os sinais não são para os que acreditam, mas para os descrentes, tanto judeus, quanto gentios” (Constituições, Livro 8º, Seção 1).
Depois os vários dons, que em geral correspondem às nossas diferentes formas de mediunidade, são apresentados como segue:
“Portanto, ninguém que produz sinais e maravilhas julgue fiel a quem não é considerado como tal. Porque os dons de Deus que são concedidos através de Cristo são vários e uns recebem estes, outros recebem aqueles. Porque talvez este receba a palavra de sabedoria” (fala em transe) “e aquele a palavra do conhecimento” (inspiração); “uns distinguem os Espíritos” (clarividência), “outros o conhecimento antecipado de coisas vindouras, outros a palavra de ensino” (incorporação de Espíritos) “enfim outros um longo sofrimento.” Todos os nossos médiuns necessitam desses dons.
Bem se pode perguntar onde, fora do Espiritismo, se acham esses dons ou essas observâncias? em que Igrejas que se dizem ramos desse velho tronco?
Continuamente são observadas altas presenças espirituais. Assim, na “Ordenação dos Bispos” encontramos: “O Espírito Santo também presente, do mesmo modo que os santos e os Espíritos oficiantes”. Em conjunto, entretanto, eu diria que temos agora maior soma de fatos espíritas do que os autores das “Constituições” e que provavelmente esses documentos representam um declínio daquela íntima “Comunhão de Santos” que existia no primeiro século. Há razões para pensar que a força psíquica não seja fixa: que venha em ondas de alta e baixa maré. Presentemente estamos em maré montante, mas não sabemos quanto tempo durará.
Pode-se dizer razoavelmente que, desde que o conhecimento dos fatos relacionados com a história da Igreja primitiva é tão limitado, talvez se pudesse entrar em contacto com alguma Inteligência elevada que tivesse tomado parte naqueles acontecimentos, assim oferecendo uma suplementação às nossas escassas fontes de informações. Isto atualmente tem sido feito em várias mensagens inspiradas e ainda quando as provas deste livro estavam sendo corrigidas houve um interessante desenvolvimento que torna claro para todo o mundo quanto deve ser estreita a conexão entre as comunicações com o outro mundo e a religião. Duas longas mensagens apareceram recentemente, pela mão de uma médium semiconsciente, Miss Cummins, mensagem esta que foi dada na velocidade de duas mil palavras por hora. A primeira é tomada como um relato da missão de Cristo, do evangelista Felipe, e a segunda é um suplemento dos Atos dos Apóstolos, que se supõe ditada por Cleofas, que ceou com o Cristo ressuscitado em Emaús. A primeira foi publicada e a segunda breve será dada ao público.
Até onde o autor pode saber, nenhuma crítica foi feita ao escrito de Felipe, mas a sua leitura cuidadosa o convenceu de que pela dignidade e pela força ela merece ser aceita como tal, porque explica de modo claro e adequado muitos pontos que haviam intrigado os comentaristas. O caso do escrito de Cleofas é, entretanto, ainda mais admirável e o autor se inclina a aceitá-lo como o mais elevado documento e um dos mais evidentes sinais de origem supranormal em toda a história do movimento. Ele foi submetido ao Doutor Oesterley, Capelão Examinador do Bispo de Londres, que é uma das maiores autoridades sobre a história e a tradição da Igreja. Este declarou que aquele documento apresenta todos os indícios de ser da mão de alguém que viveu naqueles dias e que se achava em íntimo contacto com o grupo apostólico. Muitos pontos sutis e de erudição podem ser observados, tais como o emprego do nome hebraico Hanan, como sendo o do Sumo Sacerdote, quando este só é conhecido aos leitores da língua inglesa através do seu equivalente grego Anuas. Este é um entre os inúmeros pontos de corroboração, praticamente acima da capacidade dos falsificadores. Entre outros pontos interessantes Cleofas descreve a festa de Pentecostes e declara que os Apóstolos se sentaram em círculo, com as mãos dadas, como lhes havia ensinado o Mestre. Na verdade seria interessante que a significação interna do Cristianismo, há tanto tempo perdida, fosse agora descoberta mais uma vez, pelo culto ridicularizado e perseguido, cuja história é aqui registrada.
Esses dois escritos representam, na opinião do autor, duas das mais convincentes provas da comunicação dos Espíritos jamais obtidas, do ponto de vista mental. Parece impossível explicá-los de outra maneira.
Tanto os Espíritas da Inglaterra quanto os dos outros países podem ser divididos em dois grupos: os que permanecem em suas respectivas Igrejas e os que formaram a sua própria Igreja. Estes últimos têm na Inglaterra cerca de quatrocentos pontos de reunião, sob a direção geral da União Nacional Espírita. Há uma grande elasticidade quanto aos dogmas e, enquanto muitas das Igrejas são Unitárias, uma importante minoria delas são de linha cristã. Pode-se dizer que se acham em geral unidas dentro de sete princípios centrais, que são:
1) A Paternidade de Deus.
2) A Fraternidade do Homem.
3) A Comunhão dos Santos e o Ministério dos Anjos.
4) A Sobrevivência humana à morte física.
5) A Responsabilidade Pessoal.
6) A Compensação ou retribuição pelo bem ou pelo mal feito.
7) O progresso eterno aberto a cada alma.
Vê-se que todos esses pontos são compatíveis com o Cristianismo comum, com exceção, talvez, do quinto. Os Espíritas consideram a vida terrena do Cristo e a sua morte como um exemplo antes que uma redenção. Cada um responde por seus pecados e ninguém subtrair-se-á à sua responsabilidade por um apelo a algum sacrifício sacerdotal. Não é possível que o tirano ou o debochado pelo truque espiritual do falso arrependimento, escape ao justo castigo.
Um verdadeiro arrependimento o auxilia, mas a dívida será paga do mesmo modo. Ao mesmo tempo a misericórdia de Deus é maior do que o homem a imagina e todas as possíveis circunstâncias atenuantes de tentação, hereditariedade e meio ambiente serão devidamente consideradas antes que ele seja punido. Tal é, em poucas palavras, a posição das Igrejas Espíritas.
Em outro lugar o autor mostrou que, conquanto a pesquisa psíquica, em si mesma, seja muito diversa da religião, as deduções que daí poderemos tirar e as lições que podemos aprender “ensinam-nos a vida contínua da alma, a natureza dessa vida e como ela é influenciada por nossa conduta terrena. Se isto é diferente da religião, devo confessar que não entendo essa distinção. Para mim é religião – a sua mesma essência”. O autor também falou do Espiritismo como uma grande força unificadora, talvez a única coisa ligada a cada religião, cristã ou não. Enquanto o seu ensino modificaria profundamente o Cristianismo convencional, as modificações seriam antes no sentido da explanação e do desenvolvimento, do que da contradição. Também se referiu à nova revelação como absolutamente fatal para o materialismo.
Nessa época materialista deve-se dizer que, sem uma crença na sobrevivência do homem após a morte, a mensagem do Cristianismo cai, em grande parte, em ouvidos moucos. Em seu relatório presidencial à Sociedade Americana de Pesquisas Psíquicas, o Doutor McDougall destaca a conexão entre o colapso da religião e a propagação do materialismo. Diz ele:
“A menos que a Pesquisa Psíquica... possa descobrir fatos incompatíveis com o materialismo, este continuará a se espalhar. Nenhuma outra força detê-lo-á; a religião revelada e a filosofia metafísica são igualmente inócuas à frente de sua maré montante. E se essa maré continua enchendo e avançando, como agora, todos os sinais indicam que será uma maré de destruição, que varrerá todas as árduas conquistas da humanidade, todas as tradições morais construídas pelos esforços de incontáveis gerações para o crescimento da verdade, da justiça e da caridade.”
É, pois, importante procurar ver em que grau o Espiritismo e a pesquisa psíquica tendem a induzir ou a reforçar a crença religiosa.
Em primeiro lugar temos muitos testemunhos para a conversão de materialistas, através do Espiritismo, a uma crença no depois da morte, como, por exemplo, o Professor Robert Hare e o Professor Mapes, na América, o Doutor Alfred Russel Wallace, o Doutor Elliotson, o Doutor Sexton, Robert Blatchford, John Ruskin e Robert Owen, na Inglaterra. Muitos outros podem ser mencionados.
Se o Espiritismo fosse devidamente compreendido, haveria poucas dúvidas a respeito de sua harmonia com a religião. A definição do Espiritismo, impressa em cada edição do jornal Light, órgão hebdomadário dos Espíritas de Londres, é a seguinte:
“Uma crença na existência e na vida do Espírito separado e independente do organismo material, e na realidade e no valor da inteligente comunicação entre os Espíritos encarnados e os desencarnados.”
As duas crenças aí expressas são artigos da fé cristã.
Se, acima de todas as classes, uma há que deve ser capaz de falar com autoridade sobre as tendências religiosas do Espiritismo, esta é o clero. Muitos dos mais progressistas têm externado seus pontos de vista sobre o assunto em termos precisos. Examinemos os seus depoimentos:
O Reverendo H. R. Haweis, M. A., numa conferência feita a 20 de abril de 1900, na Aliança Espírita de Londres, disse que ali tinha vindo para dizer que nada via naquilo que acreditava fosse o verdadeiro Espiritismo que fosse de qualquer maneira contrário ao que ele crê que seja o verdadeiro Cristianismo. Na verdade, o Espiritismo se ajusta perfeitamente ao Cristianismo; parecia um legítimo desenvolvimento, e não uma contradição – não um antagonista... A dívida do clero – se ele conhecesse o seu dever – para com o Espiritismo, era realmente muito grande. Em primeiro lugar, o Espiritismo havia reabilitado a Bíblia. Nem por um momento poderia ser negado que aquela fé e aquele respeito pela Bíblia estavam morrendo, em consequência das crescentes dúvidas do povo em relação às partes miraculosas da Bíblia. Os, apologistas se curvavam inteiramente ante a beleza da doutrina cristã, mas não podiam engolir o elemento miraculoso do Velho Testamento, nem do Novo. Pediam-lhes que acreditassem nos milagres da Bíblia e, ao mesmo tempo, ensinavam que fora do que está na Bíblia, nada de supernatural poderia acontecer. Mas agora a coisa mudou. O povo agora acredita na Bíblia devido ao Espiritismo; não acreditava no Espiritismo por causa da Bíblia. Disse mais: que quando havia iniciado o seu ministério tinha tentado livrar-se dos milagres fora da Bíblia, explicando-os à parte. Mas depois achou que não os podia explicar fora das pesquisas de Crookes, de Flammarion, de Alfred Russel Wallace.
O Reverendo Arthur Chambers, outro vigário de Brockenhurst, Hants, fez um valioso trabalho levando alguns homens a considerarem a sua vida espiritual, aqui e no além. Seu livro “Nossa Vida Após a Morte” chegou a cento e vinte edições. Numa conferência sobre “O Espiritismo e a Luz que lança sobre a verdade cristã”, diz:
“Por sua persistente investigação dos fenômenos psíquicos, por sua aberta insistência de que as comunicações entre os dois mundos é atualmente um fato, o Espiritismo arrastou grandes massas de criaturas a realizar que “há mais coisas entre o céu e a terra do que antes pensaram em sua filosofia”, e fez que muitos, homens e mulheres, entendessem uma poderosa verdade tecida com a religião – uma verdade fundamental para uma correta compreensão de nosso lugar no grande universo – uma verdade a que a humanidade de todos os tempos se agarrou, a despeito do desdém dos incrédulos e da condenação dos professores de religião. Vem-me à mente, em conclusão, o pensamento de uma maneira particular pela qual os ensinos espíritas ergueram as idéias religiosas da era que passa. Ele nos ajudou a formar uma idéia maior e mais verdadeira de Deus e de Seus desígnios.”
Em outra brilhante passagem diz:
”Sim, o Espiritismo fez muito, muitíssimo por uma compreensão melhor daqueles grandes fatos básicos que são inseparáveis do Evangelho de Jesus. Ajudou aos homens e mulheres a ver com visão mais clara o Grande Espírito Pai – Deus, no qual vivemos, movemo-nos e temos o nosso ser, e aquele vasto universo espiritual, do qual somos agora e já devemos constituir um elemento. Como espírita cristão, tenho uma grande esperança – uma grande convicção do que será – isto é, que o Espiritismo, que tanto fez pelo ensino cristão e, de um modo geral, pelo mundo, ajudando a afugentar o temor da morte, e auxiliando-nos a compreender aquilo que foi o ensino magnífico do Cristo, reconhecerá completamente aquilo que o Cristo representa, à luz das verdades espíritas.”
Depois Mr. Chambers acrescentou que tinha recebido algumas centenas de cartas de todas as partes do mundo, de escritores que lhe exprimiam o alívio e o conforto, assim como uma crença maior em Deus, que lhes tinha vindo pela leitura de seu livro “Nossa Vida Depois da Morte”.
O Reverendo F. Fielding-Ould, M. A., Vigário da Igreja de Cristo, Regent’s Park, Londres, é outro que proclama redondamente o bom trabalho feito pelo Espiritismo. Numa conferência a 21 de abril de 1921, sobre “Relação entre o Espiritismo e o Cristianismo” diz ele:
“O mundo necessita de ensino espírita. O número de criaturas irreligiosas hoje em Londres é de causar espanto. Há um imenso número de criaturas de todas as classes sociais – e falo com experiência própria – absolutamente sem religião. Não foram, nunca vão à Igreja para o serviço comum, e em consciência e por hábito pensam que a morte é o fim. Nada existe além, a não ser um espesso nevoeiro, no qual a sua imaginação é proibida de vagar. Podem dizer-se da Igreja da Inglaterra, da Romana, da Hebraica, mas são como garrafas vazias numa adega e que ainda conservam os rótulos de safras famosas.”
E acrescenta:
“Não é raro que almas desesperadas e em luta sejam socorridas por meio do Espiritismo.
“Não conhecemos todas as criaturas que haviam abandonado toda crença e que voltaram por aquele meio? Agnósticos que haviam perdido toda a esperança em Deus e na imortalidade, a quem a religião parecia mera formalidade e um esqueleto e que finalmente voltaram-se contra o agnosticismo e o injuriaram em todas as suas manifestações. Então lhes veio o Espiritismo como uma aurora a um homem que passou a noite febril e sem sono. A princípio ficaram admirados e incrédulos, mas sua atenção se fixou: depois foram tocados no coração. Deus tinha voltado às suas vidas e nada poderia exprimir a sua alegria e a sua gratidão”.
O Reverendo Charles Tweedale, Vigário de Weston, Yorkshire, um homem que tem trabalhado heroicamente a sua causa, refere-se a um exame do Espiritismo pela Conferência dos Bispos, realizada em Lambeth Palace, de 5 de julho a 7 de agosto de 1920; e, falando da moderna pesquisa psíquica, diz:
“Enquanto o mundo, em geral, se encheu com ávido interesse de despertamento, a Igreja, que pretende ser a guarda da verdade religiosa e espiritual, por mais estranho que pareça, até bem pouco tempo fez ouvidos moucos a todas as modernas provas relativas à realidade daquele mundo espiritual cujo testemunho é o objeto principal de sua existência; e mesmo agora apenas dá fracos sinais de que se dá conta da importância que o assunto tem para ela...
“Um importante sinal dos tempos foi a discussão dos fenômenos psíquicos na Conferência de Lambeth e a apresentação, pelo secretário, da minha brochura “Os Fenômenos Espíritas Atuais e as Igrejas”, passando-a às mãos de todos os Bispos, com o consentimento do Arcebispo. Outro sinal significativo dos tempos é a escolha de Sir William Barrett para fazer uma conferência no Congresso das Igrejas, sobre assuntos psíquicos.”
O relatório dos Proceedings sobre a Conferência de Lambeth, já mencionada, assim se refere à pesquisa psíquica:
“É possível que estejamos no limiar de uma nova ciência que, por outro método de trabalho, nos confirmará a crença em um mundo por detrás e acima do mundo que vemos e em algo dentro de nós, por meio do qual nos pomos em contacto. Jamais poderíamos imaginar em pôr um limite aos meios de que Deus se serve para trazer ao homem a realidade da vida espiritual.”
Tendo feito suas declarações precavidas, o relatório salta para um lugar seguro, adicionando uma condicional:
“Mas nada existe no culto erguido a esta ciência que valorize; há, na verdade, muita coisa que obscurece a significação daquele outro mundo e as nossas relações com ele, como desdobradas no Evangelho do Cristo e no ensino da igreja, e que deprecia os meios que nos foram dados para atingir e viver em camaradagem com aquele mundo.”
Sob o título de “Espiritismo”, diz o relatório:
“Conquanto reconhecendo que os resultados de investigações tenham animado muita gente a descobrir uma significação espiritual e um objetivo na vida humana e os conduzido a pensar na sobrevivência à morte, graves perigos se vêem na tendência para transformar o Espiritismo numa religião. A prática do Espiritismo como um culto envolve a subordinação da inteligência e da vontade a forças desconhecidas ou a personalidades e, por isso mesmo, a uma abdicação do autocontrole.”
Um conhecido colaborador de Light, que usa o pseudônimo de Gerson, assim comenta a passagem acima:
“Sem dúvida, há um perigo na “subordinação da inteligência e da vontade a forças desconhecidas ou a personalidades”, mas a prática das comunicações espíritas necessariamente não envolve, como parece que pensam os Bispos, uma tal subordinação.
Outro perigo, no seu modo de ver, é a “tendência para transformar o Espiritismo numa religião.” Light e aqueles que se associam à sua atitude, jamais sentiram inclinação para isso. A possibilidade de comunicação espírita é um fato da natureza e não concordamos em elevar nenhum fato da natureza em religião. Ao mesmo tempo uma elevada forma de religião pode ser associada com um fato da natureza. O reconhecimento da beleza e da ordem no universo em si mesmo não constitui religião, mas pelo fato de inspirar reverência pela fonte daquela beleza e daquela ordem é um auxílio ao Espiritismo religioso.”
No Congresso da Igreja inglesa em 1920, o Reverendo M. A. Bay. Field leu um trabalho sobre “A Ciência Psíquica, Aliada do Cristianismo”, no curso do qual disse o seguinte:
“Muitos clérigos olham com suspeita a ciência psíquica e alguns com positivo antagonismo e alarme. Sob o seu nome popular o Espiritismo chegou até a ser denunciado como anticristão. Ele deveria esforçar-se por mostrar que esse ramo de estudos era, em conjunto, um aliado de nossa fé. Quem quer que não seja materialista é espiritualista e o próprio Cristianismo era uma religião essencialmente espírita”.
E prosseguiu para se referir ao serviço prestado pelo Espiritismo ao Cristianismo, tornando possível a crença no miraculoso elemento do Evangelho.
O Doutor Edwood Worcester, num sermão sob o título de “Os Aliados da Religião” feito na Igreja de St. Stephen, em Filadélfia, a 25 de fevereiro de 1923, falou da pesquisa psíquica como uma verdadeira amiga da religião e uma aliada espiritual do homem. Disse ele:
“Ele também ilumina acontecimentos importantes na vida do Senhor e nos ajuda a compreender e a aceitar as ocorrências que de outro modo seriam rejeitadas. Particularmente penso nos fenômenos concomitantes com o batismo de Jesus, Seu aparecimento no mar da Galiléia, Sua transfiguração e, acima de tudo, a Sua ressurreição, e o aparecimento aos Seus discípulos. Além disso, é a única real esperança que temos de resolver o problema da morte. De nenhuma outra fonte temos uma nova solução para esse eterno mistério que nos atinge.”
O Reverendo G. Vale Owen lembra-nos que conquanto haja Espíritas que são distintamente cristãos espíritas, o Espiritismo não está confinado ao Cristianismo. Há, por exemplo, uma Sociedade Espírita Judia em Londres. A princípio, a Igreja considerava a Evolução uma adversária, mas finalmente aceitou-a, por estar de acordo com a fé cristã. E assim conclui:
“Assim como a aceitação da Evolução deu ao Cristianismo uma mais larga e mais digna concepção da Criação e do Criador, também a aceitação das grandes verdades sustentadas pela ciência psíquica transformarão um agnóstico num crente em Deus, tornarão um judeu num judeu melhor, um maometano num melhor maometano, um cristão num cristão melhor e, certamente, uma criatura mais feliz e mais alegre”.
Desses resumos se vê claramente que alguns clérigos da Igreja da Inglaterra e de outras Igrejas eram concordes quanto à influência benéfica do Espiritismo na religião.
Há outra importante fonte de informações sobre as opiniões relativas às tendências religiosas do Espiritismo. É a do próprio mundo espírita. Há aí abundante material, mas devemos contentar-nos com uns poucos resumos. O primeiro é do conhecido livro “Ensinos Espiritualistas”, dados através da mediunidade de Stainton Moses:
“Amigo, se outros lhe perguntam da utilidade de nossa mensagem, e do benefício que ela pode oferecer àqueles a quem o Pai a manda, diga-lhe que é um evangelho que revelará um Deus de ternura, de piedade e de amor e não uma falsa criação da brutalidade, da crueldade e das paixões.
“Diga-lhes que ela os levará ao conhecimento de Inteligências cuja vida inteira é de amor, de misericórdia e de piedade, de valioso auxílio ao homem, combinada com a adoração do Supremo.”
Ou esta outra, da mesma fonte:
“Gradualmente o homem foi construindo em torno dos ensinos de Jesus um muro de deduções, de especulações e de comentários materiais, semelhante àquele com que os fariseus haviam cercado a lei mosaica. A tendência crescente foi para o aumentar à medida que o homem perdia de vista o mundo espiritual. De modo que chegamos a um duro e frio materialismo deduzido de ensinos que foram oferecidos para respirar espiritualidade e para eliminar um ritual sensual.
Nossa tarefa é fazer com o Cristianismo aquilo que Jesus fez com o Judaísmo. Teríamos que tomar as velhas fórmulas e espiritualizar o seu significado, infundindo-lhes uma nova vida. Ressurreição e não abolição – eis o que desejamos. Dizemos mais uma vez que não abolimos um jota ou um til dos ensinos que Jesus deu ao mundo. Apenas varremos os comentários materiais do homem e vos mostramos o significado espiritual oculto, que foi esquecido... Nossa missão é a continuação daquele velho ensino que estranhamente foi alterado pelo homem. Sua fonte é a mesma; seu curso paralelo; sua finalidade a mesma.”
E esta, das “Cartas de Júlia”, de W. T. Stead:
“Tivestes ensinos sobre a comunhão dos santos; dizeis e cantais de todas as maneiras que os santos acima e abaixo são um exército do Deus Vivo, mas quando um de nós deste Outro Lado procura fazer um esforço prático para vos capacitar da Unidade e vos fazer sentir que sois acompanhados por tamanha nuvem de testemunhas, então há um clamor geral. É contra a vontade de Deus! É um pacto com os demônios! É uma conjura com Espíritos maus. Oh! meu amigo, meu amigo, não vos impressioneis com esses gritos especiosos. Sou um demônio? Sou um Espírito familiar? Estarei fazendo algo contrário à vontade de Deus, quando constantemente, constantemente procuro vos inspirar mais fé nele, mais amor por Ele, por todas as suas criaturas e, em resumo, procuro trazer-vos para mais perto de Deus? Sabeis que faço tudo isso. É a minha alegria e a lei de meu ser.”
E, finalmente, este resumo das “Mensagens de Meslom”:
“Qualquer ensino que ajude a humanidade a crer que há uma outra vida e que a alma é fortificada lutando com denodo e vencendo fraquezas é bom, porque encerra aquela verdade fundamental. Se, além disso, revelar um Deus de amor, tanto melhor; e se a humanidade pudesse compreender esse Amor Divino, todo sofrimento, mesmo na Terra, cessaria.”
Estas passagens de tom elevado tendem a dirigir a mente do homem para coisas mais altas e para a compreensão de um mais profundo objetivo da vida.
A fé que F. W. H. Myers havia perdido no Cristianismo foi restaurada pelo Espiritismo.
Em seu livro “Fragmentos de Prosa e Poesia”, num capítulo sob o título de “A Fé Final”, diz ele:
“Não posso, num sentido profundo, contrastar a minha crença atual com o Cristianismo. Considero-a antes um desenvolvimento científico da atitude e do ensino do Cristo.
“Perguntareis qual a tendência moral de todos esses ensinos – e a resposta é surpreendentemente simples e concisa: A tendência é, poder-se-ia dizer, aquilo que deve ser inevitavelmente – aquilo que a tendência de todo ensino moral vital tem sido sempre – a mais antiga e a mais verdadeira tendência do próprio Cristianismo. É uma reasserção – pesada agora com novas provas – da insistência do Cristo sobre a realidade da vida interior; de sua proclamação de que a letra mata mas o Espírito vivifica, de seu resumo de que toda a moral está no amor a Deus e ao próximo.”
Muitos escritores têm-se referido à luz que a pesquisa psíquica tem lançado sobre a narrativa bíblica, mas a melhor expressão desse ponto de vista se encontra na “Personalidade Humana” de F. W. H. Myers:
“Arrisco agora uma declaração audaciosa: prevejo que em consequência às novas provas, todos os homens razoáveis, daqui a um século, acreditarão na Ressurreição do Cristo, enquanto que, à falta de novas provas, daqui a um século nenhum homem razoável o acreditaria... E, principalmente quanto à afirmação central, da vida manifesta da alma após a morte do corpo, é claro que cada vez menos será sustentada apenas pela remota tradição; que deve ser, cada vez mais, provada pela experiência moderna e pela investigação. Suponhamos, por exemplo, que reunimos muitas dessas histórias, registradas em provas de primeira mão nessa época de crítica; e suponhamos que todas essas narrativas não resistam à análise; que todas possam ser tomadas como alucinações, incorreções ou outras persistentes fontes de erro. Podemos, então, esperar que homens razoáveis acreditem que esse maravilhoso fenômeno, que sempre se dilui no nada quando rigorosamente analisado na moderna cena inglesa, deva ainda conduzir à adoração religiosa, por se dizer que ocorreu num país do Oriente e numa era remota e supersticiosa? Se, em resumo, os resultados da “Pesquisa Psíquica” tivessem sido puramente negativos, não teria a evidência cristã – não digo a emoção cristã, mas a evidência cristã – recebido um golpe esmagador?”
Podem citar-se muitos testemunhos de eminentes homens públicos. Assim escreve Sir Oliver Lodge:
“Conquanto não tenha sido por minha fé religiosa que fui levado a minha situação presente, não obstante tudo quanto aprendi tende a aumentar meu amor e veneração pela personalidade que é a figura central do Evangelho.”
Lady Grey of Fallodon rende um eloquente tributo ao Espiritismo, descrevendo-o como algo que vitalizou a religião e levou conforto a milhares de pessoas. Falando dos espíritas, diz:
“Como um corpo de trabalhadores, estão mais ligados ao Espírito do Novo Testamento do que muita gente da Igreja poderia pensar. A Igreja da Inglaterra deveria considerar o Espiritismo como valioso aliado. Ele faz um ataque frontal ao Materialismo e não só identifica o universo material com o espiritual, mas tem uma reserva de conhecimentos úteis e de conselhos.”
E acrescenta:
“Nele encontro uma corrente vitalizante que traz um sopro de vida às velhas crenças...
“O mundo que estamos acostumados a associar com as Sagradas Escrituras é, em essência, idêntico à mensagem que nos vem nestes últimos escritos. Aqueles de nós que trazem a Nova Revelação no coração, sabem que o Espiritismo oferece uma compreensão moderna da Bíblia e é por isto que – se as Igrejas apenas o vissem – ele deve ser considerado o grande aliado da religião.”
São palavras verídicas e corajosas.
Mostra o Doutor Eugene Crowell que a Igreja Católica Romana sustenta que as manifestações espíritas ocorrem constantemente sob a divina autoridade da Igreja; mas as Igrejas Protestantes, conquanto professando a crença de que as manifestações espíritas ocorreram com Jesus e os seus discípulos, repudia similares acontecimentos em nossos dias. E diz:
“Assim a Igreja Protestante, quando procurada pelos famintos espirituais – e há milhões nessas condições, das profundidades de cuja natureza se ergue uma poderosa demanda de alimento espiritual, – nada tem para oferecer, ou, pelo menos, nada mais que cascas...
“Hoje se encontra o Protestantismo premido entre as mós do Materialismo e do Catolicismo. Cada uma dessas forças sobre ele vem exercendo uma pressão crescente e ele deve penetrar-se de uma ou de outra, ou será reduzido a pó. Nas suas condições atuais falta-lhe a necessária força e vitalidade para resistir à ação dessas forças e sua única esperança está no sangue novo que só o Espiritismo é capaz de injetar em suas veias esgotadas. Acredito piamente que esta é parte da missão que o Espiritismo tem que realizar; e essa crença se baseia nas necessidades palpáveis do Protestantismo, e numa clara concepção da adaptabilidade do Espiritismo a essa tarefa, bem como a sua habilidade para a realizar.”
Declara o Doutor Crowell que a difusão do conhecimento não diminuiu a curiosidade do homem moderno pelas questões relativas à sua vida espiritual e à existência futura; mas hoje eles querem prova daquilo que outrora era aceito pela fé. A teologia é incapaz de fornecer esta prova e milhões de mentes alertas, diz ele, ficam reservadas, à espera de provas satisfatórias.
O Espiritismo – sustenta ele – foi mandado para dar essa prova, que de nenhuma outra fonte será fornecida.
Algumas referências deveriam ser feitas ao ponto de vista dos Espíritas Unitários, O seu habilíssimo e sincero dirigente é Ernest W. Oaten, editor de The Two Worlds. O ponto de vista de Mr. Oaten, que é esposado por todos, exceção de um pequeno grupo de extremistas, é antes de uma reconstrução do que de uma destruição do ideal cristão. Depois de um relato muito respeitoso da vida de Cristo, conforme a explicação por nosso conhecimento psíquico, continua ele:
“Dizem que desprezo a Jesus de Nazaré. Confio mais no julgamento do Mestre do que no dos homens. Penso, porém, que conheço sua vida mais intimamente do que qualquer cristão. Não existe em toda a História uma alma que eu tenha em mais alta estima. Detesto o lugar falso e errado no qual Ele foi posto por aqueles que não mais são capazes de O entender do que são de ler os hieróglifos egípcios. Mas eu amo o homem. Eu lhe devo muito, e Ele tem muito que ensinar ao mundo e que o mundo não aprenderá enquanto não tirar do pedestal de adoração e de idolatria, e O passear num jardim.
“É preciso dizer que minha leitura de Sua vida é “naturalista”. Estou satisfeito de que assim o seja. Nada há de mais divino do que as leis que governam a vida. O Deus que estabeleceu essas leis as fez suficientes para todas as suas finalidades e não necessita de as alterar. O Deus que controla os processos terrenos é o mesmo que controla os processos da vida espiritual.”
Aqui há que deixar o assunto. Esta história procurou mostrar como especiais signos materiais têm sido dados pelos regentes invisíveis da Terra, a fim de satisfazer a necessidade de provas materiais, que vêm da crescente mentalidade do homem. Também foi mostrado como esses sinais materiais foram acompanhados de mensagens espirituais, e como essas mensagens se voltam para as grandes forças religiosas primitivas do mundo, o fogo central da inspiração, que foi extinto pelas cinzas mortas daquilo que outrora fora crença viva. O homem perdeu o contacto com as vastas forças que o rodeiam e seu saber e inspiração ficaram amarrados por penosas vibrações que constituem o seu espectro, bem como às oitavas elementares que limitam a faixa de suas percepções auditivas. O Espiritismo, o maior movimento produzido em 2000 anos, colhe-o desta condição, enxuga o orvalho que o encharcou e lhe mostra novas forças e ilimitados horizontes em seu redor e mais acima. Já os picos das montanhas se iluminam. Em breve até os vales estarão inundados pelo sol da verdade.
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